domingo, 18 de novembro de 2007

DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

DIRETRIZES CURRICULARES
NACIONAIS

DIRETRIZES PARA OS NOVOS PLANOS DE CARREIRA E REMUNERAÇÃO DO MAGISTÉRIO DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS Parecer CEB 10/97 Resolução CEB 3/97
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL Parecer CEB 4/98 Resolução CEB 2/98
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO Parecer CEB 15/98 Resolução CEB 3/98
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Parecer CEB 22/98 Resolução CEB 1/99
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA MODALIDADE NORMAL EM NÍVEL MÉDIO Parecer CEB 1/99 Resolução CEB 2/99
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
PARECER CEB 10/97, aprovado em 3/9/97 (Proc. 23001.000105/96-15)
I - RELATÓRIO
Histórico
O Senhor Ministro de Estado da Educação e do Desporto, Doutor Paulo Renato Souza encaminhou ao Senhor Presidente deste Conselho, o Aviso n 337/MEC/GM, de 19/6/96, com o qual solicita o pronunciamento da Câmara de Educação Básica sobre projeto de diretrizes nacionais para a remuneração e carreira do magistério público.
O expediente, recebido em 20/6/96 e encaminhado a CEB/CNE, teve como relator o Conselheiro João Antônio Cabral de Monlevade que, no fundamentado Parecer n° 2/97, publicado na Documenta n° 425, página 520, produziu meticuloso estudo acompanhado por Projeto de Resolução relativo à matéria, aprovado pela Câmara.
O processo foi encaminhado ao MEC, por intermédio do Senhor Secretário Executivo do CNE, com o Ofício CNE/CEB n° 187/97, de 11 de março de 1997, para apreciação nos termos do artigo 2° da Lei n° 9.131/95.
O expediente foi restituído ao Senhor Presidente deste Colegiado, pelo Aviso n° 178/MEC/GM, de 16 de abril de 1997, com solicitação de "reexame do Parecer e do conseqüente projeto de Resolução apresentado pela Câmara do Ensino Básico", à luz de todas as razões expostas no mencionado expediente.
Em razão do pedido de reconsideração do MEC, a Câmara de Educação Básica apreciou os argumentos do Ministro e de sua equipe técnica através de um grupo de estudos constituídos pelos Conselheiros Almir de Souza Maia, Regina Alcântara de Assis, Carlos Roberto Jamil Cury e João Antônio Cabral de Monlevade. Um novo texto foi proposto, conservando o essencial do ante-projeto da Resolução, que passou a distinguir princípios, diretrizes e recomendações. foi reservado para as últimas a menção ao Piso Salarial Profissional e ao custo-aluno-qualidade, referenciados ao Plano Nacional de Educação. Este texto, submetido ao plenário da Câmara, recebeu emendas, contivesse diretrizes, e , numa Sessão em que se contou com a presença do Ministro da Educação, tomou seu formato de conteúdo definitivo, após divergências e consensos marcados com votos que definirão o pensamento da maioria. O presente texto do Parecer e da Resolução incorpora a contribuição final do Plenário da Câmara, nas Sessões de 2 e 3 do corrente mês de setembro.
Mérito
A Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que dispõe "sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias", determina em seu art. 10, verbis:
"Art. 10 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão comprovar:
I - efetivo cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Federal;
II - a apresentação de Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, de acordo com as diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Educação, no prazo referido no artigo anterior".
Esta determinação legal reformou o estudo que vinha sendo realizado visando ao estabelecimento das mencionadas diretrizes. Evidentemente, não se trata de decisão que deva ser adotada sem ampla discussão, sem o envolvimento das partes diretamente interessadas na formulação de tais normas. E esta tem sido a disposição da Câmara, Já anteriormente, quando o Conselheiro João Monlevade conduzia o estudo que culminou no Parecer 2/97 - CEB, de 24 de fevereiro de 1997, esse diálogo foi observado. E agora, quando da solicitação contida no Aviso n° 178/MEC/GM, mencionado anteriormente, novas tratativas foram entabuladas, até com a própria contribuição do Senhor Ministro Paulo Renato Souza, e tendo também em conta preocupações de entidades interessadas no assunto.
O presente estudo resulta do ponderado cotejo entre as múltiplas questões presentes em uma decisão desta natureza, que alcançará todo o território nacional e que, portanto, precisa ser adotada com os mais esmerados cuidados. Se, a despeito de toda a discussão anterior, a decisão adotada ainda incluiu dispositivos cuja aplicação resultaria em dificuldades insuperáveis, é indispensável que se reabra o diálogo e que haja transparente disposição para modificar o que a sensatez indique como medida necessária.
A exposição contida no Aviso Ministerial é longa e minuciosa, além de estar complementada por "Observações da Assessoria Técnica do MEC", tudo em consonância com o resultado de "consultas ao CONSED e à UNDIME", como o documento atesta. Os pontos objeto de preocupação e, conseqüentemente, do pedido de reexame abrangem os seguintes aspectos:
a. Piso Salarial Nacional - sob o fundamento de que o dispositivo constitucional contido no art. 206, inciso V estabelece, entre outros princípios, a "valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional..." (grifo do autor), o entendimento é o de que a Constituição remete a questão do piso à lei própria, no caso à LDB. Esta, por seu turno, ao abordar o assunto no artigo 67, atribui competência, neste particular, "explicitamente aos sistemas de ensino (federal, estaduais e municipais)", tornando tais entes federativos os responsáveis pela valorização dos profissionais da educação, entre outras medidas, "assegurando-lhes piso salarial profissional (...) nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público".
b. Custo-aluno-qualidade - também objeto das considerações em exame, foi tratado com a argumentação de não haver constatado da proposta encaminhada à CEB/CNE em razão da inexistência, ainda, de estudos ou consultas indispensáveis à formulação de um projeto neste sentido. Daí, haverem sido consideradas prematuras quaisquer propostas a respeito.
Depois das reflexões que levaram o MEC ao estabelecimento do valor de R$ 300,00 (trezentos reais) para o salário médio mínimo, uma vez implantado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, a exposição esclarece que "os cálculos efetuados permitem ao Governo Federal assegurar uma complementação de recursos que garanta esse custo mínimo por aluno/ano no citado valor, para os Estados onde o efeito da redistribuição promovida pelo fundo se tornar inferior ao mesmo. A conclusão é a de que "a remuneração média mensal de R$ 300,00 como o menor valor nacional, aplica-se apenas àqueles municípios que não coletam nenhum imposto, mas vivem tão somente de recursos transferidos".
Na seqüência do Aviso, o Projeto de Resolução aprovado com o Parecer n° 2/97 - CEB/CNE, já citado, é analisado em alguns de seus dispositivos, como o art. 1°, inciso I, alíneas "b", "d", "e" e "f", inciso III, inciso XIV, alínea "a" e "b". É enfatizado que a viabilidade da proposta do Ministério foi "baseada inteiramente em cálculos referentes ao ensino fundamental", assentada em "pressupostos muito específicos", cuja observância será básica para que as diretrizes consideradas se tornem exeqüíveis, na sua plenitude.
Por todas as razões expostas foi o que o Senhor Ministro solicitou o "reexame do Parecer e do conseqüente projeto de Resolução aprovado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação".
Cumpre ao relator declarar que todas as observações aqui referidas foram atentamente consideradas pelos membros da CEB que, por maioria, aprovaram as alterações necessárias, introduzidas no projeto de Resolução. Assim, a redação do projeto anterior sofreu acentuadas alterações como se verificará, depois de oportunas conversações das quais participaram o próprio titular da Pasta da Educação, juntamente com alguns de seus assessores mais próximos.
Uma análise da nova redação, artigo por artigo, revela as alterações de forma e conteúdo, introduzidas no texto para compatibilizá-lo com as ponderações mencionadas:
Art. 1° - O artigo introdutório estabelece o fundamento legal da fixação das Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e Remuneração para o Magistério Público, pelo Conselho Nacional de Educação (artigos 9° e 10 da Lei 9414/96).
Art. 2° - Define os profissionais que integram a carreira do magistério nos sistemas de ensino público, pelo exercício da docência ou pelo oferecimento de suporte pedagógico a tal atividade, na direção ou administração escolar, bem como no planejamento, na inspeção, na supervisão escolar ou orientação educacional.
Art. 3° - Em sintonia com o artigo 67 da Lei n° 9394/96, o dispositivo trata da forma de ingresso na carreira do magistério público, com a valorização dos profissionais da educação. Com este escopo, é dada ênfase: à indispensabilidade do concurso público como instrumento de ingresso na carreira (caput); à importância docente como pré-requisito para o exercício de quaisquer das outras funções de magistério (§ 1°); à necessidade da realização periódica dos concursos públicos (§ 2°); e à ocasião em que deve ocorrer o estágio probatório, determinado na lei (§ 3°).
Art. 4° A qualificação para o exercício da docência é abordada nos três incisos do caput, onde o ensino médio completo, na modalidade normal, é exigência mínima para atuação na educação infantil e nas quatro primeiras séries (inciso I); o ensino superior em curso de licenciatura, de graduação plena, é a qualificação mínima indispensável para a docência nas quatro últimas séries do ensino fundamental e no ensino médio (inciso II); e a formação superior em áreas correspondentes, com a complementação pedagógica nos termos da legislação vigente, é também admitida para exercício nas séries finais do ensino fundamental e no médio (inciso III).
Em dois parágrafos, a Resolução se ocupa: de definir a qualificação para exercício "das demais atividades de magistério", não docentes ( § 1°); e do prazo (5 anos), para que os docentes já em exercício alcancem pelo menos a qualificação mínima estabelecida na lei (§ 2°).
Art. 5° - A implementação dos programas visando ao desenvolvimento profissional dos docentes é do que trata o caput do artigo, pela via de ações especificamente planejadas e desenvolvidas, sempre que possível através do projeto de cooperação entre os sistemas de ensino. O aperfeiçoamento em serviço haverá de ser meta permanente para impedir a estagnação dos quadros docentes das escolas públicas.
O parágrafo único orienta sobre as formas de promover a implementação dos programas de que trata o caput, considerando: o entendimento preferencial das áreas carentes de professores (inciso I); a priorização voltada para os professores que terão mais tempo de permanência no serviço público ato (inciso II); a necessidade da utilização de diversificadas metodologias no desenvolvimento dos projetos, entre as quais a educação a distância pode desempenhar papel bastante significativo (inciso III).
Art. 6° - O artigo 67 da Lei n° 9.394/96 define formas de valorização dos profissionais da educação, "inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público". O art. 6°, ora considerado, acrescenta outras formas de cuidado na formulação dos planos de carreira, não apenas em benefícios de todo processo educacional de cada sistema mas, também, em favor dos próprios profissionais do magistério que permaneçam no constante exercício de suas tarefas. Isto, porque na medida em que os procedimentos são adequadamente racionalizados, os recursos se tornam mais fartos, até mesmo para a melhor remuneração dos que persistem no pleno desempenho de suas ações docentes.
Os oito incisos que integram o dispositivo tratam de normas segundo as quais: não se incluirão na remuneração os benefícios pagos durante afastamento da atividade (abonos de faltas, licenças ou justificativas), a não ser as que estejam previstas na Constituição Federal (inciso I); só será admitida a cedência de integrante do magistério para fora do sistema de ensino quando ato não decorrer ônus para o sistema de origem (inciso II); serão asseguradas férias anuais de 45 (quarenta e cinco) dias aos docentes em exercício da regência, garantindo-se aos demais integrantes do magistério 30 (trinta) dias (inciso III); será admitida a jornada de até 40 (quarenta) horas, das quais 20% a 25% (vinte a vinte e cinco por cento) deste total destinadas a atividades como preparação em reuniões pedagógicas, articulação com a comunidade e aperfeiçoamento profissional, tudo de conformidade com a proposta pedagógica da instituição (inciso IV); de modo a não permitir distorções inconvenientes, a remuneração dos portadores de licenciaturas plenas não deverá ultrapassar de 50% (cinqüenta por cento) a dos formados em nível médio (inciso V); o incentivo à progressão por qualificação para o trabalho docente levará em conta a dedicação exclusiva ao cargo, o desempenho no trabalho, a qualificação em instituições devidamente credenciadas, o tempo de serviço docente, a periódica aferição de conhecimentos que estimulem o permanente crescimento profissional (inciso VI e alíneas); não será permitida a incorporação de quaisquer gratificações, dentro ou fora do sistema de ensino, à remuneração dos integrantes do magistério ou aos proventos da aposentadoria, de sorte a impedir o favorecimento de poucos em detrimento do restante da categoria (inciso VII); para garantia de efetivação somente pela via do concurso, não será admitida a passagem do docente de um nível de atuação (quatro primeiras séries do fundamental para subseqüentes ou para o ensino médio por exemplo), sem o concurso próprio, a não ser para exercício temporário, em atendimento a uma imperiosa necessidade do serviço (inciso VIII).
3° Conceito - o Custo total médio dos professores por ano dividido pelo número de meses e descontado o custo da quota patronal da previdência, resulta no salário médio mensal do professor.
De tudo, a seguinte fórmula:
Custo Médio de Alunos x 0,60 N° Médio Alunos p/Professor = 13 (meses) x 1,12 (encargos) = Salário Médio
ou
CM x 0,60 x 25 = CM x 15 = SM 13 x 1,12 14,56
Assim:
I. quanto maior for o número médio de alunos por professor, maior será o salário médio do professor;
II. se o número médio de alunos por professor for igual a 25, o custo médio de aluno por ano é aproximadamente igual ao salário médio mensal do professor (as Diretrizes de Carreira propõem um mínimo de 25 alunos por turma).
A Relação entre salário médio e piso salarial parte dos seguintes conceitos:
1° Conceito - em cada Estado e em cada Município há um valor médio do salário correspondente ao custo médio aluno desse Estado ou Município;
2° Conceito - o salário médio é o valor médio entre o maior e o menor salário da carreira;
3° Conceito - cada Estado e cada Município deverá definir em lei sua carreira de magistério.
Conclusão: Em cada Estado e em cada município será fixado um menor salário admissível no respectivo sistema, compatível com o seu salário médio.
Resumindo:
I. Em cada Estado e Município há um custo médio por aluno associado ao volume de imposto arrecadados e ao número de alunos nas respectivas redes de ensino;
II. Dado um valor de custo meio aluno, o valor do salário médio do professor depende do número médio de alunos por professor, na respectiva rede de ensino;
III. Dado um valor de salário médio por professor, o valor do menor salário depende da amplitude da escala de salários, lembrando que quanto maior for a amplitude menor será esse piso;
IV. O custo médio aluno de R$ 300,00 (trezentos reais) somente se verificará nos municípios onde a arrecadação de impostos locais for inexistente (somente recursos de transferências), uma vez que em todos os demais casos serão observados valores maiores que estes;
V. No municípios onde o salário médio do professor fosse R$ 300,00, sendo adotada a amplitude de 50% o menor salário seria de R$ 240,00 (máximo de R$ 360,00).
II - VOTO DOS RELATORES
Com as considerações contidas neste parecer, os Relatores são por que seja aprovado o texto ora proposto para o Projeto de Resolução anexo, que "Fixa Diretrizes para os novos Planos de Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados e dos Municípios".
Brasília-DF, 3 de setembro de 1997
Ulysses de Oliveira Panisset - Relatores
Iara Silvia Lucas Wortmann
III - DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova, por maioria, o Voto dos Relatores. Votaram a favor da proposta apresentada no Parecer, os Conselheiros Jamil Cury, Almir de Souza Maia, Fábio Luiz Marinho Aidar, Regina Alcântara de Assis e Guiomar Namo de Mello que apresentou voto em separado. Votaram contra a proposta os Conselheiros João Antônio Cabral de Monlevade, que apresentou também voto em separado e foi acompanhado pelas Conselheiras Edla de Araújo Lira Soares e Hermengarda Alves Lüdke.
Sala de Sessões, em 3 de setembro de 1997.
(aa) Carlos Roberto Jamil Cury - Presidente
Hermengarda Alves Ludke - Vice-Presidente
DECLARAÇÃO DE VOTO
A valorização do professor dos demais profissionais da educação, objetivo maior das Diretrizes Nacionais para a Carreira e Remuneração do Magistério cometidas ao Conselho Nacional de Educação, se deve perseguir, na minha visão, dentro da política mais ampla de universalização da educação básica pública de qualidade, como direito de todos e dever do Estado.
A Câmara de Educação Básica do CNE acolheu a proposta do MEC, contextualizada pela PEC 233/95 que se converteu na EC 14, de 12 de setembro de 1996, pela qual se vinculou por dez anos a percentagem de 60% dos recursos constitucionais destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino , ao Ensino Fundamental, e se criou para maior eqüidade na distribuição dos impostos, o fundo de Valorização do Magistério (FVM), com a disposição de estudá-la e aperfeiçoá-la.
Sabíamos de antemão que a questão do salário do professor é muito complexa e que sua desvalorização se deu num intricado jogo de mudanças econômicas, demográficas, políticas e sociais que não são de fácil reversão. Era completamente diferente a situação dos Estados nas primeiras décadas deste século, por exemplo, quando mantinham um número mínimo de escolas secundárias, com poucos alunos e menor necessidade de professores, e a realidade de hoje, quando quase oitenta por cento da população de seis a dezessete anos está matriculada nas escolas públicas e exigem quase dois milhões de professores para lhes prover o ensino fundamental e médio. Por mais que aumentassem a arrecadação de impostos e as proporções de gastos em educação, não seriam praticáveis os salários pagos então aos catedráticos de Liceus e Escolas Normais, muitas vezes iguais aos dos juízes e promotores de justiça, com vencimentos iniciais superiores a US$ 2.000,00 mensais.
Entretanto, se queremos valorizar o professor do ensino fundamental e dos outros níveis da educação básica - educação infantil e ensino médio - não posso absolutamente concordar com mecanismos que resultem em salários abaixo do potencial e, pior, tão insuficientes e indefinidos que irão forçar o professor à escolha da multi-jornada e do multi-emprego, condições que os Conselheiros desde o princípio da discussão das Diretrizes tinha identificada como fator de desvalorização profissional e desqualificação do ensino público.
Ora, o Parecer CEB 2/97 com o ante-projeto de Resolução a ele anexo (Documenta 425, pág. 520-545), de que fui relator, e mais ainda o texto do projeto de Resolução resultante do trabalho dos Conselheiros Carlos Roberto Jamil Cury, Almir de Souza Maia, Regina Alcântara de Assis e João Antônio Cabral de Monlevade, após o pedido de reconsideração do MEC, havia chegado a uma formulação, a meu ver, que marcava um critério e um rumo seguro de re-valorização salarial. O critério era inspirado na EC 14: destinar no mínimo sessenta por cento da arrecadação total vinculada à manutenção e desenvolvimento do ensino, ao pagamento dos professores da educação básica em cada sistema de ensino, estadual ou municipal. Isso sinalizava o esforço máximo dos governos em arrecadar e destinar recursos públicos para o pagamento dos professores em exercício. E o rumo da progressiva valorização era dado pela recomendação de se incluir no Plano Nacional de Educação dois mecanismos eficazes de valorização do professor no contexto da diversidade federativa e da re-qualificação do ensino público: O Piso Salarial Profissional e o "custo-aluno-qualidade", previsto na nova LDB.
Sabe-se que a simples disponibilidade de mais recursos a ser propiciada pelo FVM a alguns Estados e a muitos Municípios não irá automaticamente resultar em melhoria salarial substantiva para os professores, proporcional ao potencial de arrecadação e nos Estados do Pará, onde a Lei 9.424/96 teve sua implantação antecipada para 1° de julho do corrente ano, com redistribuição de verbas e suplementação do MEC, os vencimentos iniciais dos professores passaram dos baixos valores praticados para o mínimo R$ 200,00 por vinte horas semanais de aula, como o FVM propicia. São necessários mecanismos indutores de valorização do trabalho e do salário docente. Foi exatamente o contrário que se aprovou na Câmara de Educação Básica na Sessão em que se concluiu a votação da Resolução das Diretrizes. Senão, vejamos.
Baseou-se a remuneração média dos professores do ensino fundamental na divisão dos recursos da sub-vinculação de 60% pelo número de professores necessários para atender aos alunos naquele nível de ensino, num regime de jornada de vinte horas de aula e numa relação de 25 alunos por professor no respectivo sistema. Ora, tal fórmula é duplamente perversa: primeiro porque no agregado excedente a 60%, tornando a divisão de 60% dos recursos por mais 60% de alunos e professores um exercício de rebaixamento da remuneração potencial média; segundo, porque a relação de 25 alunos por professor no sistema associada à jornada de vinte horas semanais de docência em sala de aula ao mesmo tempo induz à dupla jornada como possibilidade de "mais salário" e nega a proposta na globalização, de ampliar a carga curricular dos alunos rumo à escola de tempo integral.
Estas referências, ao invés de apontarem para uma progressiva valorização salarial, congelam a situação no que está propiciando, quando muito, que recursos hoje mal distribuídos, se repartam com certa eqüidade. Agrava mais o fato de nos Estados de menor arrecadação por habitante, a suplementação do MEC ter a tendência de ser decrescente, salvo sinalização em contrário: primeiro, porque não se inclui entre os alunos do ensino fundamental os jovens e adultos; segundo, porque o custo-mínimo a ser garantido pelo MEC não se refere a padrões de qualidade mas, provavelmente, a "disponibilidade do Tesouro da União". Em outras palavras: os R$ 300,00 calculados em 1995 valem menos que os R$ 300,00 de 1997 e talvez menos que um possível custo-mínimo de R$ 400,0 a ser definido para 1998, e que será o parâmetro do salário dos professores. Imagine-se se for fixado pelo Presidente da República um valor que não cubra a inflação acumulada dos três anos.
O cerne da questão é o seguinte Se ainda estamos longa da universalização do ensino fundamental, principalmente pela dívida social com os jovens e adultos que não o completaram, e se pretendemos oferecer progressivamente ensino médio e educação infantil a milhões de brasileiros que a eles ainda não tiveram acesso, é óbvio que a sociedade via Poderes Públicos deve estar disposta a aumentar os recursos destinados à educação . "Não se coloca alunos novos em dinheiro velho". Caso contrário, nada mais estaríamos fazendo do que monitorando o processo gradativo de deterioração da qualidade do ensino público, oferecendo a cada ano uma menor "disponibilidade média de recursos por aluno", como aconteceu principalmente de 1950 para cá. As primeiras vítimas seriam os professores a partir de agora mais solidários na sua miséria salarial e no esforço de multiplicar suas jornadas, não mais para atender à necessidade de alunos e escolas sem professores, mas para equilibrar o orçamento familiar e continuar equilibrando as finanças do país no seu ajuste à acumulação do capital internacional. E as vítimas finais seriam os alunos das escolas públicas da Educação Básica, que não contariam com profissionais de educação com salários e jornadas que lhes garantissem aprendizagem, mas tão somente com indivíduos reduzidos a máquinas deficientes de ensinar. A melhor educação restaria aos alunos de escolas particulares, as quais poderiam se manter, como já estão fazendo, com um gasto-médio por aluno do dobro do valor praticado pela média das escolas públicas do país.
O Parecer 2/97 e o texto consensuado no Rio de Janeiro pelos novos redatores da matéria, constante das atas da CEB, embutiam no projeto de Resolução, não como mandamento legal como recomendação política a que se poderiam referir os sistemas de ensino e os sindicatos de trabalhadores da educação, um referencial de vencimento inicial igual ou superior a um Piso Salarial Profissional Nacional que bem poderia se situar com as arrecadações de hoje e com o FVM em R$ 500,00 para jornada de 40 horas semanais com 25% de horas-atividade, o que elevava o potencial de atendimento de cada professor a 37,5 alunos no conjunto do sistema. E assegurava que a política de valorização do magistério passaria pelo estabelecimento de um custo-aluno-qualidade, previsto tanto na LDB como na Lei 9.424/96, que regulamenta o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, Estados e Municípios, obedecida sua capacidade de atendimento nos termos do artigo 75 da Lei 9394/96, que pudessem oferecer vencimento iniciais maiores e proporção maior de horas-atividades, estariam livres e instados a fazê-lo, sem perigo de engessamento administrativo ou inviabilização financeira, pois o projeto de Resolução estabelecia limites de progressão na carreira e sinalizava outras formas de financiamento dos inativos da educação , que hoje gravam inexoravelmente os recursos vinculados ao ensino.
Tais são as razões de meu voto contrário ao presente projeto de Resolução. Resta-me esperar que a implantação dos FVM, a implementação pela União, Estados e Municípios do repasse de suas verbas vinculadas aos órgãos responsáveis pela educação de dez em dez dias (art. 69, § 5° da Lei 9.394/96), a reinvidicação da sociedade por ensino de melhor qualidade nas escolas públicas que agora podem contar com a gestão democrática e principalmente a radicalização das lutas sindicais do magistério por viáveis e melhores salários, sob a liderança cada vez mais lúcida e firme da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação, venham a se constituir nos ingredientes históricos de futuras decisões do MEC e do CNE em prol da valorização de todos os profissionais da educação e de uma crescente qualificação da escola pública, gratuita e democrática que, tenho certeza, é propósito de construção de todos os Conselheiros desta Câmara.
Brasília-DF, 3 de setembro de 1997
(a) João Antônio Cabral de Monlevade
VOTO EM SEPARADO
Voto contrariamente ao inciso IV do Art. 6° porque:
aprovada a obrigatoriedade de 20% a 25% de horas atividades incorporadas à jornada docente; e
limitando a 40 horas no total a jornada de trabalho do professor;
A proposta veda o acúmulo de duas jornadas de 20 horas de aula acrescidas, em cada jornada, das correspondentes horas de atividade.
Para maior esclarecimento ao voto contrário, faço constar:
a) na maioria dos sistemas de ensino prevalece o conceito de função docente correspondente a 20 horas de aula semanais, permitindo-se o acúmulo de duas funções docentes (portanto, 40 horas de aula), para compor a jornada total. Ora, neste caso, o cumprimento da obrigatoriedade de, no mínimo, 20% de horas de atividade inviabiliza o acúmulo.
b) reconheço que o acúmulo não é uma situação plenamente satisfatória. No entanto, a freqüência com a qual ainda ocorre, recomenda cautela para aprovar um dispositivo que sumariamente veda esse acúmulo.
c) votar favoravelmente a uma jornada de até 40 horas eliminou a alternativa da proposta do MEC - a meu ver muito mais flexível - que reconhecia uma jornada mínima de 20 horas - correspondente a uma função docente e sinalizava para a jornada ideal de 30 horas - correspondente a uma função docente e meia - ambas acrescidas das horas de atividades que coubessem.
(a) Conselheira Guiomar Namo de Mello
[Volta ao início do documento]
RESOLUÇÃO N.º 3, DE 8 DE OUTUBRO DE 1997(*)
Fixa Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto na Lei 9.131, de 25/11/95, nos artigos 9º e 10 da Lei 9.424, de 24/12/96, e no Parecer 10/97, homologado pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto em 25 de setembro de 1997,
RESOLVE:
Art. 1º Os novos Planos de Carreira e Remuneração para o Magistério Público deverão observar às diretrizes fixadas por esta Resolução.
Art. 2º Integram a carreira do Magistério dos Sistemas de Ensino Público os profissionais que exercem atividades de docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional.
Art. 3º. O ingresso na carreira do magistério público se dará por concurso público de provas e títulos.
§ 1º. A experiência docente mínima, pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer funções de magistério, que não a de docência, será de 02 (dois) anos e adquirida em qualquer nível ou sistema de ensino, público ou privado.
§ 2º. Comprovada a existência de vagas nas escolas e a indisponibilidade de candidatos aprovados em concursos anteriores, cada sistema realizará concurso público para preenchimento das mesmas, pelo menos de quatro em quatro anos.
§ 3º. O estágio probatório, tempo de exercício profissional a ser avaliado após período determinado em lei, ocorrerá entre a posse e a investidura permanente na função.
Art. 4º. O exercício da docência na carreira de magistério exige, como qualificação mínima:
I - ensino médio completo, na modalidade normal, para a docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental;
II - ensino superior em curso de licenciatura, de graduação plena, com habilitações específicas em área própria, para a docência nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio;
III - formação superior em área correspondente e complementação nos termos da legislação vigente, para a docência em áreas específicas das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio.
§ 1º. O exercício das demais atividades de magistério de que trata o artigo 2º desta Resolução exige como qualificação mínima a graduação em Pedagogia ou pós-graduação, nos termos do artigo 64 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
§ 2º. A União, os Estados e os Municípios colaborarão para que, no prazo de cinco anos, seja universalizada a observância das exigências mínimas de formação para os docentes já em exercício na carreira do magistério.
Art. 5º. Os sistemas de ensino, no cumprimento do disposto nos artigos 67 e 87 da Lei 9.394/96, envidarão esforços para implementar programas de desenvolvimento profissional dos docentes em exercício, incluída a formação em nível superior, em instituições credenciadas, bem como em programas de aperfeiçoamento em serviço.
Parágrafo único - A implementação dos programas de que trata o caput tomará em consideração:
I - a prioridade em áreas curriculares carentes de professores;
II - a situação funcional dos professores, de modo a priorizar os que terão mais tempo de exercício a ser cumprido no sistema;
III - a utilização de metodologias diversificadas, incluindo as que empregam recursos da educação a distância.
Art. 6º. Além do que dispõe o artigo 67 da Lei 9.394/96, os novos planos de carreira e remuneração do magistério deverão ser formulados com observância do seguinte:
I - não serão incluídos benefícios que impliquem afastamento da escola, tais como faltas abonadas, justificativas ou licenças, não previstas na Constituição Federal;
II - a cedência para outras funções fora do sistema de ensino só será admitida sem ônus para o sistema de origem do integrante da carreira de magistério;
III - as docentes em exercício de regência de classe nas unidades escolares deverão ser assegurados 45 (quarenta e cinco) dias de férias anuais, distribuídos nos períodos de recesso, conforme o interesse da escola, fazendo jus os demais integrantes do magistério a 30 (trinta) dias por ano;
IV - a jornada de trabalho dos docentes poderá ser de até 40 (quarenta) horas e incluirá uma parte de horas de aula e outra de horas de atividades, estas últimas correspondendo a um percentual entre 20% (vinte por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da jornada, consideradas como horas de atividades aquelas destinadas à preparação e avaliação do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola;
V - a remuneração dos docentes contemplará níveis de titulação, sem que a atribuída aos portadores de diploma de licenciatura plena ultrapasse em mais de 50% (cinquenta por cento) a que couber aos formados em nível médio;
VI - constituirão incentivos de progressão por qualificação de trabalho docente:
a dedicação exclusiva ao cargo no sistema de ensino;
o desempenho no trabalho, mediante avaliação segundo parâmetros de qualidade do exercício profissional, a serem definidos em cada sistema;
a qualificação em instituições credenciadas;
o tempo de serviço na função docente;
avaliações periódicas de aferição de conhecimentos na área curricular em que o professor exerça a docência e de conhecimentos pedagógicos.
VII - não deverão ser permitidas incorporações de quaisquer gratificações por funções dentro ou fora do sistema de ensino aos vencimentos e proventos de aposentadoria;
VIII - a passagem do docente de um cargo de atuação para outro só deverá ser permitida mediante concurso, admitido o exercício a título precário apenas quando indispensável para o atendimento à necessidade do serviço.
Art. 7º. A remuneração dos docentes do ensino fundamental deverá ser definida em uma escala cujo ponto médio terá como referência o custo médio aluno-ano de cada sistema estadual ou municipal e considerando que:
I - o custo médio aluno-ano será calculado com base nos recursos que integram o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, aos quais é adicionado o equivalente a 15% (quinze por cento) dos demais impostos, tudo dividido pelo número de alunos do ensino fundamental regular dos respectivos sistemas;
II - o ponto médio da escala salarial corresponderá à média aritmética entre a menor e a maior remuneração possível dentro da carreira;
III - a remuneração média mensal dos docentes será equivalente ao custo médio aluno-ano, para uma função de 20 (vinte) horas de aula e 05 (cinco) horas de atividades, para uma relação média de 25 alunos por professor, no sistema de ensino;
IV - jornada maior ou menor que a definida no inciso III, ou a vigência de uma relação aluno-professor diferente da mencionada no referido inciso, implicará diferenciação para mais ou para menos no fator de equivalência entre custo médio aluno-ano e o ponto médio da escala de remuneração mensal dos docentes;
V - a remuneração dos docentes do ensino fundamental, estabelecida na forma deste artigo, constituirá referência para a remuneração dos professores da educação infantil e do ensino médio.
Art. 8º. Os planos a serem instituídos com observância destas diretrizes incluirão normas reguladoras da transição entre o regime anterior e o que será instituído.
Art. 9º. A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação proporá ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto a constituição de uma Comissão Nacional com adequada representatividade, considerando o artigo 195 da Constituição Federal, para num prazo de 06 (seis) meses, a contar de sua instalação, estudar a criação de fundos de aposentadoria para o magistério, com vencimentos integrais, de modo a evitar a utilização dos recursos vinculados à educação para tal finalidade.
Art. 10. A presente Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
CARLOS ROBERTO JAMIL CURY
Presidente da Câmara de Educação Básica
____________
(*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 3/97. Diário Oficial, Brasília, 13 out. 1997. Seção 1, p. 22987.
-------------. Documenta, Brasília (433): 175, out. 1997.
[Volta ao início do documento]
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
PARECER CEB 4/98, aprovado em 29/1/98 (Processo 23001.000062/98-76)
I - RELATÓRIO
Introdução
A nação brasileira através de suas instituições, e no âmbito de seus entes federativos vem assumindo, vigorosamente, responsabilidades crescentes para que a Educação Básica, demanda primeira das sociedades democráticas, seja prioridade nacional como garantia inalienável do exercício da cidadania plena.
A conquista da cidadania plena, fruto de direitos e deveres reconhecidos na Constituição Federal depende, portanto, da Educação Básica, constituída pela Educação Infantil, Fundamental e Média, como exposto em seu Artigo 6º.
Reconhecendo previamente a importância da Educação Escolar para além do Ensino Fundamental, a Lei Maior consigna a progressiva universalização do Ensino Médio (Constituição Federal, art. 208, II), e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996), afirma a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do mesmo.
Assim, a Educação Fundamental, segunda etapa da Educação Básica, além de co-participar desta dinâmica é indispensável para a nação. E o é de tal maneira que o direito a ela, do qual todos são titulares (direito subjetivo), é um dever, um dever de Estado (direito público). Daí porque o Poder Público é investido de autoridade para impô-la como obrigatória a todos e a cada um.
Por isto o indivíduo não pode renunciar a este serviço e o poder público que o ignore será responsabilizado, segundo o art. 208, §2º da CF.
A magnitude da importância da Educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o civis, o socius ou seja, a pessoa em suas relações individuais, civís e sociais.
O exercício do direito à Educação Fundamental supõe, também todo o exposto no art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no qual os princípios da igualdade, da liberdade, do reconhecimento do pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, da convivência entre instituições públicas e privadas estão consagrados. Ainda neste art. 3º, as bases para que estes princípios se realizem estão estabelecidas na proposição da valorização dos professores e da gestão democrática do ensino público com garantia de padrão de qualidade.
Ao valorizar a experiência extra-escolar dos alunos e propor a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais, a LDB é consequente com os arts. 205 e 206 da Constituição Federal, que baseiam o fim maior da educação no pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Nestas perspectivas, tanto a Educação Infantil, da qual trata a LDB, arts. 29 a 31, quanto a Educação Especial, arts. 58 a 60, devem ser consideradas no âmbito da definição das Diretrizes Curriculares Nacionais, guardadas as especificidades de seus campos de ação e as exigências impostas pela natureza de sua ação pedagógica.
Um dos aspectos mais marcantes da nova LDB é o de reafirmar, na prática, o caráter de República Federativa, por colaboração.
Desta forma, a flexibilidade na aplicação de seus princípios e bases, de acordo com a diversidade de contextos regionais, está presente no corpo da lei, pressupondo, no entanto, intensa e profunda ação dos sistemas em nível Federal, Estadual e Municipal para que, de forma solidária e integrada possam executar uma política educacional coerente com a demanda e os direitos de alunos e professores.
Antecedentes das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
O art. 9º, inciso IV, da LDB assinala ser incumbência da União:... "estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e os seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum".
Logo, os currículos e seus conteúdos mínimos (art. 210 da CF/88), propostos pelo MEC (art. 9º da LDB), terão seu norte estabelecido através de diretrizes. Estas terão como foro de deliberação a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (art. 9º, § 1º, alínea "c" da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995).
Dentro da opção cooperativa que marcou o federalismo no Brasil, após a Constituição de 1988, a proposição das diretrizes será feita em colaboração com os outros entes federativos (LDB, art. 9º).
Ora, a federação brasileira, baseada na noção de colaboração, supõe um trabalho conjunto no interior do qual os parceiros buscam, pelo consenso, pelo respeito aos campos específicos de atribuições, tanto metas comuns como os meios mais adequados para as finalidades maiores da Educação Nacional. Esta noção implica, então, o despojamento de respostas e caminhos previamente prontos e fechados, responsabilizando as Secretarias e os Conselhos Estaduais do Distrito Federal e Municipais de Educação, pela definição de prazos e procedimentos que favoreçam a transição de políticas educacionais ainda vigentes, encaminhando mudanças e aperfeiçoamentos, respaldados na Lei 9394/96, de forma a não provocar rupturas e retrocessos, mas a construir caminhos que propiciem uma travessia fecunda.
Desta forma, cabe à Câmara de Educação Básica do CNE exercer a sua função deliberativa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais, reservando-se aos entes federativos e às próprias unidades escolares, de acordo com a Constituição Federal e a LDB, a tarefa que lhes compete em termos de implementações curriculares.
Tal compromisso da Câmara pressupõe, portanto, que suas "funções normativas e de supervisão" (Lei 9131/95), apoiem o princípio da definição de Diretrizes Curriculares Nacionais, reconhecendo a flexibilidade na articulação entre União, Distrito Federal, Estados e Municípios como um dos principais mecanismos da nova LDB. No entanto, a flexibilidade por ela propiciada não pode ser reduzida a um instrumento de ocultação da precariedade ainda existente em muitos segmentos dos sistemas educacionais. Assim flexibilidade e descentralização de ações devem ser sinônimos de responsabilidades compartilhadas em todos os níveis.
Ao definir as Diretrizes Curriculares Nacionais, a Câmara de Educação Básica do CNE inicia o processo de articulação com Estados e Municípios, através de suas próprias propostas curriculares, definindo ainda um paradigma curricular para o Ensino Fundamental, que integra a Base Nacional Comum, complementada por uma Parte Diversificada (LDB, art. 26), a ser concretizada na proposta pedagógica de cada unidade escolar do País.
Em bem lançado Parecer do ilustre Conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset, o de nº 05/97 da CEB, aprovado em 07/05/97 e homologado no DOU de 16/95/97, é explicitada a importância atribuída às escolas dos sistemas do ensino brasileiro, quando, a partir de suas próprias propostas pedagógicas, definem seus calendários e formas de funcionamento, e, por conseqüência, seus regimentos tal como disposto na LDB, arts. 23 a 28.
As propostas pedagógicas e os regimentos das unidades escolares devem, no entanto, observar as Diretrizes Curriculares Nacionais e os demais dispositivos legais.
Desta forma, ao definir suas propostas pedagógicas e seus regimentos, as escolas estarão compartilhando princípios de responsabilidade, num contexto de flexibilidade teórico/metodológica de ações pedagógicas, em que o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação dos processos educacionais revelem sua qualidade e respeito à equidade de direitos e deveres de alunos e professores.
Ao elaborar e iniciar a divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o Ministério da Educação propõe um norteamento educacional às escolas brasileiras, "a fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes".
Entretanto, se os Parâmetros Curriculares Nacionais podem funcionar como elemento catalisador de ações, na busca de uma melhoria da qualidade da educação, de modo algum pretendem resolver todos os problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem. "A busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes frentes, como a formação inicial e continuada de professores, uma política de salários dignos e plano de carreira, a qualidade do livro didático, recursos televisivos e de multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas esta qualificação almejada implica colocar, também, no centro do debate, as atividades escolares de ensino e aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a política educacional da nação brasileira." (PCN, Volume 1, Introdução, pp.13/14).
Além disso, ao instituir e implementar um Sistema de Avaliação da Educação Básica, o MEC cria um instrumento importante na busca pela eqüidade, para o sistema escolar brasileiro, o que deverá assegurar a melhoria de condições para o trabalho de educar com êxito, nos sistemas escolarizados. A análise destes resultados deve permitir aos Conselhos e Secretarias de Educação a formulação e o aperfeiçoamento de orientações para a melhoria da qualidade do ensino.
A proposta de avaliação nacional, deve propiciar uma correlação direta entre a Base Nacional Comum para a educação, e a verificação externa do desempenho, pela qualidade do trabalho de alunos e professores, conforme regula a LDB, Art. 9º.
Os esforços conjuntos e articulados de avaliação dos sistemas de educação, Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal propiciarão condições para o aperfeiçoamento e o êxito da Educação Fundamental.
Isto acontecerá na medida em que as propostas pedagógicas das escolas reflitam o projeto de sociedade local, regional e nacional, que se deseja, definido por cada equipe docente, em colaboração com os usuários e outros membros da sociedade, que participem dos Conselhos/Escola/Comunidade e Grêmios Estudantis.
A elaboração deste Parecer, preparatório à Resolução sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais, é fruto do trabalho compartilhado pelos Conselheiros da Câmara de Educação Básica, e, em particular do conjunto de proposições doutrinárias, extraídas dos textos elaborados, especialmente, pelos Conselheiros Carlos Roberto Jamil Cury, Edla Soares, João Monlevade e Regina de Assis.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas.
Para orientar as práticas educacionais em nosso país, respeitando as variedades curriculares já existentes em Estados e Municípios, ou em processo de elaboração, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação estabelece as seguintes Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental:
I - As escolas deverão estabelecer, como norteadores de suas ações pedagógicas:
a. os Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do
Respeito ao Bem Comum;
b) os Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem Democrática;
c) os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.
Estes princípios deverão fundamentar as práticas pedagógicas das escolas, pois será através da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum, que a Ética fará parte da vida cidadã dos alunos.
Da mesma forma os Direitos e Deveres de Cidadania e o Respeito à Ordem Democrática, ao orientarem as práticas pedagógicas, introduzirão cada aluno na vida em sociedade, que busca a justiça, a igualdade, a equidade e a felicidade para o indivíduo e para todos. O exercício da Criticidade estimulará a dúvida construtiva, a análise de padrões em que direitos e deveres devam ser considerados, na formulação de julgamentos.
Viver na sociedade brasileira é fundamentar as práticas pedagógicas, a partir dos Princípios Estéticos da Sensibilidade, que reconhece nuances e variações no comportamento humano. Assim como da Criatividade, que estimula a curiosidade, o espírito inventivo, a disciplina para a pesquisa e o registro de experiências e descobertas. E, também, da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais, reconhecendo a imensa riqueza da nação brasileira em seus modos próprios de ser, agir e expressar-se.
II- Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas deverão explicitar o reconhecimento da identidade pessoal de alunos, professores e outros profissionais e a identidade de cada unidade escolar e de seus respectivos sistemas de ensino.
O reconhecimento de identidades pessoais é uma diretriz para a Educação Nacional, no sentido do reconhecimento das diversidades e peculiaridades básicas relativas ao gênero masculino e feminino, às variedades étnicas, de faixa etária e regionais e às variações sócio/econômicas, culturais e de condições psicológicas e físicas, presentes nos alunos de nosso país. Pesquisas têm apontado para discriminações e exclusões em múltiplos contextos e no interior das escolas, devidas ao racismo, ao sexismo e a preconceitos originados pelas situações sócio-econômicas, regionais, culturais e étnicas. Estas situações inaceitáveis têm deixado graves marcas em nossa população infantil e adolescente, trazendo conseqüências destrutivas. Reverter este quadro é um dos aspectos mais relevantes desta diretriz.
Estas variedades refletem-se, ainda, na própria Identidade das escolas e sua relação com as comunidades às quais servem. Assim, desde concepções arquitetônicas, história da escola, algumas vezes centenária, até questões relacionadas com calendário escolar e atividades curriculares e extra-curriculares, a diretriz nacional deve reconhecer essas identidades e suas conseqüências na vida escolar, garantidos os direitos e deveres prescritos legalmente. Neste sentido, as propostas pedagógicas e os regimentos escolares devem acolher, com autonomia e senso de justiça, o princípio da identidade pessoal e coletiva de professores, alunos e outros profissionais da escola, como definidor de formas de consciência democrática. Portanto, a proposta pedagógica de cada unidade escolar, ao contemplar seja os Parâmetros Curriculares Nacionais, seja outras propostas curriculares, deverá articular o paradigma curricular proposto na Quarta Diretriz ao projeto de sociedade que se deseja instituir e transformar, a partir do reconhecimento das identidades pessoais e coletivas do universo considerado.
III - As escolas deverão reconhecer que as aprendizagens são constituídas na interação entre os processos de conhecimento, linguagem e afetivos, como conseqüência das relações entre as distintas identidades dos vários participantes do contexto escolarizado, através de ações inter e intra-subjetivas; as diversas experiências de vida dos alunos, professores e demais participantes do ambiente escolar, expressas através de múltiplas formas de diálogo, devem contribuir para a constituição de identidades afirmativas, persistentes e capazes de protagonizar ações solidárias e autônomas de constituição de conhecimentos e valores indispensáveis à vida cidadã.
As evidências de pesquisas e estudos nas áreas de Psicologia, Antropologia, Sociologia e Linguística, entre outras Ciências Humanas e Sociais, indicam a necessidade imperiosa de se considerar, no processo educacional, a indissociável relação entre conhecimentos, linguagem e afetos, como constituinte dos atos de ensinar e aprender. Esta relação essencial, expressa através de múltiplas formas de diálogo, é o fundamento do ato de educar, concretizado nas relações entre as gerações, seja entre os próprios alunos ou entre eles e seus professores. Desta forma os diálogos expressos através de múltiplas linguagens verbais e não verbais, refletem diferentes identidades, capazes de interagir consigo próprias e com as demais, através da comunicação de suas percepções, impressões, dúvidas, opiniões e capacidades de entender e interpretar a ciência, as tecnologias, as artes e os valores éticos, políticos e estéticos.
Grande parte do mau desempenho dos alunos, agravado pelos problemas da reprovação e da preparação insatisfatória, prévia e em serviço, dos professores, é devida à insuficiência de diálogos e metodologia de trabalhos diversificados na sala de aula, que permitam a expressão de níveis diferenciados de compreensão, de conhecimentos e de valores éticos, políticos e estéticos. Através de múltiplas interações entre professores/alunos, alunos/alunos, alunos/livros, vídeos, materiais didáticos e a mídia, desenvolvem-se ações inter e intra-subjetivas, que geram conhecimentos e valores transformadores e permanentes. Neste caso, a diretriz nacional proposta, prevê a sensibilização dos sistemas educacionais para reconhecer e acolher a riqueza da diversidade humana desta nação, valorizando o diálogo em suas múltiplas manifestações, como forma efetiva de educar, de ensinar e aprender com êxito, através dos sentidos e significados expressos pelas múltiplas vozes, nos ambientes escolares.
Por isso ao planejar suas propostas pedagógicas, seja a partir dos PCN seja a partir de outras propostas curriculares, os professores e equipes docentes, em cada escola, buscarão as correlações entre os conteúdos das áreas de conhecimento e o universo de valores e modos de vida de seus alunos.
Atenção especial deve ser adotada, ainda, nesta Diretriz, para evitar que as propostas pedagógicas sejam reducionistas ou excludentes, levando aos excessos da "escola pobre para os pobres", ou dos grupos étnicos e religiosos apenas para si. Ao trabalhar a relação inseparável entre conhecimento, linguagem e afetos, as equipes docentes deverão ter a sensibilidade de integrar estes aspectos do comportamento humano, discutindo-os e comparando-os numa atitude crítica, construtiva e solidária, dentro da perspectiva e da riqueza da diversidade da grande nação brasileira, como previsto no art. 3º, inciso I, da LDB.
Neste ponto seria esclarecedor explicitar alguns conceitos, para melhor compreensão do que propomos:
a) Currículo: atualmente este conceito envolve outros três, quais sejam: currículo formal (planos e propostas pedagógicas), currículo em ação (aquilo que efetivamente acontece nas salas de aula e nas escolas), currículo oculto (o não dito, aquilo que tanto alunos, quanto professores trazem, carregado de sentidos próprios criando as formas de relacionamento, poder e convivência nas salas de aula). Neste texto quando nos referimos a um paradigma curricular estamos nos referindo a uma forma de organizar princípios Éticos, Políticos e Estéticos que fundamentam a articulação entre Áreas de Conhecimentos e aspectos da Vida Cidadã.
b) Base Nacional Comum: refere-se ao conjunto de conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento articulados aos aspectos da Vida Cidadã de acordo com o art. 26. Por ser a dimensão obrigatória dos curriculos nacionais – certamente âmbito privilegiado da avaliação nacional do rendimento escolar – a Base Nacional Comum deve preponderar substancialmente sobre a dimensão diversificada.
É certo que o art. 15 indica um modo de se fazer a travessia, em vista da autonomia responsável dos estabelecimentos escolares. A autonomia, como objetivo de uma escola consolidada, saberá resumir em sua proposta pedagógica (art. 12 da LDB) a integração da Base Nacional Comum e da Parte Diversificada, face às finalidades da Educação Fundamental.
c) Parte Diversificada: envolve os conteúdos complementares, escolhidos por cada sistema de ensino e estabelecimentos escolares, integrados à Base Nacional Comum, de acordo com as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela, refletindo-se, portanto, na Proposta Pedagógica de cada Escola, conforme o art. 26.
d) Conteúdos Mínimos das Áreas de Conhecimento: refere-se às noções e conceitos essenciais sobre fenômenos, processos, sistemas e operações, que contribuem para a constituição de saberes, conhecimentos, valores e práticas sociais indispensáveis ao exercício de uma vida de cidadania plena.
Ao utilizar os conteúdos mínimos, já divulgados inicialmente pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a serem ensinados em cada área de conhecimento, é indispensável considerar, para cada segmento (Educação Infantil, 1ª. à 4ª. e 5ª. a 8ª. séries), ou ciclos, que aspectos serão contemplados na intercessão entre as áreas e aspectos relevantes da cidadania, tomando-se em conta a identidade da escola e seus alunos, professores e outros profissionais que aí trabalham.
O espaço destas intercessões é justamente o de criação e recriação de cada escola, com suas equipes pedagógicas, a cada ano de trabalho.
Assim, a Base Nacional Comum será contemplada em sua integridade, e complementada e enriquecida pela Parte Diversificada, contextualizará o ensino em cada situação existente nas escolas brasileiras. Reiteramos que a LDB prevê a possibilidade de ampliação dos dias e horas de aula, de acordo com as possibilidades e necessidades das escolas e sistemas.
Embora os Parâmetros Curriculares propostos e encaminhados às escolas pelo MEC sejam Nacionais, não têm, no entanto, caráter obrigatório, respeitando o princípio federativo de colaboração nacional. De todo modo, cabe à União, através do próprio MEC o estabelecimento de conteúdos mínimos para a chamada Base Nacional Comum (LDB, art. 9º).
IV- Em todas as escolas, deverá ser garantida a igualdade de acesso dos alunos a uma Base Nacional Comum, de maneira a legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional; a Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que visa estabelecer a relação entre a Educação Fundamental com:
a Vida Cidadã, através da articulação entre vários dos seus aspectos como:
a Saúde;
a Sexualidade;
a Vida Familiar e Social;
o Meio Ambiente;
o Trabalho;
a Ciência e a Tecnologia;
a Cultura;
as Linguagens; com,
as Áreas de Conhecimento de:
Língua Portuguesa;
Língua Materna (para populações indígenas e migrantes);
Matemática;
Ciências;
Geografia;
História;
Língua Estrangeira;
Educação Artística;
Educação Física;
Educação Religiosa (na forma do art. 33 da LDB).
Assim, esta articulação permitirá que a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada atendam ao direito de alunos e professores terem acesso a conteúdos mínimos de conhecimentos e valores, facilitando, desta forma, a organização, o desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas das escolas, como estabelecido nos arts. 23 a 28 , 32 e 33, da LDB.
A Educação Religiosa, nos termos da Lei, é uma disciplina obrigatória de matrícula facultativa no sistema público (art. 33 da LDB).
Considerando que as finalidades e objetivos dos níveis e modalidades de educação e de ensino da Educação Básica são, segundo o Art. 22 da LDB:
· desenvolver o educando;
· assegurar-lhe a formação comum indispensável ao exercício da cidadania;
· fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
E, considerando, ainda, que o Ensino Fundamental, ( art. 32), visa à formação básica do cidadão mediante:
. o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
. a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade, desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, do fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância, situados no horizonte da igualdade, mais se justifica o paradigma curricular apresentado para as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental.
A construção da Base Nacional Comum passa pela constituição dos saberes integrados à ciência e à tecnologia, criados pela inteligência humana. Por mais instituinte e ousado, o saber terminará por fundar uma tradição, por criar uma referência. A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas. A modernidade, por mais crítica que tenha sido da tradição, arquitetou-se a partir de referências e paradigmas seculares. A relação com o passado deve ser cultivada, desde que se exerça uma compreensão do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente linear e seqüencial. A articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes, sem retirá-los da sua historicidade e, no caso do Brasil, de interação entre nossas diversas etnias, com as raízes africanas, indígenas, européias e orientais.
A produção e a constituição do conhecimento, no processo de aprendizagem, dá muitas vezes, a ilusão de que podemos seguir sozinhos com o saber que acumulamos. A natureza coletiva do conhecimento termina sendo ocultada ou dissimulada, negando-se o fazer social. Nada mais significativo e importante, para a construção da cidadania, do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da história. Além disso, a existência dos saberes associados aos conhecimentos científicos e tecnológicos nos ajuda a caminhar pelos percursos da história, mas sua existência não significa que o real é esgotável e transparente.
Por outro lado, costuma-se reduzir a produção e a constituição do conhecimento no processo de aprendizagem, à dimensão de uma razão objetiva, desvalorizando-se outros tipos de experiências ou mesmo expressões outras da sensibilidade.
Assim, o modelo que despreza as possibilidades afetivas, lúdicas e estéticas de entender o mundo tornou-se hegemônico, submergindo no utilitarismo que transforma tudo em mercadoria. Em nome da velocidade e do tipo de mercadoria, criaram-se critérios para eleger valores que devem ser aceitos como indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade. O ponto de encontro tem sido a acumulação e não a reflexão e a interação, visando à transformação da vida, para melhor. O núcleo da aprendizagem terminaria sendo apenas a criação de rituais de passagem e de hierarquia, contrapondo-se, inclusive, à concepção abrangente de educação explicitada nos arts. 205 e 206, da CF.
No caso, pode-se, também, recorrer ao estabelecido no art. 1º, da LDB quando reconhece a importância dos processos formativos desenvolvidos nos movimentos sociais, nos organismos da sociedade civil e nas manifestações culturais, apontando, portanto, para uma concepção de educação relacionada com a invenção da cultura; e a cultura é, sobretudo, o território privilegiado dos significados. Sem uma interpretação do mundo, não podemos entendê-lo. A interpretação é uma leitura do pensar, do agir e do sentir dos homens e das mulheres. Ela é múltipla e revela que a cultura é uma abertura para o infinito, e o próprio "homem é uma metáfora de si mesmo". A capacidade de interpretar o mundo amplia-se com a criação contínua de linguagens e a possibilidade crescente de socializá-las, mas não pode deixar de contemplar a relação entre as pessoas e o meio ambiente, medida pelo trabalho, espaço fundamental de geração de cultura.
Ora, a instituição de uma Base Nacional Comum com uma Parte Diversificada, a partir da LDB, supõe um novo paradigma curricular que articule a Educação Fundamental com a Vida Cidadã.
O significado que atribuímos à Vida Cidadã é o do exercício de direitos e deveres de pessoas, grupos e instituições na sociedade, que em sinergia, em movimento cheio de energias que se trocam e se articulam, influem sobre múltiplos aspectos, podendo assim viver bem e transformar a convivência para melhor.
Assim as escolas com suas propostas pedagógicas, estarão contribuindo para um projeto de nação, em que aspectos da Vida Cidadã, expressando as questões relacionadas com a Saúde, a Sexualidade, a Vida Familiar e Social, o Meio Ambiente, o Trabalho, a Ciência e a Tecnologia, a Cultura e as Linguagens, se articulem com os conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento.
Menção especial deve ser feita à Educação Infantil, definida nos arts. 29 a 31 da LDB que, dentro de suas especificidades, deverá merecer dos sistemas de ensino as mesmas atenções que a Educação Fundamental, no que diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais. A importância desta etapa da vida humana, ao ser consagrada na LDB, afirmando os direitos das crianças de 0 aos 6 anos, suas famílias e educadores, em creches e classes de educação infantil, deve ser acolhida pelos sistemas de ensino dentro das perspectivas propostas pelas DCN, com as devidas adequações aos contextos a que se destinam.
Recomendação análoga é feita em relação à Educação Especial, definida e regida pelos arts. 58 a 60 da LDB, que inequivocamente, consagram os direitos dos portadores de necessidades especiais de educação, suas famílias e professores. As DCN dirigem-se também a eles que, em seus diversos contextos educacionais, deverão ser regidos por seus princípios.
Assim, respeitadas as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da população servida pelas escolas, todos os alunos terão direito de acesso aos mesmos conteúdos de aprendizagem, a partir de paradigma curricular apresentado dentro de contextos educacionais diversos e específicos. Esta é uma das diretrizes fundamentais da Educação Nacional.
Dentro do que foi proposto, três observações são especialmente importantes:
a) A busca de definição, nas propostas pedagógicas das escolas, dos conceitos específicos para cada área de conhecimento, sem desprezar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade entre as várias áreas. Neste sentido, as propostas curriculares dos sistemas e das escolas devem articular fundamentos teóricos que embasem a relação entre conhecimentos e valores voltados para uma vida cidadã, em que, como prescrito pela LDB, o ensino fundamental esteja voltado para o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade, desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância.
Os sistemas de ensino, ao decidir, de maneira autônoma, como organizar e desenvolver a Parte Diversificada de suas propostas pedagógicas, têm uma oportunidade magnífica de tornarem contextualizadas e próximas, experiências educacionais consideradas essenciais para seus alunos.
b) A compreensão de que propostas curriculares das escolas e dos sistemas, e das propostas pedagógicas das escolas, devem integrar bases teóricas que favoreçam a organização dos conteúdos do paradigma curricular da Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada: Tudo, visando ser conseqüente no planejamento, desenvolvimento e avaliação das práticas pedagógicas. Quaisquer que sejam as orientações em relação a organização dos sistemas por séries, ciclos, ou calendários específicos, é absolutamente necessário ter claro que o processo de ensinar e aprender só terá êxito quando os objetivos das intenções educacionais abrangerem estes requisitos.
Assim, para elaborar suas propostas pedagógicas, as Escolas devem examinar, para posterior escolha, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares de seus Estados e Municípios, buscando definir com clareza a finalidade de seu trabalho, para a variedade de alunos presentes em suas salas de aula. Tópicos regionais e locais muito enriquecerão suas propostas, incluídos na Parte Diversificada, mas integrando-se à Base Nacional Comum.
c) A cautela em não adotar apenas uma visão teórico-metodológica como a única resposta para todas as questões pedagógicas. Os professores precisam de um aprofundamento continuado e de uma atualização constante em relação às diferentes orientações originárias da Psicologia, Antropologia, Sociologia, Psico e Sócio-Linguística e outras Ciências Humanas, Sociais e Exatas para evitar os modismos educacionais, suas frustrações e resultados falaciosos.
O aperfeiçoamento constante dos docentes e a garantia de sua autonomia, ao conceber e transformar as propostas pedagógicas de cada escola, é que permitirão a melhoria na qualidade do processo de ensino da Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada.
V – As escolas deverão explicitar, em suas propostas curriculares, processos de ensino voltados para as relações com sua comunidade local, regional e planetária, visando à interação entre a Educação Fundamental e a Vida Cidadã; os alunos, ao aprender os conhecimentos e valores da Base Nacional Comum e da Parte Diversificada, estarão também constituindo suas identidades como cidadãos em processo, capazes de ser protagonistas de ações responsáveis, solidárias e autônomas em relação a si próprios, às suas famílias e às comunidades.
Um dos mais graves problemas da educação em nosso país é sua distância em relação à vida e a processos sociais transformadores. Um excessivo academicismo e um anacronismo em relação às transformações existentes no Brasil e no resto do mundo, de um modo geral, condenaram a Educação Fundamental, nestas últimas décadas, a um arcaísmo que deprecia a inteligência e a capacidade de alunos e professores e as características específicas de suas comunidades. Esta diretriz prevê a responsabilidade dos sistemas educacionais e das unidades escolares em relação a uma necessária atualização de conhecimentos e valores, dentro de uma perspectiva crítica, responsável e contextualizada. Esta diretriz está em consonância especialmente com o Art. 27 da LDB.
Desta forma, através de possíveis projetos educacionais regionais dos sistemas de ensino, através de cada unidade escolar, transformam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais em currículos específicos e propostas pedagógicas das escolas.
VI - As escolas utilizarão a Parte Diversificada de suas propostas curriculares, para enriquecer e complementar a Base Nacional Comum, propiciando, de maneira específica, a introdução de projetos e atividades do interesse de suas comunidades (arts. 12 e 13 da LDB)
Uma auspiciosa inovação introduzida pela LDB refere-se ao uso de uma Parte Diversificada a ser utilizada pelas escolas no desenvolvimento de atividades e projetos, que as interessem especificamente.
É evidente, no entanto, que as decisões sobre a utilização desse tempo, se façam pelas equipe pedagógica das escolas e das Secretarias de educação, em conexão com o paradigma curricular que orienta a Base Nacional Comum.
Assim, projetos de pesquisa sobre ecossistemas regionais, por exemplo, ou atividades artísticas e de trabalho, novas linguagens (como da informática, da televisão e de vídeo) podem oferecer ricas oportunidades de ampliar e aprofundar os conhecimentos e valores presentes na Base Nacional Comum.
VII - As Escolas devem, através de suas propostas pedagógicas e de seus regimentos, em clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias educacionais, do espaço físico, do horário e do calendário escolar, que possibilitem a adoção, a execução, a avaliação e o aperfeiçoamento das demais Diretrizes, conforme o exposto na LDB arts 12 a 14.
Para que todas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental sejam realizadas com êxito, são indispensáveis o espírito de equipe e as condições básicas para planejar os usos de espaço e tempo escolar.
Assim, desde a discussão e as ações correlatas sobre interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, decisões sobre sistema seriado ou por ciclos, interação entre diferentes segmentos no exercício da Base Nacional Comum e Parte Diversificada, até a relação com o bairro, a comunidade, o estado, o país, a nação e outros países, serão objeto de um planejamento e de uma avaliação constantes da Escola e de sua proposta pedagógica.
II - VOTO DA RELATORA
À luz das considerações anteriores, a Relatora vota no sentido de que este conjunto de Diretrizes Curriculares Nacionais norteiem os rumos da Educação Brasileira, garantindo direitos e deveres básicos de cidadania, conquistados através da Educação Fundamental e consagrados naquilo que é primordial e essencial: aprender com êxito, o que propicia a inclusão numa vida de participação e transformação nacional, dentro de um contexto de justiça social, equilíbrio e felicidade.
Brasília-DF, 29 de janeiro de 1998.
(a) Conselheira Regina Alcântara de Assis - Relatora
III - DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica acompanha o Voto da Relatora.
Sala das Sessões, em 29 de janeiro de 1998.
(aa) Conselheiros Carlos Roberto Jamil Cury - Presidente
Hermengarda Alves Ludke - Vice-Presidente
[Volta ao início do documento]
RESOLUÇÃO CEB Nº 2, DE 7 DE ABRIL DE 1998(*)
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º § 1º, alínea "c" da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995 e o Parecer CEB 4/98, homologado pelo Senhor Ministro da Educação e do Desporto em 27 de março de 1998,
RESOLVE:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, a serem observadas na organização curricular das unidades escolares integrantes dos diversos sistemas de ensino.
Art. 2º Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimento da educação básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.
Art. 3º. São as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental:
I - As escolas deverão estabelecer como norteadores de suas ações pedagógicas:
os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum;
os princípios dos Direitos e Deveres da Cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;
os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
II - Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas deverão explicitar o reconhecimento da identidade pessoal de alunos, professores e outros profissionais e a identidade de cada unidade escolar e de seus respectivos sistemas de ensino.
III - As escolas deverão reconhecer que as aprendizagens são constituídas pela interação dos processos de conhecimento com os de linguagem e os afetivos, em conseqüência das relações entre as distintas identidades dos vários participantes do contexto escolarizado; as diversas experiências de vida de alunos, professores e demais participantes do ambiente escolar, expressas através de múltiplas formas de diálogo, devem contribuir para a constituição de identidade afirmativas, persistentes e capazes de protagonizar ações autônomas e solidárias em relação a conhecimentos e valores indispensáveis à vida cidadã.
IV - Em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso para alunos a uma base nacional comum, de maneira a legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional. A base comum nacional e sua parte diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que vise a estabelecer a relação entre a educação fundamental e:
a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos como:
a saúde
a sexualidade
a vida familiar e social
o meio ambiente
o trabalho
a ciência e a tecnologia
a cultura
as linguagens.
as áreas de conhecimento:
Língua Portuguesa
Língua Materna, para populações indígenas e migrantes
Matemática
Ciências
Geografia
História
Língua Estrangeira
Educação Artística
Educação Física
Educação Religiosa, na forma do art. 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
V - As escolas deverão explicitar em suas propostas curriculares processos de ensino voltados para as relações com sua comunidade local, regional e planetária, visando à interação entre a educação fundamental e a vida cidadã; os alunos, ao aprenderem os conhecimentos e valores da base nacional comum e da parte diversificada, estarão também constituindo sua identidade como cidadãos, capazes de serem protagonistas de ações responsáveis, solidárias e autônomas em relação a si próprios, às suas famílias e às comunidades.
VI - As escolas utilizarão a parte diversificada de suas propostas curriculares para enriquecer e complementar a base nacional comum, propiciando, de maneira específica, a introdução de projetos e atividades do interesse de suas comunidades.
VII - As escolas devem trabalhar em clima de cooperação entre a direção e as equipes docentes, para que haja condições favoráveis à adoção, execução, avaliação e aperfeiçoamento das estratégias educacionais, em consequência do uso adequado do espaço físico, do horário e calendário escolares, na forma dos arts. 12 a 14 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
Presidente da Câmara de Educação Básica
____________
(*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 2/98. Diário Oficial, Brasília, 15 abr. 1998. Seção 1, p. 31.
[Volta ao início do documento]
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Diretrizes Curriculares Nacionais Para o Ensino Médio
PARECER CEB 15/98, aprovado em 1/6/98 (Processo 23001.000309/97-46)
RELATÓRIO
1. Introdução
Pelo Aviso nº 307, de 07/07/97, o Ministro da Educação e do Desporto encaminhou, para apreciação e deliberação da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), o documento que apresenta propostas de regulamentação da base curricular nacional e de organização do ensino médio. A iniciativa do Senhor Ministro, ao enviar o referido documento, não visou apenas cumprir a lei, que determina ao MEC elaborar a proposta de diretrizes curriculares para deliberação do Conselho, mas também estimular o debate em torno do tema no âmbito deste colegiado e da comunidade educacional aqui representada.
No esforço para responder à iniciativa do Ministério da Educação e do Desporto (MEC), a CEB/CNE viu-se assim convocada a ir além do cumprimento estrito de sua função legal. Procurou, dessa forma, recolher e elaborar as visões, experiências, expectativas e inquietudes em relação ao ensino médio que hoje estão presentes na sociedade brasileira, especialmente entre seus educadores, a maior parte das quais coincidem com os pressupostos, idéias e propostas do documento ministerial.
O presente parecer é fruto, portanto, da consulta a muitas e variadas vertentes. A primeira delas foram, desde logo, os estudos procedidos pelo próprio MEC, por intermédio da Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico (SEMTEC), que respondem pela qualidade técnica da proposta encaminhada ao Conselho Nacional de Educação. Esses estudos, bem como os especialistas que os realizaram, foram colocados à disposição da CEB, propiciando uma rica fonte de referências.
Os princípios pedagógicos discutidos na quarta parte visam traduzir o que já estava presente na proposta ministerial, dando indicações mais detalhadas do tratamento a ser adotado para os conteúdos curriculares. Da mesma forma, as áreas apresentadas para a organização curricular não diferem substancialmente daquelas constantes do documento original, ainda que antecedidas por considerações psicopedagógicas de maior fôlego.
O resultado do trabalho da CEB consubstanciado neste parecer, está assim em sintonia com o documento encaminhado pelo MEC e integra-se, como parte normativa, às orientações constantes dos documentos técnicos preparados pela SEMTEC. Estes últimos, com recomendações sobre os conteúdos que dão suporte às competências descritas nas áreas de conhecimento estabelecidas no parecer, bem como sobre suas metodologias, deverão complementar a parte normativa para melhor subsidiar o planejamento curricular dos sistemas e de suas escolas de ensino médio.
Quando iniciou o exame sistemático das questões do ensino médio, a pauta da CEB já contabilizava avançado grau de amadurecimento em torno do tema das diretrizes curriculares para o ensino fundamental (DCNNF), elaboradas ao longo de 1997. Estas últimas, por sua vez, iniciaram-se quando da apreciação, pela CEB, dos Parâmetros Curriculares Nacionais recomendados pelo MEC para as quatro primeiras séries da escolaridade obrigatória.
Esta relatoria beneficiou-se, dessa forma, do trabalho realizado pela CEB para formular as DCNs, no tocante a três aspectos que são detidamente examinados no texto: o conceito de diretrizes adotado pela legislação e seu significado no momento atual; o papel do Conselho Nacional de Educação (CNE) na regulamentação dessa matéria; e os princípios estéticos, políticos e éticos que inspiram a LDB e, por conseqüência, devem inspirar o currículo. A decisão da CEB quanto a deter-se mais longamente neste terceiro aspecto deve-se, em grande medida, ao consenso construído durante a discussão das DCNs em torno desses princípios, que, por serem seu produto, nelas aparecem menos desenvolvidos.
Os temas específicos do ensino médio, a maioria deles polêmicos, foram exaustivamente escrutinados pela CEB nas sucessivas versões deste parecer. Esse trabalho coletivo materializou-se em contribuições escritas, comentários, sugestões, indicações bibliográficas, que foram incorporados ao longo de todo o parecer. A riqueza da contribuição dos conselheiros, que, em muitos casos, trouxeram visões e experiências de seus próprios espaços de atuação, foi inestimável para esclarecer a todos – sobretudo a esta relatoria – a complexidade e importância das normas que o parecer deve fundamentar.
Outra vertente importante do presente parecer foram as contribuições brasileiras e estrangeiras, no Seminário Internacional de Políticas de Ensino Médio, organizado pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED), em colaboração com a Secretaria de Educação de São Paulo, em 1996. Essa iniciativa ampliou a compreensão da problemática da etapa final de nossa educação básica, examinada à luz do que vem se passando com a educação secundária na Europa, América Latina e Estados Unidos da América do Norte. Sua importância foi tanto maior quanto mais débil é a tradição brasileira de ensino médio universalizado.
Finalmente, é preciso mencionar as contribuições, críticas e sugestões da comunidade educacional brasileira. Estas foram apresentadas nas duas audiências públicas organizadas pelo CNE, na reunião de trabalho com representantes dos órgãos normativos e executivos dos sistemas de ensino estaduais, e nas várias reuniões, seminários e debates em que as versões do texto em discussão foram apresentadas e apreciadas.
Em todas essas oportunidades, a participação solidária de muitas entidades educacionais foi decisiva para aprofundar a fundamentação teórica dos pressupostos e princípios presentes tanto no documento original do MEC, quanto no presente parecer. Entre essas entidades, situam-se a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPEd), a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), o CONSED, o Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação, as universidades públicas e privadas, as associações de escolas particulares de ensino médio, as instituições do Sistema S (SENAI, SENAC, SENAR), a SEMTEC, as escolas técnicas federais.
À presença qualificada de tantas instituições da comunidade educacional no debate que antecedeu este parecer, deve ser acrescida a contribuição individual e anônima de inúmeros educadores brasileiros cujos trabalhos escritos, sugestões, críticas e questionamentos ajudaram no esforço de realizar a maior aproximação possível entre as recomendações normativas e as expectativas daqueles que, em última instância, serão responsáveis pela sua implementação.
Além de reconhecer a todos quantos contribuíram para a formulação da nova organização curricular para o ensino médio brasileiro, estas menções visam indicar o processo de consultas que, com a amplitude permitida pelas condições do país e as circunstâncias da Câmara de Ensino Básico do Conselho Nacional de Educação, recolheu o esforço e o consenso possíveis deste período tão decisivo para nosso desenvolvimento educacional.
2. Diretrizes Curriculares: O Papel do Conselho Nacional de Educação
Assim, ninguém discutiria que o legislador deve ocupar-se sobretudo da educação dos jovens. De fato, nas cidades onde não ocorre assim, isso provoca danos aos regimes, uma vez que a educação deve adaptar-se a cada um deles: pois o caráter particular a cada regime não apenas o preserva, como também o estabelece em sua origem; por exemplo, o caráter democrático engendra a democracia e o oligárquico a oligarquia, e sempre o caráter melhor é causante de um regime melhor.
Fica claro portanto que a legislação deve regular a educação e que esta deve ser obra da cidade. Não se deve deixar no esquecimento qual deve ser a educação e como se há de educar. Nos tempos modernos as opiniões sobre este tema diferem. Não há acordo sobre o que os jovens devem aprender, nem no que se refere à virtude nem quanto ao necessário para uma vida melhor. Tampouco está claro se a educação deveria preocupar-se mais com a formação do intelecto ou do caráter. Do ponto de vista do sistema educativo atual a investigação é confusa, e não há certeza alguma sobre se devem ser praticadas as disciplinas úteis para a vida ou as que tendem à virtude, ou as que se sobressaem do ordinário (pois todas elas têm seus partidários). No que diz respeito aos meios que conduzem à virtude não há acordo nenhum (de fato não honram, todos, a mesma virtude, de modo que diferem logicamente também sobre seu exercício).
Aristóteles, Política, VIII, 1 e 2.
2.1 Obrigatoriedade Legal e Consenso Político
A Lei nº 9.394/96, que Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), prevê em seu artigo 9º inciso IV, entre as incumbências da União, estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.
Essa incumbência que a lei maior da educação atribui à União reafirma dispositivos legais anteriores, uma vez que, já em 1995, a Lei nº 9.131, que trata do Conselho Nacional de Educação (CNE), define em seu artigo 9º alínea c, entre as atribuições da Câmara de Educação Básica (CEB) desse colegiado, deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto. A mencionada incumbência da União estabelecida pela LDB deve efetuar-se, assim, por meio de uma divisão de tarefas entre o MEC e o CNE.
No entanto, apesar de delegar ao executivo federal e ao CNE o estabelecimento de diretrizes curriculares, a LDB não quis deixar passar a oportunidade de ser, ela mesma, afirmativa na matéria. Além daquelas indicadas para a educação básica como um todo no artigo 27, diretrizes específicas para os currículos do ensino médio constam do artigo 36 e seus incisos e parágrafos.
A este Conselho cabe tomar decisões sobre matéria que já está explicitamente indicada no diploma legal mais abrangente da educação brasileira, o que imprime às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), objeto do presente Parecer e Deliberação, significado e magnitude específicos.
"Diretriz" refere-se tanto a direções físicas quanto a indicações para a ação. Linha reguladora do traçado de um caminho ou de uma estrada, no primeiro caso, conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio, etc. , no segundo caso. Enquanto linha que dirige o traçado da estrada a diretriz é mais perene. Enquanto indicação para a ação ela é objeto de um trato ou acordo entre as partes e está sujeita a revisões mais freqüentes.
Utilizando a analogia, pode-se dizer que as diretrizes da educação nacional e de seus currículos, estabelecidas na LDB, correspondem à linha reguladora do traçado que indica a direção, e devem ser mais duradouras. Sua revisão, ainda que possível, exige a convocação de toda a sociedade, representada no Congresso Nacional. Por tudo isso são mais gerais, refletindo a concepção prevalecente na Constituição sobre o papel do Estado Nacional na educação. As diretrizes deliberadas pelo CNE estarão mais próximas da ação pedagógica, são indicações para um acordo de ações e requerem revisão mais freqüente.
A expressão "diretrizes e bases" foi objeto de várias interpretações ao longo da evolução da educação nacional. Segundo Horta, a interpretação dos educadores liberais para a expressão "diretrizes e bases", durante os embates da década de 40, contrapunha-se à idéia autoritária e centralizadora de que a União deveria traçar valores universais e "preceitos diretores", na expressão de Gustavo Capanema. Segundo o autor, para os liberais: "Diretriz" é a linha de orientação, norma de conduta. "Base" é superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só preceitos genéricos e fundamentais .
Na Constituição de 1988, a introdução de competência de legislação concorrente em matéria educacional para estados e municípios, reforça o caráter de "preceitos genéricos" das normas nacionais de educação. Fortalece-se, assim, o federalismo pela ampliação da competência dos entes federados, promovida pela descentralização.
Oito anos, depois a LDB confirma e dá maior conseqüência a esse sentido descentralizador, quando afirma, no parágrafo 2o de seu artigo 8o: Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei. Mais ainda, adotando a flexibilidade como um de seus eixos ordenadores, a LDB cria condições para que a descentralização seja acompanhada de uma desconcentração de decisões que, a médio e longo prazo, permita às próprias escolas construírem "edifícios" diversificados sobre a mesma "base".
A lei indica explicitamente essa desconcentração em pelo menos dois momentos: no artigo 12, quando inclui a elaboração da proposta pedagógica e a administração de seus recursos humanos e financeiros entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino; e no artigo 15, quando afirma: Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.
Mas ao mesmo tempo, a Constituição e a legislação que a seguiu, permanecem reafirmando que é preciso garantir uma base comum nacional de formação. A preocupação constitucional é indicada no artigo 210 da Carta Magna: Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
A Lei nº 9.131/95 e a LDB ampliam essa tarefa para toda a educação básica e delegam, em caráter propositivo ao MEC e deliberativo ao CNE, a responsabilidade de trazer as diretrizes curriculares da LDB para um plano mais próximo da ação pedagógica, para dar maior garantia à formação nacional comum.
É, portanto, no âmago da tensão entre o papel mais centralizador ou mais descentralizador do Estado Nacional que se situa a tarefa da Câmara de Educação Básica do CNE ao estabelecer as diretrizes curriculares para o ensino médio. Cumprindo seu papel de colocar as diferentes instâncias em sintonia, estas terão de administrar aquela tensão para lograr equilíbrio entre diretrizes nacionais e proposta pedagógica da escola, mediada pela ação executiva, coordenadora e potencializadora dos sistemas de ensino.
Essa concepção resgata a interpretação federalista que foi dada ao termo "diretriz" na Constituinte de 1946. Não deixa sem acabamento o papel da União, mas o redefine como iniciativa de um acordo negociado sob dois pressupostos. O primeiro diz respeito à natureza da doutrina pedagógica, sempre sujeita a questionamentos e revisões. O segundo refere-se à legitimidade do CNE como organismo de representação específica do setor educacional e apto a interagir com a comunidade que representa.
É esse o sentido que Cury dá às diretrizes curriculares para a educação básica deliberadas pela CEB do CNE: Nascidas do dissenso, unificadas pelo diálogo, elas não são uniformes, não são toda a verdade, podem ser traduzidas em diferentes programas de ensino e, como toda e qualquer realidade, não são uma forma acabada de ser.
Vale dizer que a legitimidade do CNE quando, ao fixar diretrizes curriculares, intervém na organização das escolas, se está respaldada nas funções que a lei lhe atribui, subordina-se aos princípios das competências federativas e da autonomia. Por outro lado, a competência dos entes federados e a autonomia pedagógica dos sistemas de ensino e suas escolas serão exercidas de acordo com as diretrizes curriculares nacionais.
Nessa perspectiva, a tarefa do CNE no tocante às DCNEM, se exerce visando a três objetivos principais:
o sistematizar os princípios e diretrizes gerais contidos na LDB;
o explicitar os desdobramentos desses princípios no plano pedagógico e traduzi-los em diretrizes que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional;
o dispor sobre a organização curricular da formação básica nacional e suas relações com a parte diversificada, e a formação para o trabalho.
Estas DCNEM não pretendem, portanto, ser as últimas, porque no âmbito pedagógico nada encerra toda a verdade, tudo comporta e exige contínua atualização. Enquanto expressão das diretrizes e bases da educação nacional, serão obrigatórias uma vez aprovadas e homologadas. Enquanto contribuição de um organismo colegiado, de representação convocada, sua obrigatoriedade não se dissocia da eficácia que tenham como orientadoras da prática pedagógica e subordina-se à vontade das partes envolvidas no acordo que representam.
A título de conclusão, e usando de licença poética incomum nos documentos deste Conselho, as DCNEM poderiam ser comparadas a certo objeto efêmero cantado pelo poeta: não podem ser imortais porque nascidas da chama indispensável a qualquer afirmação pedagógica. Mas espera-se que sejam infinitas enquanto durem.
2.2 Educação Pós-Obrigatória no Brasil: Exclusão a ser Superada
Até o presente, a organização curricular do ensino médio brasileiro teve como referência mais importante os requerimentos do exame de ingresso à educação superior.
A razão disso, fartamente conhecida e documentada, pode ser resumida muito simplesmente: num sistema educacional em que poucos conseguem vencer a barreira da escola obrigatória, os que chegam ao ensino médio destinam-se, em sua maioria, aos estudos superiores para terminar sua formação pessoal e profissional. Mas essa situação está mudando e vai mudar ainda mais significativamente nos próximos anos.
A demanda por ascender a patamares mais avançados do sistema de ensino é visível na sociedade brasileira. Essa ampliação de aspirações decorre não apenas da urbanização e modernização conseqüentes do crescimento econômico, mas também de uma crescente valorização da educação como estratégia de melhoria de vida e empregabilidade. Dessa forma, aquilo que no plano legal foi durante décadas estabelecido como obrigação, passa a integrar, no plano político, o conjunto de direitos da cidadania.
O aumento ainda lento, porém contínuo, dos que conseguem concluir a escola obrigatória, associado à tendência para diminuir a idade dos concluintes, vai permitir a um número crescente de jovens ambicionar uma carreira educacional mais longa. Por outro lado, a demanda por ensino médio vai também partir de segmentos já inseridos no mercado de trabalho que aspiram a melhoria salarial e social e precisam dominar habilidades que permitam assimilar e utilizar produtivamente recursos tecnológicos novos e em acelerada transformação.
No primeiro caso, são jovens que aspiram a melhores padrões de vida e de emprego. No segundo são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens e jovens adultos originários de grupos sociais, até o presente, sub-representados nessa etapa da escolaridade.
As estatísticas recentes confirmam essa tendência. Desde meados dos anos 80 foi no ensino médio que se observou o maior crescimento de matrículas no país. De 1985 a 1994, esse crescimento foi em média de mais de 100%, enquanto no ensino fundamental foi de 30%.
A hipótese de que a expansão quantitativa vem ocorrendo pela incorporação de grupos sociais até então excluídos da continuidade de estudos após o fundamental, fica reforçada quando se observa o padrão de crescimento da matrícula: concentrado nas redes públicas, e, nestas, predominantemente nos turnos noturnos, que representaram 68% do aumento total. No mesmo período (85 a 94) a matrícula privada, que na década anterior havia crescido 33%, apresentou um aumento de apenas 21%.
Se o aumento observado da matrícula já preocupa os sistemas de ensino, a situação é muito mais grave quando se considera a demanda potencial. O Brasil continua apresentando a insignificante taxa líquida de 25% de escolaridade da população de 15 a 17/18 anos no ensino médio. Outros tantos dessa faixa etária, embora no sistema educacional, ainda estão presos na armadilha da repetência e do atraso escolar do ensino fundamental.
Considerando que o egresso do ensino fundamental tem permanecido, em média, onze e não oito anos na escola, a correção do fluxo de alunos desse nível, se bem sucedida, vai colocar às portas do ensino médio um grande número de jovens cuja expectativa de permanência no sistema já ultrapassa os oito anos de escolaridade obrigatória.
A expectativa de crescimento do ensino médio é ainda reforçada pelo fenômeno chamado "onda de adolescentes", identificado em recentes estudos demográficos: De fato, enquanto a geração dos adolescentes de 1990 era numericamente superior à geração de adolescentes de 1980 em 1 milhão de pessoas, as gerações de adolescentes em 1995 e 2000 serão maiores do que as gerações de 1985 e 1990 em 2.3 e 2.8 milhões de pessoas, respectivamente. No ano 2005, este incremento cairá para o nível de 500 mil pessoas, caracterizando o fim desta onda de adolescentes.
Mesmo considerando o gradativo declínio do número de adolescentes, caracterizado pela mencionada "onda", os números absolutos são enormes e dão uma idéia mais precisa do desafio educacional que o país enfrentará. Pela contagem da população realizada em 1996 (IBGE), em 1999 o Brasil terá 14.300.448 pessoas com idade entre 15 e 18 anos. Esse número cairá para a casa dos 13 milhões a partir de 2001, e para a casa dos 12 milhões a partir de 2007. No início da segunda década do próximo milênio (2012), depois do fenômeno da onda de adolescentes, o país ainda terá 12.079.520 jovens nessa faixa etária.
Contam-se portanto em números de oito dígitos os cidadãos e cidadãs brasileiros a quem será preciso oferecer alternativas de educação e preparação profissional para facilitar suas escolhas de trabalho, de normas de convivência, de formas de participação na sociedade. E quanto mais melhorar o desempenho do ensino fundamental, mais esse desafio se concentrará no ensino médio.
Essa tendência já pode ser observada, conforme prossegue o estudo da Fundação SEADE: Em 1992, cerca de 64% dos adolescentes já estavam fora da escola; em 1995, apenas três anos depois, este percentual já havia decrescido para algo em torno de 42%. Como conseqüência da maior permanência no sistema escolar, cresce de forma expressiva a proporção de adolescentes que avançam além dos quatro primeiros anos. O mesmo se dá, de alguma maneira, em relação à conclusão do primeiro grau e do segundo grau.
Finalmente, como mostra o mencionado estudo, a onda de adolescentes acontece num momento de escassas oportunidades de trabalho e crescente competitividade pelos postos existentes. Na verdade, os dois fenômenos somados – escassez de emprego e aumento geracional de jovens – respondem pela expressiva diminuição, na população de adolescentes, da porcentagem dos que já fazem parte da população economicamente ativa. Este é um indicador a mais de que essa população vai tentar permanecer mais tempo no sistema de ensino, na expectativa de receber o preparo necessário para conseguir um emprego.
A capacidade do país para atender essa demanda é muito limitada. Menos de 50% de toda a população de 15 a 17 anos está matriculada na escola, e destes, metade ainda está no ensino fundamental. Segundo os dados da UNESCO, o Brasil tem uma das mais baixas taxas de matrícula bruta nessa faixa etária, comparada à de vários países da América Latina, para não dizer da Europa, América do Norte ou Ásia.
No continente latino-americano, os países que têm uma taxa bruta de matrícula da população de 14 a 17 anos menor que a brasileira concentram-se na América Central: Costa Rica, Nicarágua, República Dominicana, Honduras, Haiti, El Salvador e Guatemala. Entre os que, desde 95, ultrapassavam os 50% estão Peru, Colômbia, México e Equador. Dos parceiros do Mercosul apenas Paraguai e Bolívia têm situação pior: 37% e 40%, respectivamente. Argentina (76%), Chile (73%) e Uruguai (81%) estão melhores que os "tigres asiáticos" (72%) e caminham para alcançar a média dos países desenvolvidos (90%).
Não é apenas em virtude de seu tamanho e complexidade, nem mesmo dos muitos equívocos educacionais cometidos no passado, que um país, cuja economia concorre em tamanho com o Canadá, apresenta indicadores de cobertura do ensino médio inferiores aos da Argentina, Colômbia, Chile, Uruguai, México, Equador e Peru.
Esse desequilíbrio se explica também por décadas de crescimento econômico excludente, que aprofundou a fratura social e produziu a pior distribuição de renda do mundo. A esse padrão de crescimento associa-se uma desigualdade educacional que transformou em privilégio o acesso a um nível de ensino cuja universalização é hoje considerada estratégica para a competitividade econômica e o exercício da cidadania.
Até meados deste século o ponto de ruptura do sistema educacional brasileiro situou-se, na zona rural, no acesso à escola obrigatória, e, nas zonas urbanas, na passagem entre o antigo primário e o secundário, ritualizada pelo exame de admissão. Com a quase universalização do ensino fundamental de oito anos, a ruptura passou a expressar-se de outras formas: por diferenciação de qualidade, dentro do ensino fundamental, atestada pelas altíssimas taxas de repetência e evasão; e, mais recentemente, pela existência de uma nova barreira de acesso, agora no limiar e dentro do ensino médio.
A falta de vagas no ensino médio público; a segmentação por qualidade, aguda no setor privado, mas presente também no público; o aumento da repetência e da evasão que estão acompanhando o crescimento da matrícula gratuita do ensino médio alertam para o fato de que a extensão desse ensino a um número maior e muito mais diversificado de alunos será uma tarefa tecnicamente complexa e politicamente conflitiva.
Pelo caráter que assumiu na historia educacional de quase todos os países, a educação média é particularmente vulnerável à desigualdade social. Enquanto a finalidade do ensino fundamental nunca está em questão, no ensino médio se dá uma disputa permanente entre orientações mais profissionalizantes ou mais acadêmicas, entre objetivos humanistas e econômicos. Essa tensão de finalidades expressa-se em privilégios e exclusões quando, como ocorre no caso brasileiro, a origem social é o fator mais forte na determinação de quais têm acesso à educação média e à qual modalidade se destinam.
Analisando essa questão, Cury afirma sobre esse nível de ensino: Expressando um momento em que se cruzariam idade, competência, mercado de trabalho e proximidade da maioridade civil, expõe um nó das relações sociais no Brasil manifestando seu caráter dual e elitista, através mesmo das funções que lhe são historicamente atribuídas: a função formativa, a propedêutica e a profissionalizante.
E prossegue: […] a propedêutica de elites cuja extração se dá nos estratos superiores de uma sociedade agrária e hierarquizada, incontestavelmente deixou seqüelas (talvez mais do que isso) até hoje. A função propedêutica, dentro deste modelo, tem um nítido sentido elitista e de privilégio, com destinação social explícita. E esta associação entre propedêutica e elite ganhará sua expressão doutrinária máxima tanto na Constituição de 1937 como na Exposição de Motivos que acompanha a reforma do ensino secundário do Decreto-Lei nº 4.244/42.
A Constituição de 1937 é clara no seu artigo 129, cita o autor: O ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado.
Já a exposição de motivos de Capanema em 1942, ainda segundo Cury, é conseqüente com este princípio discriminatório ao dizer que, "além da formação da consciência patriótica o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo".
É, portanto, do ensino médio que se vem cobrando uma definição sobre o destino social dos alunos, cobrança esta que ficou clara com a política, afinal fracassada, de profissionalização universal criada pela Lei nº 5.692/71. E nunca é demais lembrar que os concluintes da escola obrigatória ainda constituem uma minoria selecionada de sobreviventes do ensino fundamental. Com a melhoria deste último, espera-se que a maioria consiga cumprir as oito séries da escola obrigatória. A universalização do ensino médio, além de mandamento legal, será assim uma demanda social concreta. É tempo de pensar na escola média a ser oferecida a essa população.
Os finais dos anos 90 inspiram momentos de rara lucidez, como o que teve Ítalo Calvino quando afirmou que só aquilo que formos capazes de construir neste milênio poderemos levar para o próximo. O Brasil não tem para legar ao século XXI uma tradição consolidada de educação média democrática de qualidade. Mas tem o legado valioso da lição aprendida com a expansão do ensino fundamental: não é possível oferecer a todos uma escola programada para excluir a maioria, sem aprofundar a desigualdade, porque, em educação escolar, a superação de exclusões seculares requer ir além do "fazer mais do mesmo".
Neste sentido, vale a pena citar a mensagem que o mencionado estudo demográfico da Fundação SEADE envia aos que labutam na educação, após analisar dados etários e de trabalho e escolaridade na população adolescente:

Já na antevéspera do ano 2000 – após sofrida trajetória que, certamente, inclui mais de uma repetência e períodos intermitentes fora da escola – os filhos das famílias mais pobres deste país estão finalmente descobrindo a importância da escola, indo para além dos quatro primeiros anos iniciais, mesmo nos Estados mais atrasados, e já batendo nas portas do ensino secundário nos Estados do sul. Não temos mais o direito de repetir erros agora, quando estamos repensando a educação deste país e nos preparando para a árdua luta da competição internacional. É fundamental criar todo tipo de incentivo e retirar todo tipo de obstáculo para que os jovens permaneçam no sistema escolar. As questões que envolvem o adolescente de hoje não podem mais ser pensadas fora das relações mais ou menos tensas com o mundo do trabalho, fora de sua condição de grande consumidor potencial de bens e serviços em uma sociedade de massas, onde a escolarização não se limita mais aos jovens e o trabalho não é só de adultos, ou fora de suas relações de autonomia ou dependência para com a ordem jurídica e política.
O momento que vive a educação brasileira nunca foi tão propício para pensar a situação de nossa juventude numa perspectiva mais ampla do que a de um destino dual. A nação anseia por superar privilégios, entre eles os educacionais, a economia demanda recursos humanos mais qualificados. Esta é uma oportunidade histórica para mobilizar recursos, inventividade e compromisso na criação de formas de organização institucional, curricular e pedagógica que superem o status de privilégio que o ensino médio ainda tem no Brasil, para atender, com qualidade, clientelas de origens, destinos sociais e aspirações muito diferenciadas.
2.3 As Bases Legais do Ensino Médio Brasileiro
O marco desse momento histórico está dado pela LDB, que aponta o caminho político para o novo ensino médio brasileiro. Em primeiro lugar destaca-se a afirmação do seu caráter de formação geral, superando no plano legal a histórica dualidade dessa etapa de educação:
Artigo 21 – A educação escolar compõe-se de:
I. educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
II. educação superior.
Como bem afirma o documento do MEC que encaminha ao CNE a proposta de organização curricular do ensino médio, ao incluir este último na educação básica, a LDB transforma em norma legal o que já estava anunciado no texto constitucional: Na verdade, a Constituição de 1988 já prenunciava isto quando, no inciso II do artigo 208, garantia como dever do Estado a "progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio". Posteriormente, a emenda Constitucional nº 14/96 altera a redação desse inciso, sem que se altere neste aspecto o espírito da redação original, inscrevendo no texto constitucional a "progressiva universalização do ensino médio gratuito". A Constituição portanto confere a este nível de ensino o estatuto de direito de todo o cidadão. O ensino médio passa pois a integrar a etapa do processo educacional que a nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, inclusive para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação, e para o desenvolvimento pessoal […]
O caráter de educação básica do ensino médio ganha conteúdo concreto quando, em seus artigos 35 e 36, a LDB estabelece suas finalidades, traça as diretrizes gerais para a organização curricular e define o perfil de saída do educando:
Artigo 35 – O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Artigo 36 – O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I. destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II. adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;
III. será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo dentro das disponibilidades da instituição.
Parágrafo primeiro – Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:
I. domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;
II. conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III. domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Parágrafo segundo – O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
Parágrafo terceiro – Os cursos de ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.
Parágrafo quarto – A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.
A lei sinaliza, pois, que mesmo a preparação para o prosseguimento de estudos terá como conteúdo não o acúmulo de informações mas a continuação do desenvolvimento da capacidade de aprender e a compreensão do mundo físico, social e cultural, tal como prevê o artigo 32 para o ensino fundamental, do qual o nível médio é a consolidação e o aprofundamento.
A concepção da preparação para o trabalho, que fundamenta o artigo 35, aponta para a superação da dualidade do ensino médio: essa preparação será básica, ou seja, aquela que deve ser base para a formação de todos e para todos os tipos de trabalho. Por ser básica, terá como referência as mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a importância da capacidade de continuar aprendendo; não se destina apenas àqueles que já estão no mercado de trabalho ou que nele ingressarão a curto prazo; nem será preparação para o exercício de profissões específicas ou para a ocupação de postos de trabalho determinados.
Assim entendida, a preparação para o trabalho – fortemente dependente da capacidade de aprendizagem – destacará a relação da teoria com a prática e a compreensão dos processos produtivos enquanto aplicações das ciências, em todos os conteúdos curriculares. A preparação básica para o trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular em particular, pois o trabalho deixa de ser obrigação – ou privilégio – de conteúdos determinados para integrar-se ao currículo como um todo. Finalmente, no artigo 36, as diretrizes para a organização do currículo do ensino médio, a fim de que o aluno apresente o perfil de saída preconizado pela lei, estabelecem o conhecimento dos princípios científicos e tecnológicos da produção no nível do domínio, reforçando a importância do trabalho no currículo.
Destaca-se a importância que o artigo 36 atribui às linguagens: à língua portuguesa, não apenas enquanto expressão e comunicação, mas como forma de acessar conhecimentos e exercer a cidadania; às linguagens contemporâneas, entre as quais é possível identificar suportes decisivos para os conhecimentos tecnológicos a serem dominados.
Entendida a preparação para o trabalho no contexto da educação básica, da qual o ensino médio passa a fazer parte inseparável, o artigo 36 prevê a possibilidade de sua articulação com cursos ou programas diretamente vinculados à preparação para o exercício de uma profissão, não sem antes: reiterar a importância da formação geral a ser assegurada; e definir a equivalência de todos os cursos de ensino médio para efeito de continuidade de estudos. Neste sentido, e coerente com o princípio da flexibilidade, a LDB abre aos sistemas e escolas muitas possibilidades de colaboração e articulação institucional a fim de que os tempos e espaços da formação geral fiquem preservados e a experiência de instituições especializadas em educação profissional seja aproveitada, de modo a responder às necessidades heterogêneas dos jovens brasileiros.
2.4 O Ensino Médio no Mundo: Uma Transformação Acelerada
O desafio de ampliar a cobertura do ensino médio ocorre no Brasil ao mesmo tempo em que, no mundo todo, a educação posterior à primária passa por revisões radicais nas suas formas de organização institucional e nos seus conteúdos curriculares.
Etapa da escolaridade que tradicionalmente acumula as funções propedêuticas e de terminalidade, ela tem sido a mais afetada pelas mudanças nas formas de conviver, de exercer a cidadania e de organizar o trabalho, impostas pela nova geografia política do planeta, pela globalização econômica e pela revolução tecnológica.
A facilidade de acessar, selecionar e processar informações está permitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este se revela cada vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilidades requeridas por uma organização da produção na qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais importantes, comparadas à repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca, há um forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça de fragmentação e segmentação. Essa mudança de paradigmas – no conhecimento, na produção e no exercício da cidadania – colocou em questão a dualidade, mais ou menos rígida dependendo do país, que presidiu a oferta de educação pós obrigatória.
Inicia-se, assim, em meados dos anos 80 e primeira metade dos 90 um processo, ainda em curso, de revisão das funções tradicionalmente duais da educação secundária, buscando um perfil de formação do aluno mais condizente com as características da produção pós-industrial. O esforço de reforma teve com forte motivação inicial as mudanças econômicas e tecnológicas.
Descontadas as peculiaridades dos sistemas educacionais dos diferentes países e até mesmo o grau de sucesso até hoje alcançado pelos esforços de reforma, destacam-se duas características comuns a todas elas: progressiva integração curricular e institucional entre as várias modalidades da etapa de escolaridade média; e visível desespecialização das modalidades profissionalizantes.
Numa velocidade nunca antes experimentada, esse processo de reforma, que poderia ter evoluído para o reforço – apenas mais otimista – da subordinação do ensino médio às necessidades da economia, rapidamente incorpora outros elementos. No bojo das iniciativas que começaram em meados dos 80, a segunda metade dos anos 90 assiste ao surgimento de uma nova geração de reformas.
Estas já não pretendem apenas a desespecialização da formação profissional. Tampouco se limitam a tornar menos "acadêmica" e mais "prática" a formação geral. O que se busca agora é uma redefinição radical e de conjunto do segmento de educação pós-obrigatoriedade. À forte referência às necessidades produtivas e à ênfase na unificação, características da primeira fase de reformas, agregam-se agora os ideais do humanismo e da diversidade.
Segundo Azevedo: [...] Neste conflito de finalidades parece, por vezes, emergir a oportunidade "histórica", segundo Tedesco (1995), de aproximar ambas as finalidades, numa nova tensão, esta agora mais potenciadora do desenvolvimento humano. E prossegue: […] não é tanto o ensino técnico e a formação profissional que carecem de reformas mais ou menos desespecializadoras e unificadoras, é também o ensino geral que precisa de profunda revisão, ou seja, todas as vias e modalidades de ensino, desde as mais profissionais até às mais "liberais" para usar o termo inglês, são chamadas a contribuir de outro modo para um desenvolvimento mais equilibrado da personalidade dos indivíduos.
A União Européia manifestou-se de forma contundente a favor da unificação do ensino médio, mas alerta para a exigência de considerar outras necessidades, além das que são sinalizadas pela organização do trabalho. E busca sustentação para sua posição no pensamento do próprio empresariado europeu: a missão fundamental da educação consiste em ajudar cada indivíduo a desenvolver todo o seu potencial e a tornar-se um ser humano completo, e não um mero instrumento da economia; a aquisição de conhecimentos e competências deve ser acompanhada pela educação do caráter, a abertura cultural e o despertar da responsabilidade social.
A mesma orientação segue a UNESCO no relatório da Reunião Internacional sobre Educação para o Século XXI. Esse documento apresenta as quatro grandes necessidades de aprendizagem dos cidadãos do próximo milênio às quais a educação deve responder: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. E insiste em que nenhuma delas deve ser negligenciada.
É sintomático que, diante do desafio que representam essas aprendizagens, se assista a uma revalorização das teorias que destacam a importância dos afetos e da criatividade no ato de aprender. A integração das cognições com as demais dimensões da personalidade é o desafio que as tarefas de vida na sociedade da informação e do conhecimento estão (re)pondo à educação e à escola.
A reposição do humanismo nas reformas do ensino médio deve ser entendida então como busca de saídas para possíveis efeitos negativos do pós industrialismo. Diante da fragmentação gerada pela quantidade e velocidade da informação, é para a educação que se voltam as esperanças de preservar a integridade pessoal e estimular a solidariedade.
Espera-se que a escola contribua para a constituição de uma cidadania de qualidade nova, cujo exercício reuna conhecimentos e informações a um protagonismo responsável, para exercer direitos que vão muito além da representação política tradicional: emprego, qualidade de vida, meio ambiente saudável, igualdade de homens e mulheres, enfim, ideais afirmativos para a vida pessoal e para a convivência.
Diante da violência, do desemprego e da vertiginosa substituição tecnológica, revigoram-se as aspirações de que a escola, especialmente a média, contribua para a aprendizagem de competências de caráter geral, visando a constituição de pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças, pratiquem a solidariedade e superem a segmentação social.
Nos países de economia emergente, a essas preocupações somam-se ainda aquelas geradas pela necessidade de promover um desenvolvimento que seja sustentável a longo prazo e menos vulnerável à instabilidade causada pela globalização econômica. A sustentabilidade do desenvolvimento, até os anos 70 considerada apenas em termos de acumulação de capital físico e financeiro, revelou-se a partir dos 80 fortemente associada à qualidade dos recursos humanos e à adoção de formas menos predatórias de utilização dos recursos naturais. Mais uma vez é sobre a educação média, ou sobre a sua ausência em quantidade e qualidade satisfatórias, que converge o centro de gravidade do sistema educacional.
Nas condições contemporâneas de produção de bens, serviços e conhecimentos, a preparação de recursos humanos para um desenvolvimento sustentável supõe desenvolver a capacidade de assimilar mudanças tecnológicas e adaptar-se a novas formas de organização do trabalho. Esse tipo de preparação faz necessário o prolongamento da escolaridade e a ampliação das oportunidades de continuar aprendendo. Formas equilibradas de gestão dos recursos naturais, por seu lado, exigem políticas de longo prazo, geridas ou induzidas pelo Estado e sustentadas de modo contínuo e regular por toda a população, na forma de hábitos preservacionistas racionais e bem informados.
Contextualizada no cenário mundial, e vista sob o prisma da extrema desigualdade que marca seu sistema de ensino, a situação do Brasil é verdadeiramente alarmante. O ensino médio de maioria é ainda um ideal a ser colocado em prática. Para isso será necessário sair do século XIX e chegar ao XXI suprimindo etapas nas quais, ao longo do século XX, muitos países ousaram experimentar e aprender.
No entanto, vista sob o prisma da vontade nacional expressa na LDB, a situação brasileira é rica de possibilidades. O projeto de ensino médio do país está definido, nas suas diretrizes e bases, em admirável sintonia com a última geração de reformas do ensino médio no mundo. O exercício de aproximação dos séculos poderá ser feito de forma inteligente se tivermos presente a experiência de outros países para evitar os equívocos que eles não puderam evitar.
2.5 Respostas a uma Convocação
Sintonizada com as demandas educacionais mais contemporâneas e com as iniciativas mais recentes que os sistemas de ensino do mundo todo vêm articulando para respondê-las, a LDB busca conciliar humanismo e tecnologia, conhecimento dos princípios científicos que presidem a produção moderna e exercício da cidadania plena, formação ética e autonomia intelectual. Esse equilíbrio entre as finalidades "personalistas" e "produtivistas" requer uma visão unificadora, um esforço tanto para superar os dualismos, quanto diversificar as oportunidades de formação.
Tornar realidade esse ensino médio ao mesmo tempo unificado e diversificado vai exigir muito mais do que traçar grades curriculares que mesclam ou justapõem disciplinas científicas e humanidades com pitadas de tecnologia. Tampouco será solução dissimular a formação básica sob o rótulo de disciplinas pseudoprofissionalizantes, como ocorreu após a Lei nº 5.692/71, ou, ao revés, oferecer habilitação profissional disfarçada de "educação básica" só porque agora assim mandam as novas diretrizes e bases da educação.
Mais que um conjunto de regras a ser obedecido, ou burlado, a LDB é uma convocação que oferece à criatividade e ao empenho dos sistemas e suas escolas a possibilidade de múltiplos arranjos institucionais e curriculares inovadores. É da exploração dessa possibilidade, muito mais que do cumprimento burocrático dos mandamentos legais, que deverão nascer as diferentes formas de organização do ensino médio, integradas internamente, diversificadas nas suas formas de inserção no meio sociocultural, para atender um segmento jovem e jovem adulto cujos itinerários de vida serão cada vez mais imprevisíveis, mas que temos por responsabilidade balizar em marcos de maior justiça, igualdade, fraternidade e felicidade.
A resposta a uma convocação dessa natureza exige o diálogo e a busca de consensos sobre os valores, atitudes, padrões de conduta e diretrizes pedagógicas que a mesma LDB propõe como orientadores da jornada, que será longa e cheia de obstáculos. Deter-se sobre o plano axiológico e tentar traduzi-lo em uma doutrina pedagógica coerente não significa ignorar o operativo, a falta de professores preparados, a precariedade de financiamento. Ao contrário, o esforço doutrinário se justifica porque a superação desse estado crônico de carências requer clareza de finalidades, conjugação de esforços e boa vontade para superar conflitos, que só a comunhão de valores pode propiciar.
3. Fundamentos Estéticos, Políticos e Éticos do Novo Ensino Médio Brasileiro
Houve tempo em que os deuses existiam, mas não as espécies mortais. Quando chegou o momento assinalado pelo destino para sua criação, os deuses formaram-nas nas entranhas da terra, com uma mistura de terra, de fogo e dos elementos associados ao fogo e à terra. Quando chegou a ocasião de as trazer à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu de as prover de qualidades apropriadas. Mas Epimeteu pediu a Prometeu que lhe deixasse fazer sozinho a partilha. "Quando acabar, disse ele, tu virás examiná-la". Satisfeito o pedido, procedeu à partilha, atribuindo a uns a força sem a velocidade, aos outros a velocidade sem a força; deu armas a estes, recusou-as àqueles, mas concedeu-lhes outros meios de conservação; aos que tinham pequena corpulência deu asas para fugirem ou refúgio subterrâneo; aos que tinham a vantagem da corpulência esta bastava para os conservar; e aplicou este processo de compensação a todos os animais. Estas medidas de precaução eram destinadas a evitar o desaparecimento das raças. Então, quando lhes havia fornecido os meios de escapar à mútua destruição, quis ajudá-los a suportar as estações de Zeus; para isso, lembrou-se de os revestir de pêlos espessos e peles fortes, suficientes para os abrigar do frio, capazes também de os proteger do calor e destinados, finalmente a servir, durante o sono, de coberturas naturais, próprias de cada um deles; deu-lhes, além disso, como calçado, sapatos de corno ou peles calosas e desprovidas de sangue; em seguida deu-lhes alimentos variados, segundo as espécies: a uns, ervas do chão, a outros frutos das árvores, a outros raízes; a alguns deu outros animais a comer, mas limitou sua fecundidade e multiplicou a das vítimas, para assegurar a preservação da raça.
Todavia, Epimeteu, pouco reflectido, tinha esgotado as qualidades a distribuir, mas faltava-lhe ainda prover a espécie humana e não sabia como resolver o caso. Então Prometeu veio examinar a partilha; viu os animais bem providos de tudo, mas o homem nu, descalço, sem cobertura nem armas, e aproximava-se o dia fixado em que ele devia sair do seio da terra para a luz. Então Prometeu, não sabendo que inventar para dar ao homem um meio de conservação, roubou a Hefaisto e a Ateneia o conhecimento das artes com o fogo, pois sem o fogo o conhecimento das artes é impossível e inútil, e presenteou com isto o homem. O homem ficou assim com ciência para conservar a vida, mas faltava-lhe a ciência política; esta, possuía-a Zeus, e Prometeu já não tinha tempo de entrar na acrópole que Zeus habita e onde velam, aliás, temíveis guardas. Introduziu-se, pois, furtivamente na oficina comum em que Ateneia e Hefaisto cultivavam o seu amor às artes, furtou ao Deus a sua arte de manejar o fogo e à Deusa a arte que lhe é própria, e ofereceu tudo ao homem, tornando-o apto a procurar recursos para viver. Diz-se que Prometeu foi depois punido pelo roubo que tinha cometido, por culpa de Epimeteu.
Quando o homem entrou na posse do seu quinhão divino, a princípio, por causa da sua afinidade com os deuses, acreditou na existência deles, privilégio só a ele atribuído, entre todos os animais, e começou a erguer-lhes altares e estátuas; seguidamente, graças à ciência que possuía, conseguiu articular a voz e formar os nomes das coisas, inventar as casas, o vestuário, o calçado, os leitos e tirar alimentos da terra. Com estes recursos, os homens, na sua origem, viviam isolados e as cidades não existiam; por isso morriam sob os ataques dos animais selvagens, mais fortes do que eles; bastavam as artes mecânicas, para os fazer viver; mas tinham insuficientes recursos na guerra contra os animais, porque não possuíam ainda a ciência política de que a arte militar faz parte. Por conseqüência procuraram reunir-se e pôr-se em segurança, fundando cidades; mas, quando se reuniam, faziam mal uns aos outros, porque lhes faltava a ciência política, de modo que se separavam novamente e morriam.
Então Zeus, receando que a nossa raça se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens o respeito e a justiça para servirem de normas às cidades e unir os homens pelos laços da amizade. Então Hermes perguntou a Zeus de que maneira devia dar aos homens a justiça e o respeito. "Devo distribuí-los, como se distribuíram as artes? Ora as artes foram divididas de maneira que um único homem, especializado na arte médica, basta para um grande número de profanos e o mesmo quanto aos outros artistas. Devo repartir assim a justiça e o respeito pelos homens, ou fazer que pertençam a todos?" – "Que pertençam a todos, respondeu Zeus; que todos tenham a sua parte, porque as cidades não poderiam existir se estas virtudes fossem, como as artes, quinhão exclusivo de alguns; estabelece, além disso, em meu nome, esta lei: que todo homem incapaz de respeito e de justiça seja exterminado como o flagelo da sociedade".
Eis como e porquê, Sócrates, os atenienses e outros povos, quando se trata de arquitectura ou de qualquer arte profissional, entendem que só um pequeno número pode dar conselhos, e se qualquer outra pessoa, fora deste pequeno número, se atreve a emitir opinião, eles não o toleram, como acabo de dizer, e têm razão, ao que me parece. Mas, quando se delibera sobre política, em que tudo assenta na justiça e no respeito, têm razão de admitir toda a gente, porque é necessário que todos tenham parte na virtude cívica. Doutra forma, não pode existir a cidade.
Platão, Protágoras.
A prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de políticas, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de aprendizagem, os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com os valores estéticos, políticos e éticos que inspiram a Constituição e a LDB, organizados sob três consignas: sensibilidade, igualdade e identidade.
3.1 A Estética da Sensibilidade
Como expressão do tempo contemporâneo, a estética da sensibilidade vem substituir a da repetição e padronização, hegemônica na era das revoluções industriais. Ela estimula a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, a afetividade, para facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto, o imprevisível e o diferente.
Diferentemente da estética estruturada, própria de um tempo em que os fatores físicos e mecânicos são determinantes do modo de produzir e conviver, a estética da sensibilidade valoriza a leveza, a delicadeza e a sutileza. Estas, por estimularem a compreensão não apenas do explicitado mas também, e principalmente, do insinuado, são mais contemporâneas de uma era em que a informação caminha pelo vácuo, de um tempo no qual o conhecimento concentrado no microcircuito do computador vai se impondo sobre o valor das matérias-primas e da força física, presentes nas estruturas mecânicas.
A estética da sensibilidade realiza um esforço permanente para devolver ao âmbito do trabalho e da produção a criação e a beleza, daí banidas pela moralidade industrial taylorista. Por esta razão procura não limitar o lúdico a espaços e tempos exclusivos, mas integrar diversão, alegria e senso de humor a dimensões de vida muitas vezes consideradas afetivamente austeras, como a escola, o trabalho, os deveres, a rotina cotidiana. Mas a estética da sensibilidade quer também educar pessoas que saibam transformar o uso do tempo livre num exercício produtivo porque criador. E que aprendam a fazer do prazer, do entretenimento, da sexualidade, um exercício de liberdade responsável.
Como expressão de identidade nacional, a estética da sensibilidade facilitará o reconhecimento e valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade próprias dos gêneros, das etnias, e das muitas regiões e grupos sociais do país. Assim entendida a estética da sensibilidade é um substrato indispensável para uma pedagogia que se quer brasileira, portadora da riqueza de cores, sons e sabores deste país, aberta à diversidade dos nossos alunos e professores, mas que não abdica da responsabilidade de constituir cidadania para um mundo que se globaliza, e de dar significado universal aos conteúdos da aprendizagem.
Nos produtos da atividade humana, sejam eles bens, serviços ou conhecimentos, a estética da sensibilidade valoriza a qualidade. Nas práticas e processos, a busca de aprimoramento permanente. Ambos, qualidade e aprimoramento, associam-se ao prazer de fazer bem feito e à insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o bom, e com este, quando o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o ensino de má qualidade é, em sua feiúra, uma agressão à sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético.
A estética da sensibilidade não é um princípio inspirador apenas do ensino de conteúdos ou atividades expressivas, mas uma atitude diante de todas as formas de expressão, que deve estar presente no desenvolvimento do currículo e na gestão escolar. Ela não se dissocia das dimensões éticas e políticas da educação porque quer promover a crítica à vulgarização da pessoa; às formas estereotipadas e reducionistas de expressar a realidade; às manifestações que banalizam os afetos e brutalizam as relações pessoais.
Numa escola inspirada na estética da sensibilidade, o espaço e o tempo são planejados para acolher e expressar a diversidade dos alunos e oportunizar trocas de significados. Nessa escola, a descontinuidade, a dispersão caótica, a padronização, o ruído, cederão lugar à continuidade, à diversidade expressiva, ao ordenamento e à permanente estimulação pelas palavras, imagens, sons, gestos e expressões de pessoas que buscam incansavelmente superar a fragmentação dos significados e o isolamento que ela provoca.
Finalmente, a estética da sensibilidade não exclui outras estéticas, próprias de outros tempos e lugares. Como forma mais avançada de expressão ela as subassume, explica, entende, critica, contextualiza porque não convive com a exclusão, a intolerância e a intransigência.
3.2 A Política da Igualdade
A política da igualdade incorpora a igualdade formal, conquista do período de constituição dos grandes estados nacionais. Seu ponto de partida é o reconhecimento dos direitos humanos e o exercício dos direitos e deveres da cidadania, como fundamento da preparação do educando para a vida civil.
Mas a igualdade formal não basta a uma sociedade na qual a emissão e recepção da informação em tempo real estão ampliando, de modo antes inimaginável o acesso às pessoas e aos lugares, permitindo comparar e avaliar qualidade de vida, hábitos, formas de convivência, oportunidades de trabalho e de lazer.
Para essa sociedade, a política da igualdade vai se expressar também na busca da eqüidade no acesso à educação, ao emprego, à saúde, ao meio ambiente saudável e a outros benefícios sociais, e no combate a todas as formas de preconceito e discriminação por motivo de raça, sexo, religião, cultura, condição econômica, aparência ou condição física.
A política da igualdade se traduz pela compreensão e respeito ao Estado de Direito e a seus princípios constitutivos abrigados na Constituição: o sistema federativo e o regime republicano e democrático. Mas contextualiza a igualdade na sociedade da informação, como valor que é público por ser do interesse de todos, não exclusivamente do Estado, muito menos do governo.
Nessa perspectiva, a política da igualdade deverá fortalecer uma forma contemporânea de lidar com o público e o privado. E aqui ela associa-se à ética, ao valorizar atitudes e condutas responsáveis em relação aos bens e serviços tradicionalmente entendidos como "públicos", no sentido estatal, e afirmativas na demanda de transparência e democratização no tratamento dos assuntos públicos.
E o faz por reconhecer que uma das descobertas importantes deste final de século é a de que […] motivação, criatividade, iniciativa, capacidade de aprendizagem, todas essas coisas ocorrem no nível dos indivíduos e das comunidades de dimensões humanas, nas quais eles vivem o seu dia-a-dia […] um tipo de sociedade extremamente complexa, onde os custos da comunicação e da informação se aproximam cada vez mais a zero, e onde as distinções antigas entre o local, o nacional e o internacional, o pequeno e o grande, o centralizado e o descentralizado, tendem o tempo todo a se confundir, desaparecer e reaparecer sob novas formas.
Essa visão implica um esforço para superar a antiga contradição entre a realidade da grande estrutura de poder e o ideal da comunidade perdida, que ocorrerá pela incorporação do protagonismo ao ideal de respeito ao bem comum. Respeito ao bem comum com protagonismo constitui assim uma das finalidades mais importantes da política da igualdade e se expressa por condutas de participação e solidariedade, respeito e senso de responsabilidade, pelo outro e pelo público.
Em uma de suas direções, esse movimento leva o ideal de igualdade para o âmbito das relações pessoais na família e no trabalho, no qual questões como a igualdade entre homens e mulheres, os direitos da criança, a eliminação da violência passam a ser decisivas para a convivência integradora. Mas há também uma direção contrária, provocando o envolvimento crescente de pessoas e instituições não governamentais nas decisões antes reservadas ao "poder público": empresas, sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas, cidadãos e cidadãs comuns começam a incorporar as políticas públicas, as decisões econômicas, as questões ambientais, como itens prioritários em sua agenda.
Um dos fundamentos da política da igualdade é a estética da sensibilidade. É desta que lança mão quando denuncia os estereótipos que alimentam as discriminações e quando, reconhecendo a diversidade, afirma que oportunidades iguais são necessárias, mas não suficientes, para oportunizar tratamento diferenciado visando promover igualdade entre desiguais.
A política da igualdade, inspiradora do ensino de todos os conteúdos curriculares, é, ela mesma, um conteúdo de ensino, sempre que nas ciências, nas artes, nas linguagens estiverem presentes os temas dos direitos da pessoa humana, do respeito, da responsabilidade e da solidariedade, e sempre que os significados dos conteúdos curriculares se contextualizarem nas relações pessoais e práticas sociais convocatórias da igualdade.
Na gestão e nas normas e padrões que regulam a convivência escolar a política da igualdade incide com grande poder educativo, pois é sobretudo nesse âmbito que as trocas entre educador e educando, entre escola e meio social, entre grupos de idade favorecem a formação de hábitos democráticos e responsáveis de vida civil. Destaca-se aqui a responsabilidade da liderança dos adultos, da qual depende, em grande parte, a coesão da escola em torno de objetivos compartilhados, condição básica para a prática da política da igualdade.
Mas, acima de tudo, a política da igualdade deve ser praticada na garantia de igualdade de oportunidades e de diversidade de tratamentos dos alunos e dos professores para aprender e aprender a ensinar os conteúdos curriculares. Para isso, os sistemas e escolas deverão observar um direito pelo qual o próprio Estado se faz responsável, no caso da educação pública: garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino tais como definidos pela LDB no inciso IX de seu artigo 4.
A garantia desses padrões passa por um compromisso permanente de usar o tempo e o espaço pedagógicos, as instalações e os equipamentos, os materiais didáticos e os recursos humanos no interesse dos alunos. E em cada decisão administrativa ou pedagógica, o compromisso de priorizar o interesse da maioria dos alunos.
3.3 A Ética da Identidade
A ética da identidade substitui a moralidade dos valores abstratos da era industrialista e busca a finalidade ambiciosa de reconciliar no coração humano aquilo que o dividiu desde os primórdios da idade moderna: o mundo da moral e o mundo da matéria, o privado e o público, enfim, a contradição expressa pela divisão entre a "igreja" e o "estado". Essa ética se constitui a partir da estética e da política e não por negação delas. Seu ideal é o humanismo de um tempo de transição.
Expressão de seres divididos mas que se negam a assim permanecer, a ética da identidade ainda não se apresenta de forma acabada. O drama desse novo humanismo, permanentemente ameaçado pela violência e pela segmentação social, é análogo ao da crisálida. Ignorando que será uma borboleta, pode ser devorada pelo pássaro antes de descobrir-se transformada. O mundo vive um momento em que muitos apostam no pássaro. O educador não tem escolha: aposta na borboleta ou não é educador.
Como princípio educativo, a ética só é eficaz quando desiste de formar pessoas "honestas", "caridosas" ou "leais" e reconhece que a educação é um processo de construção de identidades. Educar sob inspiração da ética não é transmitir valores morais, mas criar as condições para que as identidades se constituam pelo desenvolvimento da sensibilidade e pelo reconhecimento do direito à igualdade a fim de que orientem suas condutas por valores que respondam às exigências do seu tempo.
Uma das formas pelas quais a identidade se constitui é a convivência e, nesta, pela mediação de todas as linguagens que os seres humanos usam para compartilhar significados. Destes, os mais importantes são os que carregam informações e valores sobre as próprias pessoas. Vale dizer que a ética da identidade se expressa por um permanente reconhecimento da identidade própria e do outro. É assim simples. Ao mesmo tempo é muito importante, porque no reconhecimento reside talvez a grande responsabilidade da escola como lugar de conviver, e, na escola, a do adulto educador para a formação da identidade das futuras gerações.
Âmbito privilegiado do aprender a ser, como a estética é o âmbito do aprender a fazer e a política do aprender a conhecer e conviver, a ética da identidade tem como fim mais importante a autonomia. Esta, condição indispensável para os juízos de valor e as escolhas inevitáveis à realização de um projeto próprio de vida, requer uma avaliação permanente, e a mais realista possível, das capacidades próprias e dos recursos que o meio oferece.
Por essa razão, a ética da identidade é tão importante na educação escolar. É aqui, embora não exclusivamente, que a criança e o jovem vivem de forma sistemática os desafios de suas capacidades. Situações de aprendizagem programadas para produzir o fracasso, como acontece tantas vezes nas escolas brasileiras, são, neste sentido, profundamente antiéticas. Abalam a auto-estima de seres que estão constituindo suas identidades, contribuindo para que estas incorporem o fracasso, às vezes irremediavelmente. Auto-imagens prejudicadas quase sempre reprimem a sensibilidade e desacreditam da igualdade.
Situações antiéticas também ocorrem no ambiente escolar quando a responsabilidade, o esforço e a qualidade não são praticados e recompensados. Contextos nos quais o sucesso resulta da astúcia e não da qualidade do trabalho realizado, que recompensam o "levar vantagem em tudo" em lugar do "esforçar-se", não favorecem nos alunos identidades constituídas com sensibilidade estética e igualdade política.
Autonomia e reconhecimento da identidade do outro se associam para construir identidades mais aptas a incorporar a responsabilidade e a solidariedade. Neste sentido, a ética da identidade supõe uma racionalidade diferente daquela que preside à dos valores abstratos, porque visa formar pessoas solidárias e responsáveis por serem autônomas.
Essa racionalidade supõe que, num mundo em que a tecnologia revoluciona todos os âmbitos de vida, e, ao disseminar informação amplia as possibilidades de escolha mas também a incerteza, a identidade autônoma se constitui a partir da ética, da estética e da política, mas precisa estar ancorada em conhecimentos e competências intelectuais que dêem acesso a significados verdadeiros sobre o mundo físico e social. Esses conhecimentos e competências é que dão sustentação à análise, à prospecção e à solução de problemas, à capacidade de tomar decisões, à adaptabilidade a situações novas, à arte de dar sentido a um mundo em mutação.
Não é por acaso que essas mesmas competências estão entre as mais valorizadas pelas novas formas de produção pós-industrial que se instalam nas economias contemporâneas. Essa é a esperança e a promessa que o novo humanismo traz para a educação, em especial a média: a possibilidade de integrar a formação para o trabalho num projeto mais ambicioso de desenvolvimento da pessoa humana. Uma chance real, talvez pela primeira vez na história, de ganhar a aposta na borboleta.
Os conhecimentos e competências cognitivas e sociais que se quer desenvolver nos jovens alunos do ensino médio remetem assim à educação como constituição de identidades comprometidas com a busca da verdade. Mas, para fazê-lo com autonomia, precisam desenvolver a capacidade de aprender, tantas vezes reiterada na LDB. Essa é a única maneira de alcançar os significados verdadeiros com autonomia. Com razão, portanto, o inciso III do artigo 35 da lei inclui, […]no aprimoramento do educando como pessoa humana […] a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.
No texto de Platão, Sócrates e Protágoras procuram responder à pergunta: "É possível ensinar a virtude?" Protágoras argumenta, narrando a partilha que Prometeu e Epimeteu fizeram dos talentos divinos entre as criaturas mortais. E prova que, se não for possível ensinar a virtude, a "cidade" não é viável, pois, apenas com o domínio das "artes", os humanos não sobreviveriam porque exterminariam uns aos outros. Na continuidade do diálogo fica claro que Sócrates também acha que a virtude pode ser ensinada. Mas, por meio de suas perguntas, leva Protágoras a reconhecer que ela não é outra coisa senão a sabedoria, que busca permanentemente a verdade, e exatamente nisso reside a possibilidade de seu ensino.
A pedagogia, como as demais "artes", situa-se no domínio da estética e se exerce deliberadamente no espaço da escola. A sensibilidade da prática pedagógica para a qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos será a contribuição específica e decisiva da educação escolar para a igualdade, a justiça, a solidariedade, a responsabilidade. Dela poderá depender a capacidade dos jovens cidadãos do próximo milênio para aprender significados verdadeiros do mundo físico e social, registrá-los, comunicá-los e aplicá-los no trabalho, no exercício da cidadania, no projeto de vida pessoal.
4. Diretrizes para uma Pedagogia da Qualidade
Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais – o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto – dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.
C. Sagan. Relatório da Reunião Educação para o Século XXI.
Todo aluno de nível médio deveria ser capaz de responder a seguinte questão: Qual é a relação entre as ciências e as humanidades e quão importante é essa relação para o bem estar dos seres humanos? Todo intelectual e líder político também deveria ser capaz de responder a essa questão. Metade da legislação com a qual o Congresso Americano tem de lidar contém componentes científicos e tecnológicos importantes. Muitos dos problemas que afligem a humanidade diariamente – conflitos étnicos, corrida armamentista, superpopulação, aborto, meio ambiente, pobreza, para citar alguns dos que mais persistentemente nos perseguem – não podem ser resolvidos sem integrar conhecimentos das ciências naturais com conhecimentos das ciências sociais e humanas. Somente a flexibilidade que atravessa as fronteiras especializadas pode fornecer uma visão do mundo tal como ele realmente é, e não como é visto pela lente das ideologias, dos dogmas religiosos ou tal como é comandado pelas respostas míopes a necessidades imediatas.
E. O. Wilson, Consilience: The Unity of Knowledge.
Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e portanto degenera, com muita facilidade, em retórica moral e emocional.
H. Arendt. Entre o Passado e o Futuro.
De acordo com os princípios estéticos, políticos e éticos da LDB, sistematizados anteriormente, as escolas de ensino médio observarão, na gestão, na organização curricular e na prática pedagógica e didática, as diretrizes expostas a seguir.
4.1 Identidade, Diversidade, Autonomia
O Brasil possui diferentes modalidades ou formas de organização institucional e curricular de ensino médio. Como em outros países, essas diferenças são modos de resolver a tensão de finalidades desse nível de ensino. Respondem mais à sua dualidade histórica do que à heterogeneidade de alunados, e associam-se a um padrão excludente: cursar o ensino médio ainda é um privilégio de poucos, e, dentre estes, poucos têm acesso à qualidade.
Em virtude dessa situação, as escolas públicas que conseguiram forjar identidades próprias de instituições dedicadas à formação do jovem ou do jovem adulto, e que por isso mesmo se tornaram alternativas de prestígio, atendem a um número muito pequeno de alunos. Em alguns casos, essas escolas de prestígio terminaram mesmo por perder parte de sua identidade de instituições formativas, pois se viram, como as particulares de excelência, reféns do exame vestibular por causa do alunado selecionado que a elas tem acesso.
Aos demais restou a alternativa de estudar em classes esparsas de ensino médio, instaladas em períodos ociosos, em geral noturnos, de escolas públicas de ensino fundamental. Ou ainda em escolas privadas de má qualidade, muitas delas também noturnas, cujos custos cobrados a alunos trabalhadores não são muito maiores dos que os das escolas públicas também desqualificadas.
Essa situação gerou uma padronização desqualificada que se quer substituir por uma diversificação com qualidade. Escolas de identidade débil só podem ser iguais, pois levam apenas a marca das normas centrais e uniformes. Identidade supõe uma inserção no meio social que leva à definição de vocações próprias, que se diversificam ao incorporar as necessidades locais e as características dos alunos e a participação dos professores e das famílias no desenho institucional considerado adequado para cada escola.
É necessário que as escolas tenham identidade como instituições de educação de jovens e que essa identidade seja diversificada em função das características do meio social e da clientela. Diversidade, no entanto, não se confunde com fragmentação, muito ao contrário. Inspirada nos ideais da justiça, a diversidade reconhece que para alcançar a igualdade, não bastam oportunidades iguais. É necessário também tratamento diferenciado. Dessa forma, a diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada.
Será indispensável, portanto, que existam mecanismos de avaliação dos resultados para aferir se os pontos de chegada estão sendo comuns. E para que tais mecanismos funcionem como sinalizadores eficazes, deverão ter como referência as competências de caráter geral que se quer constituir em todos os alunos e um corpo básico de conteúdos, cujo ensino e aprendizagem, se bem sucedidos, propiciam a constituição de tais competências. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e, mais recentemente, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), operados pelo MEC; os sistemas de avaliação já existentes em alguns estados e que tendem a ser criados nas demais unidades da federação; e os sistemas de estatísticas e indicadores educacionais constituem importantes mecanismos para promover a eficiência e a igualdade.
A análise dos resultados das avaliações e dos indicadores de desempenho deverá permitir às escolas, com o apoio das demais instâncias dos sistemas de ensino, avaliar seus processos, verificar suas debilidades e qualidades, e planejar a melhoria do processo educativo. Da mesma forma, deverá permitir aos organismos responsáveis pela política educacional desenvolver mecanismos de compensação que superem gradativamente as desigualdades educacionais.
Os sistemas e os estabelecimentos de ensino médio deverão criar e desenvolver, com a participação da equipe docente e da comunidade, alternativas institucionais com identidade própria, baseadas na missão de educação do jovem, usando ampla e destemidamente as várias possibilidades de organização pedagógica, espacial e temporal, e de articulações e parcerias com instituições públicas ou privadas, abertas pela LDB, para formular políticas de ensino focalizadas nessa faixa etária, que contemplem a formação básica e a preparação geral para o trabalho, inclusive, se necessário e oportuno, integrando as séries finais do ensino fundamental com o ensino médio, em virtude da proximidade de faixa etária do alunado e das características comuns de especialização disciplinar que esses segmentos do sistema de ensino guardam entre si.
Os sistemas deverão fomentar no conjunto dos estabelecimentos de ensino médio, e cada um deles, sempre que possível, na sua organização curricular, uma ampla diversificação dos tipos de estudos disponíveis, estimulando alternativas que a partir de uma base comum, ofereçam opções de acordo com as características de seus alunos e as demandas do meio social: dos estudos mais abstratos e conceituais aos programas que alternam formação escolar e experiência profissional; dos currículos mais humanísticos aos mais científicos ou artísticos, sem negligenciar em todos os casos os mecanismos de mobilidade para corrigir erros de decisão cometidos pelos alunos ou determinados por desigualdade na oferta de alternativas.
A diversificação deverá ser acompanhada de sistemas de avaliação que permitam o acompanhamento permanente dos resultados, tomando como referência as competências básicas a serem alcançadas por todos os alunos, de acordo com a LDB, as presentes diretrizes e as propostas pedagógicas das escolas.
A eficácia dessas diretrizes supõe a existência de autonomia das instâncias regionais dos sistemas de ensino público e sobretudo dos estabelecimentos. A autonomia das escolas é, mais que uma diretriz, um mandamento da LDB. As diretrizes, neste caso, buscam indicar alguns atributos para evitar dois riscos: o primeiro seria burocratizá-la, transformando-a em mais um mecanismo de controle prévio, tão ao gosto das burocracias centrais da educação; o segundo seria transformar a autonomia em outra forma de criar privilégios que produzem exclusão.
Em relação ao risco de burocratização é preciso destacar que a LDB vincula autonomia e proposta pedagógica. Na verdade, a proposta pedagógica é a forma pela qual a autonomia se exerce. E a proposta pedagógica não é uma "norma", nem um documento ou formulário a ser preenchido. Não obedece a prazos formais nem deve seguir especificações padronizadas. Sua eficácia depende de conseguir pôr em prática um processo permanente de mobilização de "corações e mentes" para alcançar objetivos compartilhados.
As instâncias centrais dos sistemas de ensino precisam entender que existe um espaço de decisão privativo da escola e do professor em sala de aula que resiste aos controles formais. A legitimidade e eficácia de qualquer intervenção externa nesse espaço privativo depende de convencer a todos do seu valor para a ação pedagógica. Vale dizer que a proposta pedagógica não existe sem um forte protagonismo do professor e sem que este dela se aproprie.
Seria desastroso, nesse sentido, transformar em obrigação a incumbência que a LDB atribui à escola de decidir sobre sua proposta pedagógica, porque isto ativaria os sempre presentes anticorpos da resistência ou da ritualização. Contrariamente, a proposta pedagógica para cuja decisão a escola exerce sua autonomia, deve expressar um acordo no qual as instâncias centrais serão parceiras facilitadoras do árduo exercício de explicitar, debater e formar consenso sobre objetivos, visando potencializar recursos. A autonomia escolar, portanto […]não implica na omissão do Estado. Mudam-se os papéis. Os órgãos centrais passam a exercer funções de formulação das diretrizes da política educacional e assessoramento à implementação dessas políticas.
Já se disse que, salvo exceções das grandes escolas de elite, acadêmicas ou técnicas, o ensino público médio no Brasil não tem identidade institucional própria. Expandiu-se às custas de espaços físicos e recursos financeiros e pedagógicos do ensino fundamental, qual passageiro clandestino de um navio de carências. Contraditoriamente essa distorção pode agora ser uma vantagem.
O futuro está aberto para o aparecimento de muitas formas de organização do ensino médio, sob o princípio da flexibilidade e da autonomia consagrados pela LDB. Teremos de usar essa vantagem para estimular identidades escolares mais libertas da padronização burocrática, que formulem e implementem propostas pedagógicas próprias, inclusive de articulação do ensino médio com a educação profissional.
O segundo risco potencial é o de que a autonomia venha a reforçar privilégios e exclusões. Sobre este deve-se observar que a autonomia subordina-se aos princípios e diretrizes indicados na lei e apresentados nesta deliberação em seus desdobramentos pedagógicos, com destaque para o acolhimento da diversidade de alunos e professores, para os ideais da política da igualdade e para a solidariedade como elemento constitutivo das identidades. Como alerta Azanha: […] a autonomia escolar, desligada dos pressupostos éticos da tarefa educativa poderá até favorecer a emergência e o reforço de sentimentos e atitudes contrários à convivência democrática.
A competência dos sistemas para definir e implementar políticas de educação média legitima-se na observação de prioridades e formas de financiamento que contemplem o interesse da maioria. No âmbito escolar a autonomia deve refletir o compromisso da proposta pedagógica com a aprendizagem dos alunos pelo uso equânime do tempo, do espaço físico, das instalações e equipamentos, dos recursos financeiros, didáticos e humanos.
Na sala de aula, a autonomia tem como pressuposto, além da capacidade didática do professor, seu compromisso e, por que não dizer, cumplicidade com os alunos, que fazem do trabalho cotidiano de ensinar um permanente voto de confiança na capacidade de todos para aprender. O professor como profissional construirá sua identidade com ética e autonomia se, inspirado na estética da sensibilidade, buscar a qualidade e o aprimoramento da aprendizagem dos alunos, e, inspirado na política da igualdade, desenvolver um esforço continuado para garantir a todos oportunidades iguais de aprendizagem e tratamento adequado às suas características pessoais.
Por essa razão, a autonomia depende de qualificação permanente dos que trabalham na escola, em especial dos professores. Sem a garantia de condições para que os professores aprendam a aprender e continuem aprendendo, a proposta pedagógica corre o risco de tornar-se mais um ritual. E como toda prática ritualizada terminará servindo de artifício para dissimular a falta de conhecimento e capacitação no fazer didático.
A melhor forma de verificar esses compromissos é instituir mecanismos de prestação de contas que facilitem a "responsabilização" dos envolvidos. Alguém já disse que precisamos traduzir para o português o termo "accountability" com o pleno significado que tem: processo pelo qual uma pessoa, organismo ou instituição presta contas e assume a responsabilidade por seus resultados para seus constituintes, financiadores, usuários ou clientes.
Mesmo não dispondo de correspondência lingüística precisa, é disto que trata esta diretriz: "responsabilização", avaliação de processos e de resultados, participação dos interessados, divulgação de informações, que imprimam transparência às ações dos gestores, diretores, professores, para que a sociedade em geral e os alunos e suas famílias em particular participem e acompanhem as decisões sobre objetivos, prioridades e uso dos recursos.
Mais uma vez, portanto, destaca-se a importância dos sistemas de avaliação de resultados e de indicadores educacionais que já estão sendo operados, ou os que venham a se instituir. Para a identidade e a diversidade, a informação é indispensável na garantia da igualdade de resultados. Para a autonomia, ela é condição de transparência da gestão educacional e clareza da responsabilidade pelos resultados.
Mas os sistemas de avaliação e indicadores educacionais só cumprirão satisfatoriamente essas duas funções complementares, se todas as informações por eles produzidas – resultados de provas de rendimento, estatísticas e outras – forem públicas, no sentido de serem apropriadas pelos interessados, dos membros da comunidade escolar à opinião pública em geral.
O exercício pleno da autonomia se manifesta na formulação de uma proposta pedagógica própria, direito de toda instituição escolar. Essa vinculação deve ser permanentemente reforçada, buscando evitar que as instâncias centrais do sistema educacional burocratizem e ritualizem aquilo que no espírito da lei deve ser, antes de mais nada, expressão de liberdade e iniciativa, e que por essa razão não pode prescindir do protagonismo de todos os elementos da escola, em especial dos professores.
A proposta pedagógica deve refletir o melhor equacionamento possível entre recursos humanos, financeiros, técnicos, didáticos e físicos, para garantir tempos, espaços, situações de interação, formas de organização da aprendizagem e de inserção da escola no seu ambiente social, que promovam a aquisição dos conhecimentos, competências e valores previstos na lei, apresentados nestas diretrizes, e constantes da sua proposta pedagógica.
A proposta pedagógica antes de tudo deve ser simples: O projeto pedagógico da escola é apenas uma oportunidade para que algumas coisas aconteçam e dentre elas o seguinte: tomada de consciência dos principais problemas da escola, das possibilidades de solução e definição das responsabilidades coletivas e pessoais para eliminar ou atenuar as falhas detectadas. Nada mais, porém isso é muito e muito difícil.
A proposta pedagógica deve ser acompanhada por procedimentos de avaliação de processos e produtos, divulgação dos resultados e mecanismos de prestação de contas.
4.2 Um Currículo Voltado para as Competências Básicas
Do ponto de vista legal não há mais duas funções difíceis de conciliar para o ensino médio, nos termos em que estabelecia a Lei nº 5.692/71: preparar para a continuidade de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão. A duplicidade de demanda continuará existindo porque a idade de conclusão do ensino fundamental coincide com a definição de um projeto de vida, fortemente determinado pelas condições econômicas da família e, em menor grau, pelas características pessoais. Entre os que podem custear uma carreira educacional mais longa esse projeto abrigará um percurso que posterga o desafio da sobrevivência material para depois do curso superior. Entre aqueles que precisam arcar com sua subsistência precocemente ele demandará a inserção no mercado de trabalho logo após a conclusão do ensino obrigatório, durante o ensino médio ou imediatamente depois deste último.
Vale lembrar, no entanto, que, mesmo nesses casos, o percurso educacional pode não excluir, necessariamente, a continuidade dos estudos. Ao contrário, para muitos, o trabalho se situa no projeto de vida como uma estratégia para tornar sustentável financeiramente um percurso educacional mais ambicioso. E em qualquer de suas variantes, o futuro do jovem e da jovem deste final de século será sempre um projeto em aberto, podendo incluir períodos de aprendizagem – de nível superior ou não – intercalados com experiências de trabalho produtivo de diferente natureza, além das escolhas relacionadas à sua vida pessoal: constituir família, participar da comunidade, eleger princípios de consumo, de cultura e lazer, de orientação política, entre outros. A condução autônoma desse projeto de vida reclama uma escola média de sólida formação geral.
Mas o significado de educação geral no nível médio, segundo o espírito da LDB, nada tem a ver com o ensino enciclopedista e academicista dos currículos de ensino médio tradicionais, reféns do exame vestibular. Vale a pena examinar o já citado artigo 35 da lei, na ótica pedagógica.
Enquanto aprofundamento dos conhecimentos já adquiridos, o perfil pedagógico do ensino médio tem como ponto de partida o que a LDB estabelece em seu artigo 32 como objetivo do ensino fundamental. Deverá, assim, continuar o processo de desenvolvimento da capacidade de aprender, com destaque para o aperfeiçoamento do uso das linguagens como meios de constituição dos conhecimentos, da compreensão e da formação de atitudes e valores.
O trabalho e a cidadania são previstos como os principais contextos nos quais a capacidade de continuar aprendendo deve se aplicar, a fim de que o educando possa adaptar-se às condições em mudança na sociedade, especificamente no mundo das ocupações. A LDB, nesse sentido, é clara: em lugar de estabelecer disciplinas ou conteúdos específicos, destaca competências de caráter geral, dentre as quais a capacidade de aprender é decisiva. O aprimoramento do educando como pessoa humana destaca a ética, a autonomia intelectual e o pensamento crítico. Em outras palavras, convoca a constituição de uma identidade autônoma.
Ao propor a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos do processo produtivo, a LDB insere a experiência cotidiana e o trabalho no currículo do ensino médio como um todo e não apenas na sua base comum, como elementos que facilitarão a tarefa educativa de explicitar a relação entre teoria e prática. Sobre este último aspecto, dada sua importância para as presentes diretrizes, vale a pena deter-se.
Os processos produtivos dizem respeito a todos os bens, serviços e conhecimentos com os quais o aluno se relaciona no seu dia-a-dia, bem como àqueles processos com os quais se relacionará mais sistematicamente na sua formação profissional. Para fazer a ponte entre teoria e prática, de modo a entender como a prática (processo produtivo) está ancorada na teoria (fundamentos científico-tecnológicos), é preciso que a escola seja uma experiência permanente de estabelecer relações entre o aprendido e o observado, seja espontaneamente, no cotidiano em geral, seja sistematicamente no contexto específico de um trabalho e suas tarefas laborais.
Castro, ao analisar o ensino médio de formação geral, observa: Não se trata nem de profissionalizar nem de deitar água para fazer mais rala a teoria. Trata-se, isso sim, de ensinar melhor a teoria – qualquer que seja – de forma bem ancorada na prática. As pontes entre a teoria e a prática têm que ser construídas cuidadosamente e de forma explícita. Para Castro essas pontes implicam em fazer a relação, por exemplo, entre o que se aprendeu na aula de matemática na segunda-feira com a lição sobre atrito na aula de física da terça e com a sua observação de um automóvel cantando pneus na tarde da quarta. E conclui afirmando que […] para a maioria dos alunos, infelizmente, ou a escola o ajuda a fazer estas pontes ou elas permanecerão sem ser feitas, perdendo-se assim a essência do que é uma boa educação.
Para dar conta desse mandato, a organização curricular do ensino médio deve ser orientada por alguns pressupostos indicados a seguir.
Visão orgânica do conhecimento, afinada com as mutações surpreendentes que o acesso à informação está causando no modo de abordar, analisar, explicar e prever a realidade, tão bem ilustradas no hipertexto que cada vez mais entremeia o texto dos discursos, das falas e das construções conceituais.
Disposição para perseguir essa visão organizando e tratando os conteúdos do ensino e as situações de aprendizagem, de modo a destacar as múltiplas interações entre as disciplinas do currículo.
Abertura e sensibilidade para identificar as relações que existem entre os conteúdos do ensino e das situações de aprendizagem e os muitos contextos de vida social e pessoal, de modo a estabelecer uma relação ativa entre o aluno e o objeto do conhecimento e a desenvolver a capacidade de relacionar o aprendido com o observado, a teoria com suas conseqüências e aplicações práticas.
Reconhecimento das linguagens como formas de constituição dos conhecimentos e das identidades, portanto como o elemento-chave para constituir os significados, conceitos, relações, condutas e valores que a escola deseja transmitir.
Reconhecimento e aceitação de que o conhecimento é uma construção coletiva, forjada socio-interativamente na sala de aula, no trabalho, na família e em todas as demais formas de convivência.
Reconhecimento de que a aprendizagem mobiliza afetos, emoções e relações com seus pares, além das cognições e habilidades intelectuais.
Com essa leitura, a formação básica a ser buscada no ensino médio se realizará mais pela constituição de competências, habilidades e disposições de condutas do que pela quantidade de informação. Aprender a aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta.
Uma organização curricular que responda a esses desafios requer:
desbastar o currículo enciclopédico, congestionado de informações, priorizando conhecimentos e competências de tipo geral, que são pré-requisito tanto para a inserção profissional mais precoce quanto para a continuidade de estudos, entre as quais se destaca a capacidade de continuar aprendendo;
(re)significar os conteúdos curriculares como meios para constituição de competências e valores, e não como objetivos do ensino em si mesmos;
trabalhar as linguagens não apenas como formas de expressão e comunicação mas como constituidoras de significados, conhecimentos e valores;
adotar estratégias de ensino diversificadas, que mobilizem menos a memória e mais o raciocínio e outras competências cognitivas superiores, bem como potencializem a interação entre aluno-professor e aluno-aluno para a permanente negociação dos significados dos conteúdos curriculares, de forma a propiciar formas coletivas de construção do conhecimento;
estimular todos os procedimentos e atividades que permitam ao aluno reconstruir ou "reinventar" o conhecimento didaticamente transposto para a sala de aula, entre eles a experimentação, a execução de projetos, o protagonismo em situações sociais;
organizar os conteúdos de ensino em estudos ou áreas interdisciplinares e projetos que melhor abriguem a visão orgânica do conhecimento e o diálogo permanente entre as diferentes áreas do saber;
tratar os conteúdos de ensino de modo contextualizado, aproveitando sempre as relações entre conteúdos e contexto para dar significado ao aprendido, estimular o protagonismo do aluno e estimulá-lo a ter autonomia intelectual;
lidar com os sentimentos associados às situações de aprendizagem para facilitar a relação do aluno com o conhecimento.
A doutrina de currículo que sustenta a proposta de organização e tratamento dos conteúdos com essas características envolve os conceitos de interdisciplinaridade e contextualização que requerem exame mais detido.
4.3 Interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição de disciplinas e, ao mesmo tempo, evitar a diluição delas em generalidades. De fato, será principalmente na possibilidade de relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática adequada aos objetivos do ensino médio.
O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.
Tendo presente esse fato, é fácil constatar que algumas disciplinas se identificam e aproximam, outras se diferenciam e distanciam, em vários aspectos: pelos métodos e procedimentos que envolvem, pelo objeto que pretendem conhecer, ou ainda pelo tipo de habilidades que mobilizam naquele que a investiga, conhece, ensina ou aprende.
A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que conhecem, ensinam e aprendem, sentem necessidade de procedimentos que, numa única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas fazem sentido quando chamados a dar conta de temas complexos. Se alguns procedimentos artísticos podem parecer profecias na perspectiva científica, também é verdade que a foto do cogumelo resultante da explosão nuclear também explica, de um modo diferente da física, o significado da bomba atômica.
Nesta multiplicidade de interações e negações recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples comunicação de idéias até a integração mútua de conceitos diretores, da epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta e análise de dados. Ou pode efetuar-se, mais singelamente, pela constatação de como são diversas as várias formas de conhecer. Pois até mesmo essa "interdisciplinaridade singela" é importante para que os alunos aprendam a olhar o mesmo objeto sob perspectivas diferentes.
É importante enfatizar que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem um conhecimento que vai além da descrição da realidade e mobiliza competências cognitivas para deduzir, tirar inferências ou fazer previsões a partir do fato observado.
A partir do problema gerador do projeto, que pode ser um experimento, um plano de ação para intervir na realidade ou uma atividade, são identificados os conceitos de cada disciplina que podem contribuir para descrevê-lo, explicá-lo e prever soluções. Dessa forma o projeto é interdisciplinar na sua concepção, execução e avaliação, e os conceitos utilizados podem ser formalizados, sistematizados e registrados no âmbito das disciplinas que contribuem para o seu desenvolvimento. O exemplo do projeto é interessante para mostrar que a interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático de resultados.
Essa integração entre as disciplinas para buscar compreender, prever e transformar a realidade aproxima-se daquilo que Piaget chama de estruturas subjacentes. O autor destaca um aspecto importante nesse caso: a compreensão dessas estruturas subjacentes não dispensa o conhecimento especializado, ao contrário. Somente o domínio de uma dada área permite superar o conhecimento meramente descritivo para captar suas conexões com outras áreas do saber na busca de explicações.
Segundo Piaget, a excessiva "disciplinarização" […] se explica, com efeito, pelos preconceitos positivistas. Em uma perspectiva onde apenas contam os observáveis, que cumpre simplesmente descrever e analisar para então daí extrair as leis funcionais, é inevitável que as diferentes disciplinas pareçam separadas por fronteiras mais ou menos definidas ou mesmo fixas, já que estas se relacionam com a diversidade das categorias de observáveis que, por sua vez, estão relacionadas com nossos instrumentos subjetivos e objetivos de registro (percepções e aparelhos) [...] Por outro lado, logo que, ao violar as regras positivistas, [...] se procura explicar os fenômenos e suas leis, ao invés de apenas descrevê-los, forçosamente se estará ultrapassando as fronteiras do observável, já que toda causalidade decorre da necessidade inferencial, isto é, de deduções e estruturas operatórias irredutíveis à simples constatação [...] Nesse caso, a realidade fundamental não é mais o fenômeno observável, e sim a estrutura subjacente, reconstituída por dedução e que fornece uma explicação para os dados observados. Mas, por isso mesmo, tendem a desaparecer as fronteiras entre as disciplinas, pois as estruturas ou são comuns (tal como entre a Física e a Química [...]) ou solidárias umas com as outras (como sem dúvida haverá de ser o caso entre a Biologia e a Físico-Química).
A interdisciplinaridade pode ser também compreendida se considerarmos a relação entre o pensamento e a linguagem, descoberta pelos estudos socio-interacionistas do desenvolvimento e da aprendizagem. Esses estudos revelam que, seja nas situações de aprendizagem espontânea, seja naquelas estruturadas ou escolares, há uma relação sempre presente entre os conceitos e as palavras (ou linguagens) que os expressam, de tal forma que […] uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece na sombra. Todas as linguagens trabalhadas pela escola, portanto, são por natureza "interdisciplinares" com as demais áreas do currículo: é pela linguagem – verbal, visual, sonora, matemática, corporal ou outra – que os conteúdos curriculares se constituem em conhecimentos, isto é, significados que, ao serem formalizados por alguma linguagem, tornam-se conscientes de si mesmos e deliberados.
Sem a pretensão de esgotar o amplo campo de possibilidades que a interação entre linguagem e pensamento abre para a pedagogia da interdisciplinaridade, alguns exemplos poderiam ser lembrados: a linguagem verbal como um dos processos de constituição de conhecimento das ciências humanas e o exercício destas últimas como forma de aperfeiçoar o emprego da linguagem verbal formal; a matemática como um dos recursos constitutivos dos conceitos das ciências naturais e a explicação das leis naturais como exercício que desenvolve o pensamento matemático; a informática como recurso que pode contribuir para reorganizar e estabelecer novas relações entre conceitos científicos e estes como elementos explicativos dos princípios da informática; as artes como constitutivas do pensamento simbólico, metafórico e criativo, indispensáveis no exercício de análise, síntese e solução de problemas, competências que se busca desenvolver em todas as disciplinas.
Outra observação feita pelos estudos de Vigotsky refere-se à existência de uma interdependência entre e a aprendizagem dos conteúdos curriculares e o desenvolvimento cognitivo. Embora já não se aceitem as idéias herbatianas da disciplina formal, que supunha um associação linear entre cada disciplina escolar e um tipo específico de capacidade mental, também não é razoável supor que o desenvolvimento cognitivo se dá de forma independente da aprendizagem em geral e, em particular, da aprendizagem sistemática organizada pela escola.
Investigações sobre a aprendizagem de conceitos científicos em crianças e adolescentes indicam que a aprendizagem funciona como antecipação do desenvolvimento de capacidades intelectuais. Isso ocorre porque os pré-requisitos psicológicos para o aprendizado de diferentes matérias escolares são, em grande parte, os mesmos; o aprendizado de uma matéria influencia o desenvolvimento de funções superiores para além dos limites dessa matéria específica; as principais funções psíquicas envolvidas no estudo de várias matérias são interdependentes – suas bases comuns são a consciência e o domínio deliberado, as contribuições principais dos anos escolares. A partir dessas descobertas, conclui-se que todas as matérias escolares básicas atuam como uma disciplina formal, cada uma facilitando o aprendizado das outras […]
Essa "solidariedade didática" foi encontrada por Chervel no estudo que realizou da história dos "ensinos" ou das disciplinas escolares, no sistema de ensino francês. Um dado interessante encontrado por esse autor foi o significado diferente que as disciplinas vão adquirindo no decorrer de dois séculos, mesmo mantendo o mesmo nome nas grades curriculares. Nesse período, várias foram criadas, outras desapareceram, embora os conteúdos de seu ensino e as capacidades intelectuais que visavam constituir tenham continuado a ser desenvolvidos por meio de outros conteúdos com nomes idênticos ou por meio de conteúdos idênticos sob nomes diferentes.
Foi assim que durante quase um século a disciplina "sistema de pesos e medidas" fez parte do currículo da escola primária e secundária francesa, até que se consolidasse o sistema métrico decimal imposto à França no início do século XIX. Uma vez cumprido seu papel, desapareceu como disciplina escolar e os conteúdos e habilidades envolvidos na aprendizagem do sistema de medidas foram incorporados ao ensino da matemática de onde não mais se separaram. Da mesma forma a disciplina "redação" apareceu, desapareceu, incorporada a outras, e reapareceu por diversas vezes no currículo. Essa transitoriedade das disciplinas escolares mostra como é epistemologicamente frágil a sua demarcação rígida nos planos curriculares e argumenta em favor de uma postura mais flexível e integradora.
4.4 Contextualização
As múltiplas formas de interação que se podem prever entre as disciplinas tal como tradicionalmente arroladas nas "grades curriculares", fazem com que toda proposição de áreas ou agrupamento das mesmas seja resultado de um corte que carrega certo grau de arbitrariedade. Não há paradigma curricular capaz de abarcar a todas. Nesse sentido seria desastroso entender uma proposta de organização por áreas como fechada ou definitiva. Mais ainda seria submeter uma área interdisciplinar ao mesmo amordaçamento estanque a que hoje estão sujeitas as disciplinas tradicionais isoladamente, quando o importante é ampliar as possibilidades de interação não apenas entre as disciplinas nucleadas em uma área como entre as próprias áreas de nucleação. A contextualização pode ser um recurso para conseguir esse objetivo.
Contextualizar o conteúdo que se quer aprendido significa, em primeiro lugar, assumir que todo conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto. Na escola fundamental ou média o conhecimento é quase sempre reproduzido das situações originais nas quais acontece sua produção. Por esta razão quase sempre o conhecimento escolar se vale de uma transposição didática, na qual a linguagem joga papel decisivo.
O tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já adquiridas. As dimensões de vida ou contextos valorizados explicitamente pela LDB são o trabalho e a cidadania. As competências estão indicadas quando a lei prevê um ensino que facilite a ponte entre a teoria e a prática. É isto também que propõe Piaget, quando analisa o papel da atividade na aprendizagem: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.
Alguns exemplos podem ilustrar essa noção. Um deles refere-se ao uso da língua portuguesa no contexto das diferentes práticas humanas. O melhor domínio da língua e seus códigos se alcança quando se entende como ela é utilizada no contexto da produção do conhecimento científico, da convivência, do trabalho ou das práticas sociais: nas relações familiares ou entre companheiros, na política ou no jornalismo, no contrato de aluguel ou na poesia, na física ou na filosofia. O mesmo pode acontecer com a matemática. Uma das formas significativas para dominar a matemática é entendê-la aplicada na análise de índices econômicos e estatísticos, nas projeções políticas ou na estimativa da taxa de juros, associada a todos os significados pessoais, políticos e sociais que números dessa natureza carregam.
Outro exemplo refere-se ao conhecimento científico. Conhecer o corpo humano não é apenas saber como funcionam os muitos aparelhos do organismo, mas também entender como funciona o próprio corpo e que conseqüências isso tem em decisões pessoais da maior importância tais como fazer dieta, usar drogas, consumir gorduras ou exercer a sexualidade. A adolescente que aprendeu tudo sobre aparelho reprodutivo mas não entende o que se passa com seu corpo a cada ciclo mensal não aprendeu de modo significativo. O mesmo acontece com o jovem que se equilibra na prancha de surfe em movimento, mas não relaciona isso com as leis da física aprendidas na escola.
Pesquisa recente com jovens de ensino médio revelou que estes não vêem nenhuma relação da química com suas vidas nem com a sociedade, como se o iogurte, os produtos de higiene pessoal e limpeza, os agrotóxicos ou as fibras sintéticas de suas roupas fossem questões de outra esfera de conhecimento, divorciadas da química que estudam na escola. No caso desses jovens, a química aprendida na escola foi transposta do contexto de sua produção original, sem que pontes tivessem sido feitas para contextos que são próximos e significativos. É provável que, por motivo semelhante, muitas pessoas que estudaram física na escola não consigam entender como funciona o telefone celular. Ou se desconcertem quando têm de estabelecer a relação entre o tamanho de um ambiente e a potência em "btus" do aparelho de ar-condicionado que estão por adquirir.
O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular no ensino médio, de acordo com as diretrizes traçadas pela LDB em seus artigos 35 e 36. O significado desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda inteiramente a noção tradicional de educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independentemente de sua origem ou destino socioprofissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho enquanto uma das principais atividades humanas, enquanto campo de preparação para escolhas profissionais futuras, enquanto espaço de exercício de cidadania, enquanto processo de produção de bens, serviços e conhecimentos com as tarefas laborais que lhes são próprias.
A riqueza do contexto do trabalho para dar significado às aprendizagens da escola média é incomensurável. Desde logo na experiência da própria aprendizagem como um trabalho de constituição de conhecimentos, dando à vida escolar um significado de maior protagonismo e responsabilidade. Da mesma forma o trabalho é um contexto importante das ciências humanas e sociais, visando compreendê-lo enquanto produção de riqueza e forma de interação do ser humano com a natureza e o mundo social. Mas a contextualização no mundo do trabalho permite focalizar muito mais todos os demais conteúdos do ensino médio.
A produção de serviços de saúde pode ser o contexto para tratar os conteúdos de biologia, significando que os conteúdos dessas disciplinas poderão ser tratados de modo a serem, posteriormente, significativos e úteis a alunos que se destinem a essas ocupações. A produção de bens nas áreas de mecânica e eletricidade contextualiza conteúdos de física com aproveitamento na formação profissional de técnicos dessas áreas. Do mesmo modo as competências desenvolvidas nas áreas de linguagens podem ser contextualizadas na produção de serviços pessoais ou comunicação e, mais especificamente, no exercício de atividades tais como tradução, turismo ou produção de vídeos, serviços de escritório. Ou ainda os estudos sobre a sociedade e o indivíduo podem ser contextualizados nas questões que dizem respeito à organização, à gestão, ao trabalho de equipe, à liderança, no contexto de produção de serviços tais como relações públicas, administração, publicidade.
Conhecimentos e competências constituídos de forma assim contextualizada compõem a educação básica, são necessários para a continuidade de estudos acadêmicos e aproveitáveis em programas de preparação profissional seqüenciais ou concomitantes com o ensino médio, sejam eles cursos formais, seja a capacitação em serviço. Na verdade, constituem o que a LDB refere como preparação básica para o trabalho, tema que será retomado mais adiante.
O contexto do trabalho é também imprescindível para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos a que se refere o artigo 35 da LDB. Por sua própria natureza de conhecimento aplicado, as tecnologias, sejam elas das linguagens e comunicação, da informação, do planejamento e gestão, ou as mais tradicionais, nascidas no âmbito das ciências da natureza, só podem ser entendidas de forma significativa se contextualizadas no trabalho. A esse respeito é significativo o fato de que as estratégias de aprendizagem contextualizada ou "situada", como é designada na literatura de língua inglesa, tenham nascido nos programas de preparação profissional, dos quais se transferiram depois para as salas de aula tradicionais. Suas características, tal como descritas pela literatura e resumidas por Stein, indicam que a contextualização do conteúdo de ensino é o que efetivamente ocorre no ensino profissional de boa qualidade: Na aprendizagem situada os alunos aprendem o conteúdo por meio de atividades em lugar de adquirirem informação em unidades específicas organizadas pelos instrutores. O conteúdo é inerente ao processo de fazer uma tarefa e não se apresenta separado do barulho, da confusão e das interações humanas que prevalecem nos ambientes reais de trabalho.
Outro contexto relevante indicado pela LDB é o do exercício da cidadania. Desde logo é preciso que a proposta pedagógica assuma o fato trivial de que a cidadania não é dever nem privilégio de uma área específica do currículo nem deve ficar restrita a um projeto determinado. Exercício de cidadania é testemunho que se inicia na convivência cotidiana e deve contaminar toda a organização curricular. As práticas sociais e políticas e as práticas culturais e de comunicação são parte integrante do exercício cidadão, mas a vida pessoal, o cotidiano e a convivência e as questões ligadas ao meio ambiente, corpo e saúde também. Trabalhar os conteúdos das ciências naturais no contexto da cidadania pode significar um projeto de tratamento da água ou do lixo da escola ou a participação numa campanha de vacinação, ou a compreensão de por que as construções despencam quando os materiais utilizados não têm a resistência devida. E de quais são os aspectos técnicos, políticos e éticos envolvidos no trabalho da construção civil.
Objetivo semelhante pode ser alcançado se a eleição do grêmio estudantil for uma oportunidade para conhecer melhor os sistemas políticos, ou para entender como a matemática traduz a tendência de voto por meio de um gráfico de barras, ou para discutir questões éticas relacionadas à prática eleitoral. Da mesma forma as competências da área de linguagens podem ser trabalhadas no contexto da comunicação na sala de aula, da análise da novela da televisão, dos diferentes usos da língua dependendo das situações de trabalho, da comunicação coloquial.
O contexto que é mais próximo do aluno e mais facilmente explorável para dar significado aos conteúdos da aprendizagem é o da vida pessoal, cotidiano e convivência. O aluno vive num mundo de fatos regidos pelas leis naturais e está imerso num universo de relações sociais. Está exposto a informações cada vez mais acessíveis e rodeado por bens cada vez mais diversificados, produzidos com materiais sempre novos. Está exposto também a vários tipos de comunicação pessoal e de massa.
O cotidiano e as relações estabelecidas com o ambiente físico e social devem permitir dar significado a qualquer conteúdo curricular, fazendo a ponte entre o que se aprende na escola e o que se faz, vive e observa no dia-a-dia. Aprender sobre a sociedade, o indivíduo e a cultura e não compreender ou reconhecer as relações existentes entre adultos e jovens na própria família é perder a oportunidade de descobrir que as ciências também contribuem para a convivência e a troca afetiva. O respeito ao outro e ao público, essencial à cidadania, também se inicia nas relações de convivência cotidiana, na família, na escola, no grupo de amigos.
Na vida pessoal há um contexto importante o suficiente para merecer consideração específica, que é o do meio ambiente, corpo e saúde. Condutas ambientalistas responsáveis subentendem um protagonismo forte no presente, no meio ambiente imediato da escola, da vizinhança, do lugar onde se vive. Para desenvolvê-las é importante que os conhecimentos das ciências, da matemática e das linguagens sejam relevantes na compreensão das questões ambientais mais próximas e estimulem a ação para resolvê-las.
As visões, fantasias e decisões sobre o próprio corpo e saúde, base para um desenvolvimento autônomo, poderão ser mais bem orientadas se as aprendizagens da escola estiverem significativamente relacionadas com as preocupações comuns na vida de todo jovem: aparência, sexualidade e reprodução, consumo de drogas, hábitos de alimentação, limite e capacidade física, repouso, atividade, lazer.
Examinados os exemplos dados, é possível generalizar a contextualização como recurso para tornar a aprendizagem significativa ao associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os conhecimentos adquiridos espontaneamente. É preciso, no entanto, cuidar para que essa generalização não induza à banalização, com o risco de perder o essencial da aprendizagem escolar que é seu caráter sistemático, consciente e deliberado. Em outras palavras: contextualizar os conteúdos escolares não é liberá-los do plano abstrato da transposição didática para aprisioná-los no espontaneísmo e na cotidianeidade. Para que fique claro o papel da contextualização, é necessário considerar, como no caso da interdisciplinaridade, seu fundamento epistemológico e psicológico.
O jovem não inicia a aprendizagem escolar partindo do zero, mas com uma bagagem formada por conceitos já adquiridos espontaneamente, em geral mais carregados de afetos e valores por resultarem de experiências pessoais. Ao longo do desenvolvimento aprende-se a abstrair e generalizar conhecimentos aprendidos espontaneamente, mas é bem mais difícil formalizá-los ou explicá-los em palavras porque, diferentemente da experiência escolar, não são conscientes nem deliberados.
É possível assim afirmar, reiterando premissas das teorias interacionistas do desenvolvimento e da aprendizagem, que o desenvolvimento intelectual baseado na aprendizagem espontânea é ascendente, isto é, inicia-se de modo inconsciente e até caótico, de acordo com uma experiência que não é controlada, e encaminha-se para níveis mais abstratos, formais e conscientes. Ao iniciar uma determinada experiência de aprendizagem escolar, portanto, um aluno pode até saber os conceitos nela envolvidos, mas não sabe que os tem porque nesse caso vale a afirmação de que a análise da realidade com a ajuda de conceitos precede a análise dos próprios conceitos.
Na escola, os conteúdos curriculares já são apresentados ao aluno na sua forma mais abstrata, formulados em graus crescentes de generalidade. A sua relação com esse conhecimento é, portanto, mais longínqua, mais fortemente mediada pela linguagem externa, menos pessoal. Nessas circunstâncias, ainda que aprendido e satisfatoriamente formulado em nível de abstração aceitável, o conhecimento tem muita dificuldade para aplicar-se a novas situações concretas que devem ser entendidas nos mesmos termos abstratos pelos quais o conceito é formulado.
Da mesma forma como foi longo o processo pelo qual os conceitos espontâneos ganharam níveis de generalidade até serem entendidos e formulados de modo abstrato, é longo e árduo o processo inverso, de transição do abstrato para o concreto e particular. Isso sugere que o processo de aquisição do conhecimento sistemático escolar tem uma direção oposta à do conhecimento espontâneo: descendente, de níveis formais e abstratos para aplicações particulares.
Ambos os processos de desenvolvimento, do conhecimento espontâneo ao conhecimento abstrato e deliberado e deste último para a compreensão e aplicação a situações particulares concretas, não são independentes. Já porque a realidade à qual se referem é a mesma – o mundo físico, o mundo social, as relações pessoais – já porque em ambos os casos a linguagem joga papel decisivo como elemento constituidor. Na prática, o conhecimento espontâneo auxilia a dar significado ao conhecimento escolar. Este último, por sua vez, reorganiza o conhecimento espontâneo e estimula o processo de sua abstração.
Quando se recomenda a contextualização como princípio de organização curricular, o que se pretende é facilitar a aplicação da experiência escolar para a compreensão da experiência pessoal em níveis mais sistemáticos e abstratos e o aproveitamento da experiência pessoal para facilitar o processo de concreção dos conhecimentos abstratos que a escola trabalha. Isso significa que a ponte entre teoria e prática, recomendada pela LDB e comentada por Castro, deve ser de mão dupla. Em ambas as direções estão em jogo competências cognitivas básicas: raciocínio abstrato, capacidade de compreensão de situações novas, que é a base da solução de problemas, para mencionar apenas duas.
Não se entendam, portanto, a contextualização como banalização do conteúdo das disciplinas, numa perspectiva espontaneísta. Mas como recurso pedagógico para tornar a constituição de conhecimentos um processo permanente de formação de capacidades intelectuais superiores. Capacidades que permitam transitar inteligentemente do mundo da experiência imediata e espontânea para o plano das abstrações e deste para a reorganização da experiência imediata, de forma a aprender que situações particulares e concretas podem ter uma estrutura geral.
De outra coisa não trata Piaget quando, a propósito do ensino da matemática, observa que muitas operações lógico-matemáticas já estão presentes na criança antes da idade escolar sob formas elementares ou triviais mas não menos significativas. Mas acrescenta, em seguida: Uma coisa é aprender na ação e assim aplicar praticamente certas operações, outra é tomar consciência das mesmas para delas extrair um conhecimento reflexivo e teórico, de tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas naturais.
Para concluir estas considerações sobre a contextualização, é interessante citar a síntese apresentada por Stein sobre as características da aprendizagem contextualizada: em relação ao conteúdo, busca desenvolver o pensamento de ordem superior em lugar da aquisição de fatos independentes da vida real; preocupa-se mais com a aplicação do que com a memorização; sobre o processo assume que a aprendizagem é sócio-interativa, envolve necessariamente os valores, as relações de poder, a negociação permanente do próprio significado do conteúdo entre os alunos envolvidos; em relação ao contexto, propõe não apenas trazer a vida real para a sala de aula, mas criar as condições para que os alunos (re)experienciem os eventos da vida real a partir de múltiplas perspectivas.
A reorganização da experiência cotidiana e espontânea tem assim um resultado importante para a educação, pois é principalmente nela que intervêm os afetos e valores. É com base nela, embora não exclusivamente, que se constróem as visões do outro e do mundo, pois uma parte relevante da experiência espontânea é feita de interação com os outros, de influencia dos meios de comunicação, de convivência social, pelos quais os significados são negociados, para usar o termo de Stein.
Na medida em que a contextualização facilita o significado da experiência de aprendizagem escolar e a (re)significação da aprendizagem baseada na experiência espontânea, ela pode – e deve – questionar os dados desta última: os problemas ambientais, os preconceitos e estereótipos, os conteúdos da mídia, a violência nas relações pessoais, os conceitos de verdadeiro e falso na política, e assim por diante. Dessa forma, voltando a alguns exemplos dados, se a aprendizagem do sistema reprodutivo não leva a questionar os mitos da feminilidade e da masculinidade, além de não ser significativa essa aprendizagem em nada colaborou para reorganizar o aprendido espontaneamente. Se a aprendizagem das ciências não facilitar o esforço para distinguir entre o fato e a interpretação ou para identificar as falhas da observação cotidiana, se não facilitar a reprodução de situações nas quais o emprego da ciência depende da participação e interação entre as pessoas e destas com um conjunto de equipamentos e materiais, pode-se dizer que não criou competências para abstrair de forma inteligente o mundo da experiência imediata.
4.5 A Importância da Escola
Interdisciplinaridade e Contextualização são recursos complementares para ampliar as inúmeras possibilidades de interação entre disciplinas e entre as áreas nas quais disciplinas venham a ser agrupadas. Juntas, elas se comparam a um trançado cujos fios estão dados, mas cujo resultado final pode ter infinitos padrões de entrelaçamento e muitas alternativas para combinar cores e texturas. De forma alguma se espera que uma escola esgote todas as possibilidades. Mas se recomenda com veemência que ela exerça o direito de escolher um desenho para o seu trançado e que, por mais simples que venha a ser, ele expresse suas próprias decisões e resulte num cesto generoso para acolher aquilo que a LDB recomenda em seu artigo 26: as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
Os ensinamentos da psicologia de Piaget e Vigotsky foram convocados para explicar a interdisciplinaridade e a contextualização porque ambas as perspectivas teóricas se complementam naquilo que, para estas DCNEM, é o mais importante: a importância da aprendizagem sistemática, portanto da escola, para o desenvolvimento do adolescente.
A escola é a agência que especificamente está dedicada à tarefa de organizar o conhecimento e apresentá-lo aos alunos pela mediação das linguagens, de modo a que seja aprendido. Ao professor – pela linguagem que fala ou que manipula nos recursos didáticos – cabe uma função insubstituível no domínio mais avançado do conhecimento que o aluno vai constituindo. Este, por sua vez, estimula o próprio desenvolvimento a patamares superiores.
Se a constituição de conhecimentos com significado deliberado, que caracteriza a aprendizagem escolar, é antecipação do desenvolvimento de capacidades mentais superiores – premissa cara a Vigotsky – o trabalho que a escola realiza, ou deve realizar, é insubstituível na aquisição de competências cognitivas complexas, cuja importância vem sendo cada vez mais enfatizada: autonomia intelectual, criatividade, solução de problemas, análise e prospecção, entre outras. Essa afirmação é ainda mais verdadeira para jovens provenientes de ambientes culturais e sociais em que o uso da linguagem é restrito e a sistematização do conhecimento espontâneo raramente acontece.
Outra coisa não diz Piaget interpretando os mandamentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no capítulo da educação: Todo ser humano tem o direito de ser colocado, durante sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível chegar ao ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica. E vai mais longe o mestre de Genebra, ao relacionar a autonomia moral com a autonomia intelectual, que implica o pleno desenvolvimento das operações da lógica.
Mesmo sem que a escola se dê conta, sua proposta pedagógica tem uma resposta para a pergunta que tanto Sócrates quanto Protágoras procuram responder: É possível educar pessoas que, além das "artes" – único talento que Prometeu conseguiu roubar aos deuses para repartir à humanidade –, dominem também a justiça e o respeito, que Zeus decidiu acrescentar àquele talento por serem a base da amizade, a fim de que os homens pudessem conviver para sobreviver. Vigotsky, com as capacidades intelectuais superiores, Piaget com as operações da lógica, Sócrates com a sabedoria afirmam que sim e dão grande alento para aqueles que teimosamente continuam apostando na borboleta.
4.6 Base Nacional Comum e Parte Diversificada
Interdisciplinaridade e Contextualização formam o eixo organizador da doutrina curricular expressa na LDB. Elas abrigam uma visão do conhecimento e das formas de tratá-lo para ensinar e para aprender que permite dar significado integrador a duas outras dimensões do currículo, de forma a evitar transformá-las em novas dualidades ou reforçar as já existentes: base nacional comum/parte diversificada, e formação geral/preparação básica para o trabalho.
A primeira dimensão é explicitada no artigo 26 da LDB, que afirma: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. À luz das diretrizes pedagógicas apresentadas, cabe observar a esse respeito:
tudo o que se disse até aqui sobre a nova missão do ensino médio, seus fundamentos axiológicos e suas diretrizes pedagógicas se aplica para ambas as «partes», tanto a "nacional comum" como a "diversificada", pois numa perspectiva de organicidade, integração e contextualização do conhecimento não faz sentido que elas estejam divorciadas;
a LDB buscou preservar, no seu artigo 26, a autonomia da proposta pedagógica dos sistemas e das unidades escolares para contextualizar os conteúdos curriculares de acordo com as características regionais, locais e da vida dos seus alunos; assim entendida, a parte diversificada é uma dimensão do currículo, e a contextualização pode ser a forma de organizá-la sem criar divórcio ou dualidade com a base nacional comum;
a parte diversificada deverá, portanto, ser organicamente integrada à base nacional comum para que o currículo faça sentido como um todo e essa integração ocorrerá, entre outras formas, por enriquecimento, ampliação, diversificação, desdobramento, podendo incluir todos os conteúdos da base nacional comum ou apenas parte deles, selecionados, nucleados em áreas ou não, sempre de acordo com a proposta pedagógica do estabelecimento;
a parte diversificada poderá ser desenvolvida por meio de projetos e estudos focalizados em problemas selecionados pela equipe escolar, de forma que eles sejam organicamente integrados ao currículo, superando definitivamente a concepção do projeto como atividade "extra" curricular;
entendida nesses termos, a parte diversificada será decisiva na construção da identidade de cada escola, ou seja, pode ser aquilo que identificará as "vocações" das escolas e as diferenciará entre si, na busca de organizações curriculares que efetivamente respondam à heterogeneidade dos alunos e às necessidades do meio social e econômico;
sempre que assim permitirem os recursos humanos e materiais dos estabelecimentos escolares, os alunos deverão ter a possibilidade de escolher os estudos, projetos, cursos ou atividades da parte diversificada, de modo a incentivar a inserção do educando na construção de seu próprio currículo;
os sistemas de ensino e escolas estabelecerão os critérios para que a diversificação de opções curriculares por parte dos alunos seja possível pedagogicamente e sustentável financeiramente;
se a parte diversificada deve ter nome específico e carga identificável no horário escolar é uma questão a ser resolvida no âmbito de cada sistema e escola de acordo com sua organização curricular e proposta pedagógica;
em qualquer caso, a base nacional comum, objeto destas DCNEM, deverá ocupar, no mínimo, 75% do tempo legalmente estabelecido como carga horária mínima do ensino médio.
4.7 Formação Geral e Preparação Básica para o Trabalho
Sobre esse aspecto é preciso destacar que a letra e o espírito da lei não identificam a preparação para o trabalho ou a habilitação profissional com a parte diversificada do currículo. Em outras palavras, não existe nenhuma relação biunívoca que faça sentido, nem pela lei nem pela doutrina curricular que ela adota, identificando a base nacional comum com a formação geral do educando e a parte diversificada com a preparação geral para o trabalho ou, facultativamente, com a habilitação profissional. Na dinâmica da organização curricular descrita anteriormente elas podem ser combinadas de muitas e diferentes maneiras para resultar numa organização de estudos adequada a uma escola determinada.
A segunda observação importante diz respeito ao uso, pelos sistemas e pelas escolas, da possibilidade de preparar para o exercício de profissões técnicas (parágrafo 2o do artigo 36) ou da faculdade de oferecer habilitação profissional (Parágrafo 4o artigo 36). Essa questão implica considerar vários aspectos e deve ser examinada com cuidado, pois toca o princípio de autonomia da escola:
o primeiro aspecto refere-se à finalidade de educação básica do ensino médio que não está em questão, pois a LDB é clara a respeito;
o segundo refere-se à duração do ensino médio, que também não deixa dúvidas quanto ao mínimo de 2.400 horas, distribuídas em 3 anos de 800 horas, distribuídas em pelo menos 200 dias letivos;
o terceiro aspecto a considerar é que a LDB presume uma diferença entre "preparação geral para o trabalho" e "habilitação profissional".
Essa diferença presumida deve ser explicitada. Por opção doutrinária a lei não dissocia a preparação geral para o trabalho da formação geral do educando, e isso vale tanto para a "base nacional comum" como para a "parte diversificada" do currículo e é por essa razão que se dá ênfase neste parecer ao tratamento de todos os conteúdos curriculares no contexto do trabalho.
Essa preparação geral para o trabalho abarca, portanto, os conteúdos e competências de caráter geral para a inserção no mundo do trabalho e aqueles que são relevantes ou indispensáveis para cursar uma habilitação profissional e exercer uma profissão técnica. No primeiro caso estariam as noções gerais sobre o papel e o valor do trabalho, os produtos do trabalho, as condições de produção, entre outras.
No caso dos estudos que são necessários para o preparo profissional quer seja em curso formal, quer seja no ambiente de trabalho, estariam por exemplo, conhecimentos de biologia e bioquímica para as áreas profissionais da saúde, a química para algumas profissões técnicas industriais, a física para as atividades profissionais ligadas à mecânica ou eletroeletrônica, as línguas para as habilitações ligadas a comunicações e serviços, as ciências humanas e sociais para as áreas de administração, relações públicas, mercadologia, entre outras. Dependendo do caso, essa vinculação pode ser mais estreita e específica, como seria, por exemplo, o conhecimento de história para técnico de turismo ou de redação de textos e cartas comerciais para alunos que farão secretariado e contabilidade.
Enquanto a duração da formação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, é inegociável, a duração da formação profissional específica será variável. Um dos fatores que afetará a quantidade de tempo a ser alocado à formação profissional será a maior ou menor proximidade desta última com a preparação básica para o trabalho que o aluno adquiriu no ensino médio. Quanto maior a proximidade, mais os estudos de formação geral poderão propiciar a aprendizagem de conhecimentos e competências que são essenciais para o exercício profissional em uma profissão ou área ocupacional determinada. Esses estudos podem, portanto, ser aproveitados para a obtenção de uma habilitação profissional em cursos complementares, desenvolvidos concomitante ou seqüencialmente ao ensino médio.
Essa é a interpretação a ser dada ao parágrafo único do artigo 5º do Decreto 2.208/97: a expressão caráter profissionalizante, utilizada para adjetivar as disciplinas cursadas no ensino médio que podem ser aproveitadas, até o limite de 25%, no currículo de habilitação profissional, só pode referir-se às disciplinas de formação básica ou geral que, ao mesmo tempo, são fundamentais para a formação profissional e por isso mesmo podem ser aproveitadas em cursos específicos para obtenção de habilitações específicas. Não é relevante, para estas DCNEM, indicar se tais disciplinas seriam cursadas na parte diversificada ou no cumprimento da base nacional comum, se aceito o pressuposto de que ambas devem estar organicamente articuladas.
Quando o mesmo Decreto 2.208/97 afirma em seu artigo 2o: A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular [...], e depois, no já citado artigo 5o, reafirma que: A educação profissional terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este, estabelece as regras da articulação, sem que nenhuma das duas modalidades de educação, a básica, do ensino médio, e a profissional de nível técnico, abram mão da especificidade de suas finalidades.
Esse tipo de articulação entre formação geral e profissional já foi considerada por vários educadores dedicados à educação técnica, entre eles Castro, que aponta ocupações para as quais o preparo é mais próximo da formação geral. Este é o caso, entre outros, de algumas ocupações nas áreas de serviços, como as de escritório, por exemplo. Outras ocupações, diz esse autor, requerem uma maior quantidade de conhecimentos e habilidades que não são de formação geral. Entre estas últimas estariam as profissões ligadas à produção industrial, cujo tempo de duração dos cursos técnicos será provavelmente mais longo por envolverem estudos mais especializados e, portanto, mais distantes da educação geral.
Assim, a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, se dará por uma via de mão dupla e pode gerar inúmeras formas de preparação básica para o trabalho no caso do primeiro, e aproveitamento de estudos no caso do segundo, respeitadas as normas relativas à duração mínima da educação básica de nível médio, que inclui – repita-se – a formação geral e a preparação para o trabalho:
às escolas de ensino médio cabe contemplar, em sua proposta pedagógica e de acordo com as características regionais e de sua clientela, aqueles conhecimentos, competências e habilidades de formação geral e de preparação básica para o trabalho que, sendo essenciais para uma habilitação profissional específica, poderão ter os conteúdos que lhe deram suporte igualmente aproveitados no respectivo curso dessa habilitação profissional;
às escolas ou programas dedicados à formação profissional cabe identificar que conhecimentos, competências e habilidades essenciais para cursar uma habilitação profissional específica já foram adquiridos pelo aluno no ensino médio, e considerar as disciplinas ou estudos que lhes deram suporte como de caráter profissionalizante para essa habilitação e, portanto, passíveis de serem aproveitados;
como a articulação não se dá por sobreposição, os estudos de formação geral e de preparação básica para o trabalho que sejam ao mesmo tempo essenciais para uma habilitação profissional, podem ser incluídos na duração mínima prevista para o ensino médio e aproveitados na formação profissional;
estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma ou em outra instituição, concomitante ou posteriormente ao ensino médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 previstas pela LDB como mínimas;
as várias habilitações profissionais terão duração diferente para diferentes alunos, dependendo do perfil do profissional a ser habilitado, dos estudos que cada um deles esteja realizando ou tenha realizado no ensino médio e dos critérios de aproveitamento contemplados nas suas propostas pedagógicas.
As fronteiras entre estudos de preparação básica para o trabalho e educação profissional no sentido restrito nem sempre são fáceis de estabelecer. Além disso, como já se observou, depende do perfil ocupacional a maior ou menor afinidade entre as competências exigidas para o exercício profissional e aquelas de formação geral.
É sabido, no entanto, que em cada habilitação profissional ou profissão técnica existem conteúdos, competências e mesmo atitudes, que são próprios e específicos. Apenas a título de exemplo seria possível mencionar: o domínio da operação de um torno mecânico, ou do processo de instalação de circuitos elétricos para os técnicos dessas áreas; a operação de uma agência de viagens para o técnico de turismo; o uso de aparelhagem de tradução simultânea para o tradutor; a manipulação de equipamentos para diagnóstico especializado no caso do técnico de laboratório; o domínio das técnicas de esterilização no caso do enfermeiro.
Conhecimentos e competências específicos tais como os exemplificados não devem fazer parte da formação geral do educando e da preparação geral para o trabalho. Caracterizam uma habilitação profissional ou o preparo para o exercício de profissão técnica. Considerando que a LDB prioriza a formação geral quando define os mínimos de duração do ensino médio e apenas faculta o oferecimento da habilitação profissional, garantida a formação geral, aquela só pode ser oferecida como carga adicional dos mínimos estabelecidos, podendo essa adição ser em horas diárias, dias da semana ou períodos letivos.
Caberá aos sistemas de ensino, às escolas médias e às profissionais definir e tomar decisões, em cada caso, sobre quais estudos são de formação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, e quais são de formação profissional específica. Não há como estabelecer critérios a priori. Este é mais um aspecto no qual nenhum controle prévio ou formal substitui o exercício da autonomia responsável.
Em resumo:
os conteúdos curriculares da base nacional comum e da parte diversificada devem ser tratados também, embora não exclusivamente, no contexto do trabalho, como meio de produção de bens, de serviços e de conhecimentos;
de acordo com as necessidades da clientela e as características da região, contempladas na proposta pedagógica da escola média, os estudos de formação geral e preparação básica para o trabalho, tanto da base nacional comum como da parte diversificada, podem ser tratados no contexto do trabalho em uma ou mais áreas ocupacionais;
segundo esses princípios, a preparação básica para o trabalho é, portanto, parte integrante da educação básica de nível médio e pode incluir, dentro da duração mínima estabelecida pela LDB, estudos que são também necessários para cursar uma habilitação profissional e que, por essa razão, podem ser aproveitados em cursos ou programas de habilitação ou formação profissional;
em outras palavras, as disciplinas pelas quais se realizam os estudos mencionados no item anterior são aquelas disciplinas de formação geral ou de preparação básica para o trabalho necessárias para cursos profissionais com os quais mantêm afinidade e, portanto, são de caráter profissionalizante para esses cursos profissionais, ainda que cursadas dentro da carga horária mínima prevista para o ensino médio;
os estudos realizados em disciplinas de caráter profissionalizante, assim entendidas, podem ser aproveitados, até o limite de 25% da carga horária total, para eventual habilitação profissional, somando-se aos estudos específicos necessários para obter a certificação exigida para o exercício profissional;
esses estudos específicos, que propiciam preparo para postos de trabalho determinados ou são especializados para o exercício de profissões técnicas, só podem ser oferecidos se e quando atendida a formação geral do educando, e mesmo assim facultativamente;
em virtude da prioridade da formação geral, a eventual oferta desses estudos específicos de habilitação profissional, ou de preparo para profissões técnicas, não poderá ocupar o tempo de duração mínima do ensino médio previsto pela LDB, sem prejuízo do eventual aproveitamento de estudos já referido;
o sistema ou escola que decida oferecer formação para uma profissão técnica, usando a faculdade que a lei outorga, deverá acrescentar aos mínimos previstos, o número de horas diárias, dias da semana, meses, semestres, períodos ou anos letivos necessários para desenvolver os estudos específicos correspondentes.
É interessante observar que essa diretriz já vem sendo colocada em prática por sistemas ou escolas de ensino médio que oferecem também habilitação profissional. Nesses casos, ainda poucos, os cursos já são mais longos, seja em termos de horas anuais, distribuídas por cargas horárias diárias maiores, seja em termos do número de anos ou semestres letivos, dependendo da conveniência em fazer os estudos especificamente profissionalizantes em concomitância ou em seqüência ao ensino médio. Esse fato é indicativo da adequação desta diretriz e da convicção que vem ganhando terreno quanto à necessidade de dedicar mais tempo, esforços e recursos para a finalidade de educação básica no ensino médio.
Nos termos deste parecer, portanto, não há dualidade entre formação geral e preparação básica para o trabalho. Mas há uma clara prioridade de ambas em relação a estudos específicos que habilitem para uma profissão técnica ou preparem para postos de trabalho definidos. Tais estudos devem ser realizados em cursos ou programas complementares, posteriores ou concomitantes ao ensino médio.
Finalmente, é preciso deixar bem claro que a desvinculação entre o ensino médio e o ensino técnico introduzida pela LDB é totalmente coerente com a concepção de educação básica adotada na lei. Exatamente porque a base para inserir-se no mercado de trabalho passa a ser parte integrante da etapa final da educação básica como um todo, sem dualidades, torna-se possível separar o ensino técnico. Este passa a assumir mais plenamente sua identidade e sua missão específicas de oferecer habilitação profissional, a qual poderá aproveitar os conhecimentos, competências e habilidades de formação geral obtidos no ensino médio.
5. A Organização Curricular Da Base Nacional Comum Do Ensino Médio
A construção da Base Nacional Comum passa pela constituição dos saberes integrados à ciência e à tecnologia, criados pela inteligência humana. Por mais instituinte e ousado, o saber terminará por fundar uma tradição, por criar uma referência. A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas. A modernidade, por mais crítica que tenha sido da tradição, arquitetou-se a partir de referências e paradigmas seculares. A relação com o passado deve ser cultivada, desde que se exerça uma compreensão do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente linear e seqüencial. A articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes, sem retirá-los da sua historicidade e, no caso do Brasil, de interação entre nossas diversas etnias, com as raízes africanas, indígenas, européias e orientais.
A produção e a constituição do conhecimento, no processo de aprendizagem, dá muitas vezes a ilusão de que podemos seguir sozinhos com o saber que acumulamos. A natureza coletiva do conhecimento termina sendo ocultada ou dissimulada, negando-se o fazer social. Nada mais significativo e importante, para a construção da cidadania, do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da história. Além disso, a existência dos saberes associados aos conhecimentos científicos e tecnológicos nos ajuda a caminhar pelos percursos da história, mas sua existência não significa que o real é esgotável e transparente.
Por outro lado, costuma-se reduzir a produção e a constituição do conhecimento no processo de aprendizagem, à dimensão de uma razão objetiva, desvalorizando-se outros tipos de experiências ou mesmo expressões de outras sensibilidades.
Assim, o modelo que despreza as possibilidades afetivas, lúdicas e estéticas de entender o mundo tornou-se hegemônico, submergindo no utilitarismo que transforma tudo em mercadoria. Em nome da velocidade e do tipo de mercadoria, criaram-se critérios para eleger valores que devem ser aceitos como indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade. O ponto de encontro tem sido a acumulação e não a reflexão e a interação, visando à transformação da vida, para melhor. O núcleo da aprendizagem terminaria sendo apenas a criação de rituais de passagem e de hierarquia, contrapondo-se, inclusive, à concepção abrangente de educação explicitada nos artigos 205 e 206 da Constituição Federal.
R. Assis.. CNE. Parecer nº 04/98
5.1 Organização Curricular e Proposta Pedagógica
Se toda proposição de áreas ou critérios de agrupamento dos conteúdos curriculares carrega certa dose de arbítrio, todo projeto ou proposta pedagógica traduz um esforço para superar esse arbítrio e adaptar um desenho curricular de base, mandatório e comum, às características de seus alunos e de seu ambiente socioeconômico recorrendo, entre outros recursos, à interdisciplinaridade e à contextualização como recursos para lograr esse objetivo.
Será, portanto, na proposta pedagógica e na qualidade do protagonismo docente que a interdisciplinaridade e contextualização ganharão significado prático pois, por homologia, deve-se dizer que o conhecimento desses dois conceitos é necessário mas não suficiente. Eles só ganharão sentido pleno se forem aplicados para reorganizar a experiência espontaneamente acumulada por professores e outros profissionais da educação que trabalham na escola, de modo que os leve a rever sua prática sobre o que e como ensinar seus alunos.
A organização curricular apresentada a seguir pertence, pois, ao âmbito do currículo proposto. Contraditório que possa ser chamar as presentes diretrizes curriculares, obrigatórias por lei, de currículo proposto, essa é a forma de reconhecer que o desenvolvimento curricular real será feito na escola e pela escola. O projeto ou proposta pedagógica será o plano básico desse desenvolvimento pelo qual o currículo proposto se transforma em currículo em ação.
O currículo ensinado será o trabalho do professor em sala de aula. Para que ele esteja em sintonia com os demais níveis – o da proposição e o da ação – é indispensável que os professores se apropriem, não só dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais importante.
Entre o currículo proposto e o ensino na sala de aula, situam-se ainda as instâncias normativas e executivas estaduais, legítimas formuladoras e implementadoras das políticas educacionais em seus respectivos âmbitos. O edifício do ensino médio se constrói, assim, em diferentes níveis nos quais há que estabelecer prioridades, identificar recursos e estabelecer consensos sobre o que e como ensinar.
Uma proposta nacional de organização curricular portanto, considerando a realidade federativa e diversa do Brasil, há que ser flexível, expressa em nível de generalidade capaz de abarcar propostas pedagógicas diversificadas, mas também com certo grau de precisão, capaz de sinalizar ao país as competências que se quer alcançar nos alunos do ensino médio, deixando grande margem de flexibilidade quanto aos conteúdos e métodos de ensino que melhor potencializem esses resultados. O roteiro de base para tal proposta será a LDB. Para introduzir a organização curricular da base nacional, é preciso recuperar o caminho percorrido por este parecer.
Os princípios axiológicos que devem inspirar o currículo foram propostos para atender o que a lei demanda quanto a:
fortalecimento dos laços de solidariedade e de tolerância recíproca;
formação de valores;
aprimoramento como pessoa humana;
formação ética;
exercício da cidadania.
A interdisciplinaridade e contextualização foram propostas como princípios pedagógicos estruturadores do currículo para atender o que a lei estabelece quanto às competências de:
vincular a educação ao mundo do trabalho e à prática social;
compreender os significados;
ser capaz de continuar aprendendo;
preparar-se para o trabalho e o exercício da cidadania;
ter autonomia intelectual e pensamento crítico;
ter flexibilidade para adaptar-se a novas condições de ocupação;
compreender os fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos;
relacionar a teoria com a prática.
A proposta pedagógica da escola será a aplicação de ambos, princípios axiológicos e pedagógicos, no tratamento de conteúdos de ensino que facilitem a constituição das competências e habilidades valorizadas pela LDB. As áreas que seguem, resultam do esforço de traduzir essas habilidades e competências em termos mais próximos do fazer pedagógico, mas não tão específicos que eliminem o trabalho de identificação mais precisa e de escolha dos conteúdos de cada área e das disciplinas às quais eles se referem em virtude de seu objeto e método de conhecimento. Essa sintonia fina, que, se espera, resulte de consensos estabelecidos em instâncias dos sistemas de ensino cada vez mais próximas da sala de aula, será o espaço no qual a identidade de cada escola se revelará como expressão de sua autonomia e como resposta à diversidade.
5.2 Os Saberes das Áreas Curriculares
Na área de LINGUAGENS E CÓDIGOS estão destacadas as competências que dizem respeito à constituição de significados que serão de grande valia para a aquisição e formalização de todos os conteúdos curriculares, para a constituição da identidade e o exercício da cidadania. As escolas certamente identificarão nesta área as disciplinas, atividades e conteúdos relacionados às diferentes formas de expressão, das quais a língua portuguesa é imprescindível. Mas é importante destacar que o agrupamento das linguagens busca estabelecer correspondência não apenas entre as formas de comunicação – das quais as artes, as atividades físicas e a informática fazem parte inseparável – como evidenciar a importância de todas as linguagens enquanto constituintes dos conhecimentos e das identidades dos alunos, de modo a contemplar as possibilidades artísticas, lúdicas e motoras de conhecer o mundo. A utilização dos códigos que dão suporte às linguagens não visa apenas ao domínio técnico mas principalmente à competência de desempenho, o saber usar as linguagens em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os interlocutores ou públicos.
Na área das CIÊNCIAS DA NATUREZA E MATEMÁTICA incluem-se as competências relacionadas à apropriação de conhecimentos da física, da química, da biologia e suas interações ou desdobramentos como formas indispensáveis de entender e significar o mundo de modo organizado e racional, e também de participar do encantamento que os mistérios da natureza exercem sobre o espírito que aprende a ser curioso, a indagar e descobrir. O agrupamento das ciências da natureza tem ainda o objetivo de contribuir para a compreensão do significado da ciência e da tecnologia na vida humana e social, de modo a gerar protagonismo diante das inúmeras questões políticas e sociais para cujo entendimento e solução as ciências da natureza são uma referência relevante. A presença da matemática nessa área se justifica pelo que de ciência tem a matemática, por sua afinidade com as ciências da natureza, na medida em que é um dos principais recursos de constituição e expressão dos conhecimentos destas últimas, e finalmente pela importância de integrar a matemática com os conhecimentos que lhe são mais afins. Esta última justificativa é, sem dúvida, mais pedagógica que epistemológica, e pretende retirar a matemática do isolamento didático em que tradicionalmente se confina no contexto escolar.
Na área das CIÊNCIAS HUMANAS, da mesma forma, destacam-se as competências relacionadas à apropriação dos conhecimentos dessas ciências com suas particularidades metodológicas, nas quais o exercício da indução é indispensável. Pela constituição dos significados de seus objetos e métodos, o ensino das ciências humanas e sociais deverá desenvolver a compreensão do significado da identidade, da sociedade e da cultura, que configuram os campos de conhecimentos de história, geografia, sociologia, antropologia, psicologia, direito, entre outros. Nesta área se incluirão também os estudos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania, para cumprimento do que manda a letra da lei. No entanto, é indispensável lembrar que o espírito da LDB é muito mais generoso com a constituição da cidadania e não a confina a nenhuma disciplina específica, como poderia dar a entender uma interpretação literal da recomendação do inciso III do parágrafo primeiro do artigo 36. Neste sentido, todos os conteúdos curriculares desta área, embora não exclusivamente dela, deverão contribuir para a constituição da identidade dos alunos e para o desenvolvimento de um protagonismo social solidário, responsável e pautado na igualdade política.
A presença das TECNOLOGIAS em cada uma das áreas merece um comentário mais longo. A opção por integrar os campos ou atividades de aplicação, isto é, os processos tecnológicos próprios de cada área de conhecimento, resulta da importância que ela adquire na educação geral – e não mais apenas na profissional –, em especial no nível do ensino médio. Neste, a tecnologia é o tema por excelência que permite contextualizar os conhecimentos de todas as áreas e disciplinas no mundo do trabalho.
Como analisa Menezes, no ensino fundamental, a tecnologia comparece como "alfabetização científico-tecnológica", compreendida como a familiarização com o manuseio e com a nomenclatura das tecnologias de uso universalizado, como, por exemplo, os cartões magnéticos.
No ensino médio, a presença da tecnologia responde a objetivos mais ambiciosos. Ela comparece integrada às ciências da natureza uma vez que uma compreensão contemporânea do universo físico, da vida planetária e da vida humana não pode prescindir do entendimento dos instrumentos pelos quais o ser humano maneja e investiga o mundo natural. Com isso se dá continuidade à compreensão do significado da tecnologia enquanto produto, num sentido amplo.
Mas a tecnologia na educação contemporânea do jovem deverá ser contemplada também como processo. Em outras palavras, não se tratará apenas de apreciar ou dar significado ao uso da tecnologia, mas de conectar os inúmeros conhecimentos com suas aplicações tecnológicas, recurso que só pode ser bem explorado em cada nucleação de conteúdos, e que transcende a área das ciências da natureza. A este respeito é significativa a observação de Menezes: A familiarização com as modernas técnicas de edição, de uso democratizado pelo computador, é só um exemplo das vivências reais que é preciso garantir. Ultrapassando assim o "discurso sobre as tecnologias", de utilidade duvidosa, é preciso identificar nas matemáticas, nas ciências naturais, nas ciências humanas, na comunicação e nas artes, os elementos de tecnologia que lhes são essenciais e desenvolvê-los como conteúdos vivos, como objetivos da educação e, ao mesmo tempo, meio para tanto.
Dessa maneira, a presença da tecnologia no ensino médio remete diretamente às atividades relacionadas à aplicação dos conhecimentos e habilidades constituídos ao longo da educação básica, dando expressão concreta à preparação básica para o trabalho prevista na LDB. Apenas para enriquecer os exemplos citados, é interessante lembrar do uso de recursos de comunicação como vídeos e infográficos e todo o mundo da multimídia; das técnicas de trabalho em equipe; do uso de sistemas de indicadores sociais e tecnologias de planejamento e gestão. Para não mencionar a incorporação das tecnologias e de materiais os mais diferenciados na arquitetura, escultura, pintura, teatro e outras expressões artísticas. Se muitas dessas aplicações, como produto, têm afinidade com as ciências naturais, como processos identificam-se com as linguagens e as ciências humanas e sociais.
Estas e muitas outras facetas do múltiplo fenômeno que é a tecnologia no mundo contemporâneo, constituem campos de aplicação – portanto, de conhecimento e uso de produtos tecnológicos – ainda inexplorados pelos planos curriculares e projetos pedagógicos. No entanto, além de sua intensa presença na vida cotidiana, essas tecnologias são as que mais se identificam com os setores nos quais a demanda de recursos humanos tende a crescer. Sem abrir mão do "discurso sobre as tecnologias", as linguagens e as ciências humanas e sociais só se enriquecerão se atentarem mais para as aplicações dos conhecimentos e capacidades que querem constituir nos alunos do ensino médio.
Descrição das Áreas
As três áreas descritas a seguir devem estar presentes na base nacional comum dos currículos das escolas de ensino médio, cujas propostas pedagógicas estabelecerão:
as proporções de cada área no conjunto do currículo;
os conteúdos a serem incluídos em cada uma delas, tomando como referência as competências descritas;
os conteúdos e competências a serem incluídos na parte diversificada, os quais poderão ser selecionados em uma ou mais áreas, reagrupados e organizados de acordo com critérios que satisfaçam as necessidades da clientela e da região.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:
o Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de: organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
o Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
o Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização e estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
o Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.
o Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais.
o Entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhe dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar.
o Entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes meios de comunicação, linguagens e códigos, bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias.
o Entender o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.
o Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. objetivando a constituição de habilidades e competências que permitam ao educando:
o Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade.
o Entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das ciências naturais.
o Identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários para produção, análise e interpretação de resultados de processos ou experimentos científicos e tecnológicos.
o Apropriar-se dos conhecimentos da física, da química e da biologia, e aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo natural, planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade natural.
o Compreender o caráter aleatório e não-determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas, determinação de amostras e cálculo de probabilidades.
o Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações, e interpretações.
o Analisar qualitativamente dados quantitativos, representados gráfica ou algebricamente, relacionados a contextos socioeconômicos, científicos ou cotidianos.
o Identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a realidade.
o Entender a relação entre o desenvolvimento das ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico, e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar.
o Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.
o Aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
o Compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas, e aplicá-las a situações diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das atividades cotidianas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:
o Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que constituem a identidade própria e a dos outros.
o Compreender a sociedade, sua gênese e transformação, e os múltiplos fatores que nela intervêm, como produtos da ação humana; a si mesmo como agente social; e os processos sociais como orientadores da dinâmica dos diferentes grupos de indivíduos.
o Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a paisagem, em seus desdobramentos político-sociais, culturais, econômicos e humanos.
o Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios econômicos.
o Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais em condutas de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural.
o Entender os princípios das tecnologias associadas ao conhecimento do indivíduo, da sociedade e da cultura, entre as quais as de planejamento, organização, gestão, trabalho de equipe, e associá-las aos problemas que se propõem resolver.
o Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências humanas sobre sua vida pessoal, os processos de produção, o desenvolvimento do conhecimento e a vida social.
o Entender a importância das tecnologias contemporâneas de comunicação e informação para planejamento, gestão, organização, fortalecimento do trabalho de equipe.
o Aplicar as tecnologias das ciências humanas e sociais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
6. A Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Transição e Ruptura
Em nosso modo de ver, uma implicação que vale a pena destacar, derivada desta visão problemática, incerta e imprevisível das mudanças em educação, deveria afetar nosso modo de nos posicionarmos frente às mesmas. Não procede esperar soluções salvadoras de reformas em grande escala, nem tampouco extrair conclusões precipitadas de seus primeiros fracassos, para escudar atitudes derrotistas e desencantadas, fatalistas ou elusivas. Uma reforma não é boa ou má pelos problemas e dificuldades que possam surgir em seu desenvolvimento. Estes não só são naturais, como necessários. Só encarando as mudanças educacionais numa perspectiva de conflito, evitaremos a tentação de considerá-las más só por terem vindo da administração ou de um grupo de especialistas sisudos, e poderemos esquadrinhá-las pessoal e coletivamente em seus valores e propósitos, em suas políticas concretas e decisões, em suas incidências positivas ou naquelas outras que não o sejam tanto, e que servirão para manter uma atitude permanente de crítica e reflexão, de compromisso e responsabilidade com a tarefa de educar. Esta é, em última instância, a postura mais responsável que nós, profissionais da educação, podemos e devemos adotar diante das mudanças, sejam as propostas desde fora, sejam aquelas outras que somos capazes de orquestrar desde dentro: pensar e refletir, criticar e valorar o que está sendo e o que deve ser a educação que nos ocupa em nossos respectivos âmbitos escolares nos tempos em que vivemos e naqueles que estão por vir, e não iludir as responsabilidades inescapáveis que nos tocam, a partir de uma profissionalidade eticamente construída, que há de perseguir a transformação e melhoria da sociedade por meio da educação.
J. M. Escudero. Diseño y Desarrollo del Curriculum en la Educación Secundária, 1997.
O real não está nem na chegada nem na saída. Ele se dispõe prá gente no meio da travessia.
A implementação destas DCNEM será ao mesmo tempo um processo de ruptura e de transição. Ruptura porque sinaliza para um ensino médio significativamente diferente do atual, cuja construção vai requerer mudanças de concepções, valores e práticas, mas cuja concepção fundante está na LDB.
No entanto seria ignorar a natureza das mudanças sociais, entre elas as educacionais, supor que o novo ensino médio deverá surgir do vácuo ou da negação radical da experiência até agora acumulada, com suas qualidades e limitações. De fato, como já se manifestou esta Câmara a respeito das diretrizes curriculares para o ensino fundamental, os saberes e práticas já instituídos constituem referência dos novos, que operam como instituintes num dado momento histórico: A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos o vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas.
Dessa dinâmica entre transição e ruptura vai surgir a aprendizagem com os acertos e erros do passado e a incorporação dessa aprendizagem para construir modelos, práticas e alternativas curriculares novas, mais adequadas à uma população que, pela primeira vez, chegará ao ensino médio. Esse processo que se inicia formalmente, neste final de milênio, com a homologação e publicação destas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, não tem data marcada para terminar. Como toda reforma educacional, terá etapas de desequilíbrios, seguidas por ajustes e reequilíbrios.
Por mais que as burocracias e os meios de comunicação esperem a tradução destas diretrizes curriculares com lógica e racionalidade cartesianas, de preferência por meio de uma tabela de dupla entrada que diga exatamente "como está" e "como fica" o ensino médio brasileiro, nem mesmo com a ajuda de um martelo a realidade do futuro próximo caberia num modelo desse tipo. O resultado de uma reforma educacional tem componentes imprevisíveis, que não permitem dizer com exatidão como vai ficar o ensino médio no momento em que estas diretrizes estiverem implementadas.
O produto mais importante de um processo de mudança curricular não é um novo currículo materializado em papel, tabelas ou gráficos. O currículo não se traduz em uma realidade pronta e tangível, mas na aprendizagem permanente de seus agentes, que leva a um aperfeiçoamento contínuo da ação educativa. Nesse sentido, uma reforma como a que aqui se propõe será tanto mais eficaz quanto mais provocar os sistemas, escolas e professores para a reflexão, análise, avaliação e revisão de suas práticas, tendo em vista encontrar respostas cada vez mais adequadas às necessidades de aprendizagem de nossos alunos. Em suma, o ensino médio brasileiro vai ser aquilo que nossos esforços, talentos e circunstâncias forem capazes de realizar.
Papel decisivo caberá aos órgãos estaduais formuladores e executores das políticas de apoio à implementação dos novos currículos de ensino médio. E aqui é imprescindível lembrar dois eixos norteadores da Lei nº 9.394/97, que deverão orientar a ação executiva e normativa tanto dos sistemas como dos próprios estabelecimentos de ensino médio:
. o eixo da flexibilidade, em torno do qual se articulam os processos de descentralização, desconcentração, desregulamentação e colaboração entre os atores, culminando com a autonomia dos estabelecimentos escolares na definição de sua proposta pedagógica;
. o eixo da avaliação, em torno do qual se articulam os processos de monitoramento de resultados e coordenação, culminando com as ações de compensação e apoio às escolas e regiões que maiores desequilíbrios apresentem, e de responsabilização pelos resultados em todos os níveis.
Esses papéis, complementares na permanente tensão que mantêm entre si, desenham um novo perfil de gestão educacional no nível dos sistemas estaduais. O aprendizado desse novo perfil de gestão será talvez mais importante do que aquele que as escolas deverão viver para converter suas práticas pedagógicas, porque a autonomia escolar é, ainda, mais visão que realidade. Depende, portanto, do fomento e do apoio das instancias centrais, executivas e normativas.
Tal como estão formuladas, a implementação destas DCNEM, mais do que outras normas nacionais, requer esse fomento e apoio às escolas para estimulá-las, fortalecê-las e qualificá-las a exercer uma autonomia responsável por seu próprio desenvolvimento curricular e pedagógico. Em outras palavras, o paradigma de currículo proposto não resiste ao enrijecimento e à regulamentação que compõem o estilo dominante de gestão até o presente.
Do comportamento das universidades e outras instituições de ensino superior dependerá também, em larga medida, o êxito da concretização destas diretrizes curriculares para o ensino médio, com o qual elas mantêm dois tipos de articulação importantes: como nível educacional que receberá os alunos egressos e como responsável pela formação dos professores.
No primeiro tipo de articulação está colocada toda a problemática do exame de ingresso no ensino superior, que, até o presente, tem sido a referência da organização curricular do ensino médio. A continuidade de estudos é e continuará sendo – com atalhos exigidos pela inserção precoce no mercado de trabalho, ou de modo mais direto – um percurso desejado por muitos jovens que concluem a educação básica. E possível, com diferentes graus de dificuldades, para uma parte deles.
O ensino superior está, assim, convocado a examinar sua missão e seus procedimentos de seleção, na perspectiva de um ensino médio que deverá ser mais unificado quanto às competências dos alunos e mais diversificado quanto aos conhecimentos específicos que darão suporte à constituição dessas competências. E deverão fazê-lo com a ética de quem reconhece o poder que as exigências para ingresso no ensino superior exercem, e continuarão exercendo, sobre a prática curricular e pedagógica das escolas médias.
A preparação de professores, pela qual o ensino superior mantém articulação decisiva com a educação básica, foi insistente e reiteradamente apontada como a maior dificuldade para a implementação destas DCNEM, por todos os participantes, em todos os encontros mantidos durante a preparação deste parecer. Maior mesmo que os condicionantes financeiros. Uma unanimidade de tal ordem possui peso tão expressivo que dispensa maiores comentários ou análises. Um peso que deve ser transferido às instituições de ensino superior, para que o considerem quando, no exercício de sua autonomia, assumirem as responsabilidades com o país e com a educação básica que considerem procedentes.
É preciso lembrar, no entanto, que a deficiência quantitativa e qualitativa de recursos docentes para o ensino fundamental e médio há muito se converteu num problema crônico. Essa deficiência afetará qualquer medida de melhoria ou reforma da educação que o país se proponha adotar. Resolver esse problema, portanto, não é condição para a implementação destas DCNEM. É questão de sobrevivência educacional, cuja dimensão vai muito além dos limites deste parecer, embora se inclua entre os desafios, felizmente não exclusivos, do Conselho Nacional de Educação. Das instituições de ensino superior se espera que sejam parceiras no enfrentamento do desafio e na solução, não apenas na denúncia do problema.
O próximo Plano Nacional de Educação será uma oportunidade para discutir questões como a formação de professores, entre outras a serem equacionadas durante a implementação destas DCNEM. Mas a negociação de metas entre atores políticos para um plano dessa natureza não o torna necessariamente eficaz. Mais importante será a negociação que essas metas terão de fazer com próprias as realidades diversas do país nas quais se incluem os gestores dos sistemas e os agentes educativos que estão em cada escola.
Para finalizar, reconhecendo a limitação de inovações curriculares no nível de sua proposição, mas também convencida do imperativo de orientações propositivas num país diverso socialmente e federativo politicamente, a Câmara de Educação Básica do CNE reitera, a propósito destas DCNEM, aquilo que já afirmou: As medidas legais representam, no entanto, passos preparatórios para as mudanças reais na educação brasileira, em sintonia com as novas demandas de uma economia aberta e de uma sociedade democrática. Estará nas mãos das instituições escolares e respectivas comunidades a construção coletiva e permanente de propostas e práticas pedagógicas inovadoras que possam dar resposta às novas demandas.
II. VOTO DA RELATORA
Em vista do exposto a relatoria propõe que se aprove o Projeto de Resolução em anexo.
Conselheira Guiomar Namo de Mello
III. DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica acompanha o Parecer da Relatora
Sala das Sessões, em 2 de junho de 1998.
(aa) Conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset – Presidente
Conselheiro Francisco Aparecido Cordão – Vice Presidente
[Volta ao início do documento]
RESOLUÇÃO CEB Nº 3, DE 26 DE JUNHO DE 1998(*)
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de conformidade com o disposto no art. 9º § 1º, alínea "c", da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, nos artigos 26, 35 e 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e tendo em vista o Parecer CEB/CNE 15/98, homologado pelo Senhor Ministro da Educação e do Desporto em 25 de junho de 1998, e que a esta se integra,
RESOLVE:
Art. 1º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM, estabelecidas nesta Resolução, se constituem num conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização pedagógica e curricular de cada unidade escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que manda a lei, tendo em vista vincular a educação com o mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propiciando preparação básica para o trabalho.
Art. 2º A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores apresentados na Lei 9.394, a saber:
I - os fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II - os que fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca.
Art. 3º Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de política educacional, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:
I - a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável.
II - a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos deveres e direitos da cidadania, visando à constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano.
III - a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o público e o privado, para constituir identidades sensíveis e igualitárias no testemunho de valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade, da responsabilidade e da reciprocidade como orientadoras de seus atos na vida profissional, social, civil e pessoal.
Art. 4º As propostas pedagógicas das escolas e os currículos constantes dessas propostas incluirão competências básicas, conteúdos e formas de tratamento dos conteúdos, previstas pelas finalidades do ensino médio estabelecidas pela lei:
I - desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar aprendendo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico, de modo a ser capaz de prosseguir os estudos e de adaptar-se com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento;
II - constituição de significados socialmente construídos e reconhecidos como verdadeiros sobre o mundo físico e natural, sobre a realidade social e política;
III - compreensão do significado das ciências, das letras e das artes e do processo de transformação da sociedade e da cultura, em especial as do Brasil, de modo a possuir as competências e habilidades necessárias ao exercício da cidadania e do trabalho;
IV - domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos que presidem a produção moderna de bens, serviços e conhecimentos, tanto em seus produtos como em seus processos, de modo a ser capaz de relacionar a teoria com a prática e o desenvolvimento da flexibilidade para novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
V - competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras e outras linguagens contemporâneas como instrumentos de comunicação e como processos de constituição de conhecimento e de exercício de cidadania.
Art. 5º Para cumprir as finalidades do ensino médio previstas pela lei, as escolas organizarão seus currículos de modo a:
I - ter presente que os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas meios básicos para constituir competências cognitivas ou sociais, priorizando-as sobre as informações;
II - ter presente que as linguagens são indispensáveis para a constituição de conhecimentos e competências;
III - adotar metodologias de ensino diversificadas, que estimulem a reconstrução do conhecimento e mobilizem o raciocínio, a experimentação, a solução de problemas e outras competências cognitivas superiores;
IV - reconhecer que as situações de aprendizagem provocam também sentimentos e requerem trabalhar a afetividade do aluno.
Art. 6º Os princípios pedagógicos da Identidade, Diversidade e Autonomia, da Interdisciplinaridade e da Contextualização, serão adotados como estruturadores dos currículos do ensino médio.
Art. 7º Na observância da Identidade, Diversidade e Autonomia, os sistemas de ensino e as escolas, na busca da melhor adequação possível às necessidades dos alunos e do meio social:
I - desenvolverão, mediante a institucionalização de mecanismos de participação da comunidade, alternativas de organização institucional que possibilitem:
a) identidade própria enquanto instituições de ensino de adolescentes, jovens e adultos, respeitadas as suas condições e necessidades de espaço e tempo de aprendizagem;
b) uso das várias possibilidades pedagógicas de organização, inclusive espaciais e temporais;
c) articulações e parcerias entre instituições públicas e privadas, contemplando a preparação geral para o trabalho, admitida a organização integrada dos anos finais do ensino fundamental com o ensino médio;
II - fomentarão a diversificação de programas ou tipos de estudo disponíveis, estimulando alternativas, a partir de uma base comum, de acordo com as características do alunado e as demandas do meio social, admitidas as opções feitas pelos próprios alunos, sempre que viáveis técnica e financeiramente;
III - instituirão sistemas de avaliação e/ou utilizarão os sistemas de avaliação operados pelo Ministério da Educação e do Desporto, a fim de acompanhar os resultados da diversificação, tendo como referência as competências básicas a serem alcançadas, a legislação do ensino, estas diretrizes e as propostas pedagógicas das escolas;
IV - criarão os mecanismos necessários ao fomento e fortalecimento da capacidade de formular e executar propostas pedagógicas escolares características do exercício da autonomia;
IV - criarão mecanismos que garantam liberdade e responsabilidade das instituições escolares na formulação de sua proposta pedagógica, e evitem que as instâncias centrais dos sistemas de ensino burocratizem e ritualizem o que, no espírito da lei, deve ser expressão de iniciativa das escolas, com protagonismo de todos os elementos diretamente interessados, em especial dos professores;
V - instituirão mecanismos e procedimentos de avaliação de processos e produtos, de divulgação dos resultados e de prestação de contas, visando desenvolver a cultura da responsabilidade pelos resultados e utilizando os resultados para orientar ações de compensação de desigualdades que possam resultar do exercício da autonomia.
Art. 8º Na observância da Interdisciplinaridade as escolas terão presente que:
I - a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos;
II - o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos que são mais facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade, para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de investigação e/ou de ação;
III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade;
IV - a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos alunos, e por esta razão as disciplinas devem ser didaticamente solidárias para atingir esse objetivo, de modo que disciplinas diferentes estimulem competências comuns, e cada disciplina contribua para a constituição de diferentes capacidades, sendo indispensável buscar a complementaridade entre as disciplinas a fim de facilitar aos alunos um desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais completo e integrado;
V - a característica do ensino escolar, tal como indicada no inciso anterior, amplia significativamente a responsabilidade da escola para a constituição de identidades que integram conhecimentos, competências e valores que permitam o exercício pleno da cidadania e a inserção flexível no mundo do trabalho.
Art. 9º Na observância da Contextualização as escolas terão presente que:
I - na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento é transposto da situação em que foi criado, inventado ou produzido, e por causa desta transposição didática deve ser relacionado com a prática ou a experiência do aluno a fim de adquirir significado;
II - a relação entre teoria e prática requer a concretização dos conteúdos curriculares em situações mais próximas e familiares do aluno, nas quais se incluem as do trabalho e do exercício da cidadania;
III - a aplicação de conhecimentos constituídos na escola às situações da vida cotidiana e da experiência espontânea permite seu entendimento, crítica e revisão.
Art. 10 A base nacional comum dos currículos do ensino médio será organizada em áreas de conhecimento, a saber:
I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:
a) Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
b) Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
c) Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
d) Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.
e) Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais.
f) Entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar.
g) Entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes meios de comunicação, linguagens e códigos, bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias.
h) Entender o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.
i) Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
II - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, objetivando a constituição de habilidades e competências que permitam ao educando:
a) Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade.
b) Entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das ciências naturais.
c) Identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários para a produção, análise e interpretação de resultados de processos ou experimentos científicos e tecnológicos.
d) Compreender o caráter aleatório e não determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas, determinação de amostras e cálculo de probabilidades.
e) Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações e interpretações.
f) Analisar qualitativamente dados quantitativos representados gráfica ou algebricamente relacionados a contextos sócio-econômicos, científicos ou cotidianos
g) Apropriar-se dos conhecimentos da física, da química e da biologia e aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo natural, planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade natural.
h) Identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a realidade.
i) Entender a relação entre o desenvolvimento das ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar.
j) Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.
l) Aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
m) Compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas e aplicá-las a situações diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das atividades cotidianas.
III - Ciências Humanas e suas Tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:
a) Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que constituem a identidade própria e dos outros.
b) Compreender a sociedade, sua gênese e transformação e os múltiplos fatores que nelas intervêm, como produtos da ação humana; a si mesmo como agente social; e os processos sociais como orientadores da dinâmica dos diferentes grupos de indivíduos.
c) Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a paisagem, em seus desdobramentos político-sociais, culturais, econômicos e humanos.
d) Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios econômicos.
e) Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais em condutas de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural.
f) Entender os princípios das tecnologias associadas ao conhecimento do indivíduo, da sociedade e da cultura, entre as quais as de planejamento, organização, gestão, trabalho de equipe, e associá-las aos problemas que se propõem resolver.
g) Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências humanas sobre sua vida pessoal, os processos de produção, o desenvolvimento do conhecimento e a vida social.
h) Entender a importância das tecnologias contemporâneas de comunicação e informação para o planejamento, gestão, organização, fortalecimento do trabalho de equipe.
i) Aplicar as tecnologias das ciências humanas e sociais na escola, no trabalho e outros contextos relevantes para sua vida.
§ 1º A base nacional comum dos currículos do ensino médio deverá contemplar as três áreas do conhecimento, com tratamento metodológico que evidencie a interdisciplinaridade e a contextualização.
§ 2º As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para:
a) Educação Física e Arte, como componentes curriculares obrigatórios;
b) Conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Artigo 11 Na base nacional comum e na parte diversificada será observado que:
I - as definições doutrinárias sobre os fundamentos axiológicos e os princípios pedagógicos que integram as DCNEM aplicar-se-ão a ambas;
II - a parte diversificada deverá ser organicamente integrada com a base nacional comum, por contextualização e por complementação, diversificação, enriquecimento, desdobramento, entre outras formas de integração;
III - a base nacional comum deverá compreender, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do tempo mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, estabelecido pela lei como carga horária para o ensino médio;
IV - além da carga mínima de 2.400 horas, as escolas terão, em suas propostas pedagógicas, liberdade de organização curricular, independentemente de distinção entre base nacional comum e parte diversificada;
V - a língua estrangeira moderna, tanto a obrigatória quanto as optativas, serão incluídas no cômputo da carga horária da parte diversificada.
Artigo 12 Não haverá dissociação entre a formação geral e a preparação básica para o trabalho, nem esta última se confundirá com a formação profissional.
§ 1º A preparação básica para o trabalho deverá estar presente tanto na base nacional comum como na parte diversificada.
§ 2º O ensino médio, atendida a formação geral, incluindo a preparação básica para o trabalho, poderá preparar para o exercício de profissões técnicas, por articulação com a educação profissional, mantida a independência entre os cursos.
Artigo 13 Estudos concluídos no ensino médio, tanto da base nacional comum quanto da parte diversificada, poderão ser aproveitados para a obtenção de uma habilitação profissional, em cursos realizados concomitante ou seqüencialmente, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do tempo mínimo legalmente estabelecido como carga horária para o ensino médio.
Parágrafo único. Estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma escola ou em outra escola ou instituição, de forma concomitante ou posterior ao ensino médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 horas (duas mil e quatrocentas) horas mínimas previstas na lei.
Artigo 14 Caberá, respectivamente, aos órgãos normativos e executivos dos sistemas de ensino o estabelecimento de normas complementares e políticas educacionais, considerando as peculiaridades regionais ou locais, observadas as disposições destas diretrizes.
Parágrafo único. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino deverão regulamentar o aproveitamento de estudos realizados e de conhecimentos constituídos tanto na experiência escolar como na extra-escolar.
Artigo 15 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação e revoga as disposições em contrário.

ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
Presidente da Câmara de Educação Básica
____________
(*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 3/98. Diário Oficial, Brasília, 5 ago. 1998. Seção 1, p. 21.
[Volta ao início do documento]
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
PARECER CEB 22/98, aprovado em 17/12/98 (Processo 23001.000196/98-32)
I – RELATÓRIO
Introdução
A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no exercício de suas atribuições definidas pela Lei 9131/95, tem como uma de suas grandes responsabilidades a elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica.
O direito à Educação Básica consagrado pela Constituição Federal de 1988, representa uma demanda essencial das sociedades democráticas e, vem sendo exigido, vigorosamente por todo o país, como garantia inalienável do exercício da cidadania plena.
A conquista da cidadania plena, da qual todos os brasileiros são titulares, supõe, portanto, entre outros aspectos, o acesso à Educação Básica, constituída pela Educação Infantil, Fundamental e Média.
A integração da Educação Infantil no âmbito da Educação Básica, como direito das crianças de 0 a 6 anos e suas famílias, dever do estado e da sociedade civil, é fruto de muitas lutas desenvolvidas especialmente por educadores e alguns segmentos organizados, que ao longo dos anos vêm buscando definir políticas públicas para as crianças mais novas.
No entanto uma política nacional, que se remeta à indispensável integração do estado e da sociedade civil, como co-participantes das famílias no cuidado e educação de seus filhos entre 0 e 6 anos, ainda não está definida no Brasil.
Uma política nacional para a infância é um investimento social que considera as crianças como sujeitos de direitos, cidadãos em processo e alvo preferencial de políticas públicas. A partir desta definição, alem das próprias crianças de 0 a 6 anos e suas famílias, são também alvo de uma política nacional para a infância, os cuidados e a educação pré-natal voltados aos futuros pais.
Só muito recentemente, a legislação vem se referindo a este segmento da educação, e na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Lei 9394/96), o tratamento dedicado à Educação Infantil é bastante sucinto e genérico.
Desta forma, confere-se a estas Diretrizes Curriculares Nacionais para os programas que cuidem de crianças, educando-as de 0 a 6 anos, em esforço conjunto com suas famílias, especial importância, pelo ineditismo de seus propósitos e pela relevância de suas conseqüências para a Educação Infantil no âmbito público e privado.
Ao elaborar estas Diretrizes, a Câmara de Educação Básica, além de acolher as contribuições prestadas pelo Ministério da Educação e Cultura, através de sua Secretaria de Educação Fundamental e respectiva Coordenadoria de Educação Infantil, vem mantendo amplo diálogo com múltiplos segmentos responsáveis por crianças de 0 a 6 anos, na busca de compreensão dos anseios, dilemas, desafios, visões, expectativas, possibilidades e necessidades das crianças, suas famílias e comunidades.
O aprofundamento da análise sobre o papel do estado e da sociedade civil em relação às famílias brasileiras e seus filhos de 0 a 6 anos, tem evidenciado um fenômeno também visível em outras nações, que é o da cisão entre cuidar e educar. E este dilema, leva-nos a discutir "a importância da família versus estado"; "poder centralizado versus descentralizado"; "desenvolvimento infantil versus preparação para a escola"; "controle profissional versus parental sobre os objetivos e conteúdos dos programas".
Desta forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil contemplando o trabalho nas creches para as crianças de 0 a 3 anos e nas chamadas pré-escolas ou centros e classes de educação infantil para as de 4 a 6 anos, além de nortear as propostas curriculares e os projetos pedagógicos, estabelecerão paradigmas para a própria concepção destes programas de cuidado e educação, com qualidade.
A partir desta perspectiva, é muito importante que os Conselhos Municipais e Estaduais de Educação e respectivas Secretarias, tenham clareza a respeito de que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil são mandatórias para todas as instituições de cuidado e educação para as crianças dos 0 aos 6 anos , a partir do momento de sua homologação pelo Sr. Ministro da Educação, e conseqüente publicação no Diário Oficial da União.
A iniciativa do MEC, através da ação da Coordenadoria de Educação Infantil (COEDI), da Secretaria de Educação Fundamental (SEF), de produzir e divulgar Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, é uma importante contribuição para o trabalho dos educadores de crianças dos 0 aos 6 anos, embora não seja mandatória. Esta proposta do MEC vem se integrar aos esforços de várias Secretarias de Estados e Municípios no sentido de qualificar os programas de educação infantil, ficando no entanto, a critério das equipes pedagógicas a decisão de adotá-la na íntegra ou associá-la a outras propostas.
O indispensável, no entanto, é que ao elaborar suas Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil, os educadores se norteiem pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, aquí apresentadas.
CUIDADO E EDUCAÇÃO NO ÂMBITO FAMILIAR E PÚBLICO
A obra já clássica de Philipe Ariès, "A história social da criança e da família" (1981), mostra como o conceito de criança tem evoluído através dos séculos, e oscilado entre polos em que ora a consideram um "bibelot" ou "bichinho de estimação" , ora um "adulto em miniatura", passível de encargos e abusos como os da negligência, do trabalho precoce e da exploração sexual. Esta indefinição, trouxe como conseqüência, através das gerações, grandes injustiças e graves prejuízos em relação às responsabilidades conjuntas do estado, da sociedade civil e da família sobre os cuidados de higiene, saúde, nutrição, segurança, acolhimento, lazer e constituição de conhecimentos e valores indispensáveis ao processo de desenvolvimento e socialização das crianças de 0 aos 6 anos.
A situação apresenta-se mais grave ainda em dois grupos específicos: os das crianças portadoras de necessidades especiais de aprendizagem, como as deficientes visuais, auditivas, motoras, psicológicas e aquelas originárias de famílias de baixa renda, que no Brasil representam a maioria da população.
Para o primeiro grupo, que de maneira dramática, é o que mais necessita de cuidado e educação nesta etapa inicial da vida, há inclusive, enorme carência de dados para que se façam diagnósticos precisos a respeito de demanda por programas qualificados de Educação Infantil.
Campos, et allii ( 1992) na obra "Creches e Pré-Escolas no Brasil", informam que,..."documento do Banco Mundial (World Bank, 1988,p.16) revela que as crianças menores que 5 anos de idade, que constituem 13% da população, recebem apenas 7% do total de benefícios sociais distribuídos. Como as famílias na faixa de renda mais baixa (renda per capita mensal menor que ¼ do salário mínimo), são aquelas com maior número de crianças (representando 19% da população e recebendo apenas 6% do total dos benefícios sociais), o documento identifica as crianças de baixa renda como um dos grupos mais discriminados dentre os destinatários das políticas sociais no país." (Campos, 1992,p.11-12)
Esta discriminação histórica explica, em boa medida, o tipo de políticas públicas voltadas para a infância que, desde o século XIX, abarcaram as iniciativas voltadas para a educação, saúde , higiene e nutrição no âmbito da assistência. Sem se constituir como uma prática emancipatória, a educação assistencialista caracterizou-se como uma proposta educacional para os pobres vinculada aos órgãos assistenciais.
A partir da década de 60, há uma crescente demanda por instituições de educação infantil associada a fatores como o aumento da presença feminina no mercado de trabalho e o reconhecimento da importância dos primeiros anos de vida em relação ao desenvolvimento cognitivo/linguístico, sócio/emocional e psico/motor, através da discussão de teorias originárias especialmente dos campos da Psicologia, Antropologia, Psico e Sócio-Linguísticas. Com isto, os órgãos educacionais passam a se ocupar mais das políticas públicas e das propostas para a educação da infância, seja no caso das crianças de famílias de renda média e mais alta, seja naquele das crianças pobres. No entanto, muitas vezes ainda se observa uma visão assistencialista, como no caso da "educação compensatória"de supostas carências culturais.
No entanto, os programas de Educação Infantil reduziram-se a currículos, limitando-se as experiências de ensino para crianças pequenas , ao domínio exclusivo da educação. Desta forma ainda não se observa o necessário e desejável equilíbrio entre as áreas das Políticas Sociais voltadas para a infância e a família, como as da Saúde, Serviço Social, Cultura, Habitação, Lazer e Esportes articuladas pela Educação. Equipes lideradas por educadores, contando com médicos, terapeutas, assistentes sociais, psicólogos e nutricionistas, para citar alguns dos profissionais, que devem contribuir no trabalho das creches ou centros de Educação Infantil, ainda são raros no país, já nos dias de hoje.
Assim, no Brasil, creche, ou seja, instituição que se ocupa de crianças de 0 a 3 anos, conotada em larga medida, e errôneamente, como instituição para crianças pobres, tem sido em conseqüência, muitas vezes, uma instituição que oferece uma educação "pobre para os pobres". A presença, nestas instituições de adultos sem qualificação apropriada para o trabalho de cuidado e educação, a ausência de propostas pedagógicas, e alto grau de improvisação e descompromisso com os direitos e necessidades das crianças e suas famílias, exigem atenção e ação responsáveis por parte de secretarias e conselhos de educação, especialmente os municipais. Tudo isto deve ser feito nos marcos do regime de colaboração, conforme define a Constituição Federal de 1988.
As chamadas pré-escolas, mais freqüentadas pelo segmento de crianças de famílias de renda média e largo contigente das famílias de mais alta renda, trazem também uma contradição: a de não conseguir qualificar, com precisão, a importância do trabalho com cuidado e educação a ser realizado com as crianças de 4 a 6 anos, contribuindo, por isto, para diminuir sua relevância no âmbito das políticas públicas.
Embora a Lei 9394/96 assim se refira a este segmento da Educação Infantil, o conceito de pré-escola, acaba por ser entendido como "fora da escola" ou do "sistema regular de ensino", portanto, em termos de políticas públicas, um "luxo" ou "supérfluo".
O art. 2º, II da LDB/96, ao destacar a prioridade para o Ensino Fundamental , como responsabilidade dos municípios, embora cite a Educação Infantil, não o faz com a mesma ênfase, o que ocasiona problemas de interpretação sobre atribuição de recursos, junto aos prefeitos e secretários de educação.
Os artigos 10 e 11 da LDB representaram um esforço para disciplinar as responsabilidades de Estados e Municípios com a provisão de Educação Básica. O Ensino Fundamental, atribuído a ambos é prioridade municipal.
À esfera estadual cabe prioridade pelo Ensino Médio, embora ainda em muitos casos aquele ainda compartilhe com os municípios a responsabilidade pelo Ensino Fundamental.
Com isto, a Educação Infantil, enquanto atribuição dos municípios, não se definiu como prioridade de nenhuma esfera governamental.
Para dar operacionalidade ao disposto pela LDB quanto ao ensino obrigatório foi necessário criar o FUNDEF, que deverá ordenar a atribuição de recursos e a divisão de tarefas entre os dois entes federativos para prover o Ensino Fundamental.
Será preciso, daqui em diante, enfrentar o problema da responsabilidade prioritária dos municípios pela Educação Infantil, dentro evidentemente, dos princípios maiores da colaboração federativa constitucional, de acôrdo com o Art.30, incisoVI da Constituição Federal.
Para isto a própria operação continuada do FUNDEF, seu acompanhamento e aperfeiçoamento contínuos, poderão contribuir. Em primeiro lugar tornando mais claro a quanto montam os 10% de recursos que ficarão disponíveis aos municípios, uma vez satisfeita a sub-vinculação das receitas municipais. Isto permitirá, em cada realidade municipal, considerar estes montantes à luz da prioridade de provisão de cuidados e educação para as crianças de 0 a 6 anos.
A importância da Educação Infantil implica a efetivação do Artigo 30, inciso VI da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Consolidação das Leis do Trabalho e a presença de outros recursos advindos da sociedade.
Assim, o atendimento educacional das crianças de 0 a 6 anos de idade, garantido pelo artigo 208, inciso IV da Constituição Federal, que estabelece, ainda, no art. 211 a oferta da Educação Infantil como uma das prioridades dos Municípios, dispõe que estes devem atuar prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil. Isto significa, claramente, que ao lado do Ensino Fundamental figura a Educação Infantil, em grau de igualdade, como prioridade de atuação na esfera municipal.
Por sua vez, a LDB, no art.11, inciso V, embora disponha que a oferta da Educação Infantil seja incumbência dos Municípios, fixa como prioridade explícita para esta esfera administrativa o Ensino Fundamental, por este ser obrigatório, conforme a Constituição Federal, art.212 e 213. Isto não significa, entretanto, que estaria em segundo plano a prioridade constitucional relativa à Educação Infantil. Na verdade, a LDB enfatiza o Ensino Fundamental como prioridade em relação ao Ensino Médio e Superior.
Como a Emenda Constitucional no. 14/96 que criou o FUNDEF, subvinculou 15% do total de impostos e transferências à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, restam pelo menos 10% ou o que resultou da ampliação de recursos vinculados pelas leis orgânicas municipais (art. 69 da Lei 9394/96), para a atuação dos municípios na Educação Infantil ou Ensino Fundamental, uma vez que o já citado artigo 11, inciso V da LDB dispõe que, aos Municípios só é permitida atuação em outros níveis, quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência, ou seja, o Ensino Fundamental e a Educação Infantil.
Uma intensa mobilização nacional terá que acompanhar a identificação dos recursos municipais, que necessitam contar com o decisivo apoio da imprensa, da mídia eletrônica, especialmente rádio e televisão e do marketing social. Em primeiro lugar para criar um consenso com dirigentes municipais e a sociedade sobre a prioridade para a Educação Infantil. Em segundo lugar para identificar e operacionalizar fontes adicionais de financiamento, públicas e privadas que, nos marcos do regime federativo, e considerando a responsabilidade da sociedade com a Educação Infantil, apoiem prefeituras, conselhos municipais, conselhos da criança e do adolescente, conselhos tutelares, "ongs"e outras instituições na provisão deste direito, primeira etapa da Educação Básica, à qual todos os cidadãos, inclusive as crianças mais novas e suas famílias, devem ter acesso.
Além do problema orçamentário, a dificultar as políticas públicas para a Educação Infantil, há ainda o descaso e o despreparo dos Cursos de Formação de Professores em nível médio, dos chamados Cursos Normais, bem como os de Pedagogia em nível Superior, na definição da qualificação específica de profissionais para o trabalho com as crianças de 0 a 6 anos.
As dramáticas transformações familiares ocasionando mudanças de papéis para pais e mães, a acentuada ausência dos pais no âmbito familiar, a crescente entrada das mães no campo de trabalho fora de casa, a forte influência da mídia, especialmente da televisão, a urbanização crescente das populações e a transformação de vínculos parentais e de vizinhança, criam novos contextos para a constituição da identidade das crianças, que raramente são analisados em profundidade e com competência nos citados cursos. A pesquisa, o estudo e a análise do impacto de todos aqueles aspectos sobre as crianças de 0 a 6 anos, e as conseqüências sobre seus modos de ser e relacionar-se, certamente influenciarão as propostas pedagógicas e os processos de formação e atualização dos educadores.
Além disso, os conhecimentos integrados a partir dos campos da psicologia, antropologia, psico e sócio linguística, história, filosofia, sociologia, comunicação, ética, política e estética são muito superficialmente trabalhados nos cursos Normais e de Pedagogia, o que ocasiona uma visão artificial sobre as formas de trabalho com as crianças. Daí surgem as tendências que atribuem às didáticas e metodologias de ensino um lugar todo poderoso, como panacéia para o "ensino de qualidade", derivado de teorias quase milagrosas na consecução de resultados educacionais.
O conhecimento sobre áreas específicas das ciências humanas, sociais e exatas acopladas às tecnologias, cede lugar para o "como fazer" das didáticas e metodologias de ensino, que reduzem e deixam de lado o "por que" , "para que", "para onde e quando", do cuidado e da educação com a criança pequena.
Aqui é bom lembrar do que diz o escritor Paulo Leminsky: " Nesta vida pode-se aprender três coisas de uma criança: estar sempre alegre, nunca ficar inativo e chorar com força por tudo que se quer."
Crianças pequenas são seres humanos portadores de todas as melhores potencialidades da espécie:
*inteligentes, curiosas, animadas, brincalhonas em busca de relacionamentos gratificantes, pois descobertas, entendimento, afeto, amor, brincadeira, bom humor e segurança trazem bem estar e felicidade;
*tagarelas, desvendando todos os sentidos e significados das múltiplas linguagens de comunicação, por onde a vida se explica;
* inquietas, pois tudo deve ser descoberto e compreendido, num mundo que é sempre novo a cada manhã;
* encantadas , fascinadas, solidárias e cooperativas desde que o contexto a seu redor, e principalmente, nós adultos/educadores, saibamos responder, provocar e apoiar o encantamento, a fascinação, que levam ao conhecimento, à generosidade e à participação.
Por isto, ao planejar propostas curriculares dentro dos projetos pedagógicos para a Educação Infantil, é muito importante assegurar que não haja uma antecipação de rotinas e procedimentos comuns às classes de Educação Fundamental, a partir da 1ª série, mas que não seriam aceitáveis para as crianças mais novas.
No entanto, é responsabilidade dos educadores dos centros de Educação Infantil, situados em escolas ou não, em tempo integral ou não, propiciar uma transição adequada do contexto familiar ao escolar, nesta etapa da vida das crianças, uma vez que a Educação Fundamental naturalmente sucederá a Educação Infantil, aconteça esta em classes escolares ou não, e em período contínuo ou não.
Além disso, quando há professores qualificados, horário, calendário para as instituições educacionais, férias e proposta pedagógica que atendam a estes objetivos, é ilógico defender que se trabalha numa "pré-escola", pois o que de fato acontece, é o trabalho em instituições que respeitam e operam competentemente programas de Educação Infantil, capazes de não antecipar uma formalização artificial e indesejável do processo de cuidado e educação com a criança de 4 a 6 anos, mas intencionalmente voltados para cuidado e educação, em complemento ao trabalho da família.
Os programas a serem desenvolvidos em centros de Educação Infantil, ao respeitarem o caráter lúdico, prazeroso das atividades e o amplo atendimento às necessidades de ações planejadas, ora espontâneas, ora dirigidas, ainda assim devem expressar uma intencionalidade e, portanto, uma responsabilidade correspondente, que deve ser avaliada, supervisionada e apoiada pelas Secretarias e Conselhos de Educação, especialmente os Municipais, para verificar sua legitimidade e qualidade.
Desta forma estado, sociedade civil e famílias passam a descobrir múltiplas estratégias de atender, acolher, estimular, apoiar e educar suas crianças, cuidando delas.
Ao analisar as razões do estado, da sociedade civil e das famílias, quando propiciam Educação Infantil, pode-se cair facilmente em argumentos sociológicos a respeito das transformações e necessidades das famílias, e em particular de pais e mães que trabalham e têm uma carreira ou planos profissionais, exigindo tempo longe dos filhos entregues a creches ou classes escolares.
Pode-se pensar em argumentos econômicos de diminuição de custos escolares, ao se constatar que os índices de repetência e evasão diminuem, quando os alunos da Educação Fundamental são egressos de boas experiências em Educação Infantil.
Mas há que se pensar na própria natureza dos afetos, sentimentos e capacidades cognitivo/linguísticas, sócio/emocionais e psico/motoras das crianças, que exigem políticas públicas para si e suas famílias, propiciando-lhes a igualdade de oportunidades de cuidado e educação de qualidade.
Pesquisas sobre crianças pequenas em várias áreas das ciências humanas e sociais apontam para as impressionantes mudanças que ocorrem nos primeiros cinco a seis anos de vida dos seres humanos, que incapazes de falar, locomover-se e organizar-se, ao relacionar-se com o mundo a seu redor, de maneira construtiva, receptiva, positiva, passam a mover-se, comunicar-se através de várias linguagens, criando, transformando e afetando suas próprias circunstâncias de interação com pessoas, eventos e lugares.
As próprias crianças pequenas apontam ao estado, à sociedade civil e às famílias a importância de um investimento integrado entre as áreas de educação, saúde, serviço social, cultura, habitação, lazer e esportes no sentido de atendimento a suas necessidades e potencialidades, enquanto seres humanos.
Este é pois o grande desafio que se coloca para a Educação Infantil: que ela constitua um espaço e um tempo em que, de 0 a 3 anos haja uma articulação de políticas sociais, que lideradas pela educação, integrem desenvolvimento com vida individual , social e cultural, num ambiente onde as formas de expressão, dentre elas a linguagem verbal e corporal ocupem lugar privilegiado, num contexto de jogos e brincadeiras, onde famílias e as equipes das creches convivam intensa e construtivamente, cuidando e educando.
E que, para as dos 4 aos 6 anos, haja uma progressiva e prazerosa articulação das atividades de comunicação e ludicidade, com o ambiente escolarizado, no qual desenvolvimento, socialização e constituição de identidades singulares, afirmativas, protagonistas das próprias ações, possam relacionar-se, gradualmente, com ambientes distintos dos da família, na transição para a Educação Fundamental.
Decisões sobre a adoção de tempo parcial ou integral no cuidado e educação das crianças de 0 a 6 anos, requerem por parte das instituições flexibilidade nos arranjos de horário de maneira a atender, tanto às necessidades das crianças, quanto às de suas famílias.
A parceria entre profissionais, instituições e famílias é o que propiciará cuidado e educação de qualidade, e em sintonia com as expectativas dos que buscam estas instituições.
A LEI 9394/96 E A EDUCAÇÃO INFANTIL
Além da LDBEN/96, a própria Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, consagram as crianças de 0 a 6 anos como "sujeitos de direitos".
O Art.1º da LDB define que : "A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana,....", e seu Art. 2º afirma que: "A educação dever da família e do estado"..., pressupondo sempre a correlação entre os esforços de ambos, a família e o estado.
De acôrdo com o Censo Escolar do MEC, a matrícula na Educação Infantil e nas Classes de Alfabetização em 1996, foi de 5.714.313 crianças, sendo que 1.317.980 tinham 7 anos ou mais, correspondendo a 23% da matrícula.
Em 1998 a matrícula foi de 4.917.619 crianças, verificando-se, pois, um decréscimo de 796.684 crianças, ou seja, de 14%.
Também em 1998, o número de crianças com 7 anos ou mais foi de 786.179 crianças, correspondendo a 16% do total da matrícula nas classes de Educação Infantil e de Alfabetização.
Na verdade, as estatísticas existentes sobre Educação Infantil são mais camufladoras do que indicadoras, pois incluem um significativo contingente de crianças que, pela sua idade e por direito, deveriam estar matriculadas no Ensino Fundamental. Por outro lado, não registram creches não cadastradas pelo Censo do MEC.
Assim o decréscimo da matrícula pode ter sido apenas uma transferência para o Ensino Fundamental de crianças indevidamente matriculadas em Classes de Alfabetização ou mesmo de Educação Infantil.
Em relação à Educação Infantil, é, no entanto, muito importante considerar, como alguns analistas o fazem, que à insuficiência de oportunidades em instituições públicas, as famílias inúmeras vezes têm uma percepção equivocada de seu papel com as crianças, bem como com relação ao das creches e instituições para as crianças de 4 aos 6 anos. Isto, sem contar com a ausência de apoios eficazes para exercer suas responsabilidades de cuidado e educação, junto com o estado e com a própria sociedade civil, através das responsabilidades das empresas, associações de classe e organizações não governamentais, para citar algumas.
Mas a própria Lei 9394/96 em seu Art.4º,IV, vem garantir o dever do Estado com educação escolar pública, efetivada, mediante a garantia de atendimento gratuito em "creches e pré-escolas às crianças de 0 a 6". E em seu Art.12, VI e VII preconiza que os estabelecimentos de ensino devem articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola.
A Lei propõe caminhos de interação intensa e continuada entre as intituições de Educação Infantil e as famílias, o que abre perspectivas a serem exploradas pelos sistemas educacionais de maneira criativa e solidária, em regime de colaboração.
Quanto menores as crianças, mais as famílias necessitam de apoios integrados das áreas de políticas sociais integradas, principalmente as de saúde e desenvolvimento social, articuladas pela educação, e aqui nos referimos a todas as famílias e suas crianças, visando uma política nacional que priorize seus direitos a cuidados e educação.
Esta política nacional deve incluir toda a etapa de cuidados e educação pré-natal aos futuros pais.
Será muito lenta e parcial a conquista por uma política nacional, caso a imprensa, a mídia eletrônica, principalmente rádio , televisão e a Internet, e os profissionais de marketing social estejam ausentes deste processo.
Em conseqüência a política nacional para crianças de 0 a 6 anos e suas famílias se fará com o apoio e a participação de todos os segmentos da sociedade, especialmente o dos profissionais da comunicação e da informação, dos Conselhos Municipais, Tutelares, dos Juízes da Vara da Infância e das Associações de Pais, entre outros.
Ao analisar a questão das propostas pedagógicas, a Lei atribui grande importância ao papel dos educadores em sua concepção, desenvolvimento, avaliação e interpretação com as famílias, como se depreende dos Arts. 13,I, II, VI; 14, I, II.
Aqui é indispensável enfatizar a importância da formação prévia e da atualização em serviço dos educadores. Os Cursos de formação de docentes para a Educação Infantil nos níveis médio e superior devem adaptar-se, com a maior urgência às exigências de qualificação dos educadores para as crianças de 0 a 6 anos, considerando as transformações familiares e sociais, as características sempre mais acentuadas da sociedade de comunicação e informação, e suas conseqüências sobre as crianças, mesmo as de mais baixa renda .
A integração da Educação Infantil aos sistemas de ensino é esclarecida nos Arts. 17, § único; 18, I e II, inclusive, no que se refere à rede privada. A respeito da integração da Educação Infantil aos sistemas é muito importante verificar o que dizem as Disposições Transitórias em seu Art. 89, a respeito dos prazos para que as instituições para as crianças de 0 a 6 anos, existentes ou que venham a ser criadas, sejam integradas a seus respectivos sistemas. Isto deverá, portanto acontecer até 20/12/1999. Pelo estabelecido no Art. 90 ficam também definidos como foros de resolução de dúvidas os respectivos Conselhos Municipais, Estaduais e, em última instância o Conselho Nacional de Educação.
A organização da Educação Infantil deve também atender ao explicitado, inicialmente nos Arts. 29, 30 e 31, mas também no 23. É muito importante considerar em consonância com estes o exposto no Art. 58, que aborda a oferta de Educação Especial na Educação Infantil.
Um aspecto novo da organização tanto da Educação Infantil, quanto do Ensino Fundamental, e que exigirá medidas orçamentárias, administrativas e pedagógicas é o exposto nas Disposições Transitórias, art. 87,§ 3º, I que faculta a matrícula das crianças de 6 anos na 1ª série do Ensino Fundamental.
Em breve o CNE apresentará Parecer específico a respeito, porém é possível adiantar que, sob o ponto de vista psico/linguístico, sócio/emocional , psico/motor e educacional, esta medida é desejável, pois vem ao encontro das verdadeiras capacidades das crianças e das tendências mundiais em educação.
Isto valorizará ainda mais a Educação Infantil e sua pertinência como momento e lugar de transição entre a vida familiar e a Escola, encerrando a era das "Classes de Alfabetização", desnecessárias e desaconselháveis, uma vez que se considere que o processo de interpretação e produção de textos, de compreensão de quantidades e operações de cálculo, assim como de situar-se em relação aos meios sociais e naturais, relacionando-se com eles, não acontece nem se cristaliza em apenas um ano letivo. A sistematização que se busca nas "Classes de Alfabetização" artificializa um processo de ensino que só acontece ao longo dos anos, desejavelmente durante a Educação Infantil e início do Ensino Fundamental.
Registre-se, inclusive, que as crianças de 7 anos não devem ser matriculadas em instituições ou classes de Educação Infantil, mas obrigatoriamente no Ensino Fundamental (LDB/96, Arts.6º e 87).
Menção especial deve ser feita em relação aos educadores para a Educação Infantil, segundo o prescrito nos arts. 62; 63, I, II; 64 e 67 e nas Disposições Transitórias, art. 87, § 1º, § 3º, III e IV; e § 4º.
Fica claro, que durante este período de transição os Cursos Normais de nível médio, de acordo com o art. 62, seguirão contribuindo para a formação de professores, bem como deverão ser feitos todos os esforços entre estados e municípios para que os professores leigos tenham oportunidades de se qualificarem devidamente, como previsto pelos artigos citados.
Aqui se exigem medidas práticas e imediatas entre as universidades e centros de ensino superior, que em regime de colaboração com os sistemas públicos e privados de instituições para as crianças de 0 a 6 anos, podem e devem contribuir através de formas criativas e solidárias, com o grande esforço nacional, para potencializar e qualificar os profissionais de Educação Infantil no Brasil.
O bom senso e a vontade política devem prevalecer em benefício das crianças brasileiras de 0 a 6 anos e suas famílias, para que no afã do aperfeiçoamento não se percam as grandes conquistas já obtidas, principalmente junto às populações de mais baixa renda e renda média.
II - DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
" Pois eu hei de inventar coisa muito melhor que o mel humano, que o rádio, que tudo! – gritou Emília. Todos ficaram atentos à espera da asneirinha.
- Vou inventar a máquina de fazer invenções. Bota-se a idéia dentro, vira-se a manivela e pronto – tem-se a invenção que se quer".
Monteiro Lobato "A História das Invenções".
1 – Educar e cuidar de crianças de 0 a 6 anos supõe definir previamente para que sociedade isto será feito, e como se desenvolverão as práticas pedagógicas, para que as crianças e suas famílias sejam incluídas em uma vida de cidadania plena.
Para que isto aconteça, é importante que as Propostas Pedagógicas de Educação Infantil tenham qualidade e definam-se a respeito dos seguintes fundamentos norteadores:
Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;
Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade, da Qualidade e da Diversidade de manifestações Artísticas e Culturais.
As crianças pequenas e suas famílias devem encontrar nos centros de educação infantil, um ambiente físico e humano, através de estruturas e funcionamento adequados, que propiciem experiências e situações planejadas intencionalmente, de modo a democratizar o acesso de todos, aos bens culturais e educacionais, que proporcionam uma qualidade de vida mais justa, equânime e feliz. As situações planejadas intencionalmente devem prever momentos de atividades espontâneas e outras dirigidas, com objetivos claros, que aconteçam num ambiente iluminado pelos princípios éticos, políticos e estéticos das propostas pedagógicas.
Ao iniciar sua trajetória na vida, nossas crianças têm direito à Saúde, ao Amor, à Aceitação , Segurança, à Estimulação, ao Apoio, à Confiança de sentir-se parte de uma família e de um ambiente de cuidados e educação. E embora as radicais mudanças nas estruturas familiares estejam trazendo maiores desafios para as instituições de Educação Infantil, que também se apresentam com grande diversidade de propósitos, é indispensável que os Conselhos e as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação criem condições de interação construtiva com aquelas, para que os Princípios acima sejam respeitados e acatados.
Nesta perspectiva fica evidente que o que se propõe é a negociação constante entre as autoridades constituídas, os educadores e as famílias das crianças no sentido de preservação de seus direitos, numa sociedade que todos desejamos democrática, justa e mais feliz.
2 – Ao definir suas Propostas Pedagógicas, as Instituições de Educação Infantil deverão explicitar o reconhecimento da importância da identidade pessoal de alunos, suas famílias, professores e outros profissionais e a identidade de cada unidade educacional no contexto de suas organizações.
As crianças pequenas e suas famílias, mais do que em qualquer outra etapa da vida humana, estão definindo identidades influenciadas pelas questões de gênero masculino e feminino, etnia, idade, nível de desenvolvimento físico , psico/linguístico, sócio/emocional e psico/motor e situações sócio-econômicas, que são cruciais para a inserção numa vida de cidadania plena.
No momento em que pais e filhos, com o apoio das instituições de educação infantil, vivem nestes primeiros tempos, a busca de formas de ser e relacionar-se e espaços próprios de manifestação, é indispensável que haja diálogo, acolhimento, respeito e negociação sobre a identidade de cada um, nestes ambientes coletivos.
As múltiplas trocas envolvem também os educadores, outros profissionais e os próprios sistemas aos quais se relacionam as instituições de Educação Infantil.
Neste sentido é indispensável enfatizar a necessidade do trabalho integrado entre as áreas de Políticas Sociais para a Infância e a Família, como a Saúde, o Serviço Social, o Trabalho, a Cultura, Habitação, Lazer e Esporte, que em alguns estados e municípios brasileiros assumem formas diferenciadas de atendimento.
Além disso, a variedade das próprias instituições de Educação Infantil, entre elas, creches familiares, atendimento a crianças hospitalizadas por longos períodos, ou com necessidades especiais de aprendizagem, por exemplo, podem criar desafios em relação ao cuidado e à educação.
No entanto, o que aqui se propõe, é que dentre os critérios para Licenciamento e Funcionamento de Instituições de Educação Infantil, haja nas Propostas Pedagógicas dos estabelecimentos, menção explícita que acate as identidades de crianças e sua famílias em suas diversas manifestações, sem exclusões devidas a gênero masculino ou feminino, às múltiplas etnias presentes na sociedade brasileira, a distintas situações familiares, religiosas, econômicas e culturais e a peculiaridades no desenvolvimento em relação a necessidades especiais de educação e cuidados, como é o caso de deficientes de qualquer natureza.
A representatividade de identidades variadas entre os educadores e outros profissionais que trabalhem nas instituições de educação infantil, também deve estar enfatizada. Isto porque a riqueza que equipes formadas por homens e mulheres, de diferentes etnias e ambientes sócio/econômicos, pode proporcionar a um grande número de crianças pequenas é muito grande, especialmente quando elas só convivem com a mãe, ou o pai, ou irmãos, ou outros responsáveis. Além disto nesta diversidade de representações de gênero, etnia e situações sócio/econômicas vão aprendendo a conviver construtivamente com a riqueza das diferenças entre os seres humanos.
Outro aspecto relevante sobre identidade é o das próprias instituições, algumas delas centenárias, guardando a história das conquistas educacionais deste país e constituindo-se em verdadeiro patrimônio cultural a ser valorizado por todos.
3 – As Propostas Pedagógicas para as instituições de Educação Infantil devem promover em suas práticas de educação e cuidados, a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/lingüisticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser total, completo e indivisível.
Desta forma ser, sentir, brincar, expressar-se, relacionar-se, mover-se, organizar-se, cuidar-se, agir e responsabilizar-se são partes do todo de cada indivíduo, menino ou menina, que desde bebês vão, gradual e articuladamente, aperfeiçoando estes processos nos contatos consigo próprios, com as pessoas, coisas e o ambiente em geral.
Este é um dos aspectos mais polêmicos dos programas de Educação Infantil, uma vez que o que se observa, em geral, são duas tendências principais em seus propósitos:
ênfase nos aspectos do desenvolvimento da criança, reduzindo suas oportunidades e experiências ao processo de "socialização" e especialização de aptidões em "hábitos e habilidades psicomotoras", principalmente;
ênfase numa visão de treinamento, mais "escolarizada" de preparação para uma suposta e equivocada "prontidão para alfabetização e o cálculo", em especial.
Aqui há um campo fértil e amplo de trabalho a ser realizado por um conjunto de profissionais e instituições: os cursos de formação de professores, as universidades e centros de pesquisa intensificando suas investigações, cursos e estágios, de preferência em parceria com as Secretarias Municipais e Estaduais, apoiadas pelos respectivos Conselhos de Educação; e as próprias Secretarias desenvolvendo seus programas de atualização de recursos humanos, com vista à Educação Infantil.
Como se abordou anteriormente, estes esforços devem estar articulados com os de outros profissionais como os médicos, enfermeiras, terapeutas, agentes de saúde, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, arquitetos e todos que atendam às crianças e suas famílias em centros de educação infantil.
Desta forma, gradualmente, será possível atingir um consenso a respeito da educação e cuidados para infância, entre 0 e 6 anos. Este consenso precisa contemplar o exposto nesta Diretriz 3, para garantir que as Propostas Pedagógicas atendam, integralmente à criança em todos os seus aspectos.
4 – Ao reconhecer as crianças como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprias, com os demais e o meio ambiente de maneira articulada e gradual, as Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem buscar a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, como conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores.
Desta maneira, os conhecimentos sobre espaço, tempo, comunicação, expressão, a natureza e as pessoas devem estar articulados com os cuidados e a educação para a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente, a cultura, as linguagens, o trabalho, o lazer, a ciência e a tecnologia.
Um dos grandes equívocos em relação à Educação Infantil em nosso país é o de que seu alvo prioritário são as crianças de famílias de baixa renda, e conseqüentemente a natureza de suas propostas deve ser "compensatória" de supostas carências culturais.
Sem polemizar a respeito de reais necessidades de saúde, nutrição e ambiente familiar favorável às crianças de 0 a 6 anos, o que se defende aqui, é existência de Propostas Pedagógicas que dêem conta da complexidade dos contextos em que as crianças vivem na sociedade brasileira, que como várias outras do Planeta, passa por vertiginosas transformações econômicas e sociais.
Por isso o que aqui se apresenta é a possibilidade concreta de que as instituições de Educação Infantil articulem suas Propostas de maneira intencional, com qualidade, visando o êxito de seu trabalho, para que todas as crianças e sua famílias tenham oportunidade de acesso a conhecimentos valores e modos de vida verdadeiramente cidadãos. No entanto, um grande alerta, aqui se coloca: tudo isto deve acontecer num contexto em que cuidados e educação se realizem de modo prazeroso, lúdico, onde as brincadeiras espontâneas, o uso de materiais, os jogos, as danças e cantos, as comidas e roupas, as múltiplas formas de comunicação, expressão, criação e movimento, o exercício de tarefas rotineiras do cotidiano e as experiências dirigidas que exigem o conhecimento dos limites e alcances das ações das crianças e dos adultos estejam contemplados.
Embora, crianças de 0 a 6 anos comuniquem-se, de maneiras distintas, expressando suas emoções, sentimentos, afetos, curiosidades e desejo de compreender e aprender, gradualmente, todas estas capacidades estão presentes desde o início de suas vidas, e manifestam-se, espontaneamente ou através da interação entre elas próprias e com os adultos. O papel dos educadores atentos, organizando, criando ambientes e situações contribui decisivamente para que os bebês e as crianças um pouco maiores, exercitem sua inteligência, seus afetos e sentimentos, constituindo conhecimentos e valores, vivendo e convivendo ativa e construtivamente.
Todos os que conhecemos e trabalhamos ou convivemos com crianças de 0 a 6 anos sabemos de seu imenso potencial, inesgotável curiosidade e desejo de aprender, ser aceitos, estimados e "incluídos", participar, ter seus esforços reconhecidos, ser respeitados como os irmãos mais velhos e os adultos.
Educação Infantil não é portanto um "luxo" ou um "favor", é um direito a ser melhor reconhecido pela dignidade e capacidade de todas as crianças brasileiras, que merecem de seus educadores um atendimento que as introduza a conhecimentos e valores, indispensáveis a uma vida plena e feliz.
Vários educadores brasileiros, entre os quais nos incluímos, temos procurado elaborar currículos e programas para a Educação Infantil, buscando as conexões entre a vida destas crianças e suas famílias, as situações da vida brasileira e planetária e o ambiente das instituições que freqüentam.
Algumas destas propostas curriculares enfatizam a importância de, reconhecendo a intencionalidade de suas ações pedagógicas com qualidade, resguardar nos ambientes das instituições de educação infantil, aspectos da vida, organizando os espaços para atividades movimentadas, semi-movimentadas e tranqüilas, como de modo geral lhes acontece fora daqueles ambientes. Contudo, para muitas crianças, as creches ou escolas são os locais onde passam o maior número de horas de seu dia, e por isso, as estratégias pedagógicas utilizadas devem atender àqueles aspectos abordados na Diretriz 3, evitando a monotonia, o exagero de atividades "acadêmicas" ou de disciplinamento estéril.
As múltiplas formas de diálogo e interação são o eixo de todo o trabalho pedagógico, que deve primar pelo envolvimento e interesse genuíno dos educadores, em todas as situações, provocando, brincando, rindo, apoiando, acolhendo, estabelecendo limites com energia e sensibilidade, consolando, observando, estimulando e desafiando a curiosidade e a criatividade, através de exercícios de sensibilidade, reconhecendo e alegrando-se com as conquistas individuais e coletivas das crianças, sobretudo as que promovam a autonomia, a responsabilidade e a solidariedade.
A participação dos educadores é participação, e não condução absoluta de todas as atividades e centralização das mesmas em sua pessoa.
Por isso, desde a organização do espaço, móveis, acesso a brinquedos e materiais, aos locais como banheiros, cantinas e pátios até à divisão do tempo e do calendário anual de atividades, passando pelas relações e ações conjuntas com as famílias e responsáveis, o papel dos educadores deve legitimar os compromissos assumidos através das Propostas Pedagógicas. Cuidado deve ser tomado em relação à quantidade de crianças por educadores, atendendo às distintas faixas etárias.

5– As Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de avaliação, através do acompanhamento e registros de etapas alcançadas nos cuidados e educação para crianças de 0 a 6 anos, "sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental". (LDBEN, art. 31).
Esta medida é fundamental para qualificar as Propostas Pedagógicas e explicitar seus propósitos com as crianças dos 0 aos 3 anos e dos 4 aos 6.
É evidente que os objetivos serão diferentes para os distintos níveis de desenvolvimento, e de situações específicas, considerando-se o estado de saúde, nutrição e higiene dos meninos e meninas.
No entanto, é através da avaliação, entendida como instrumento de diagnóstico e tomada de decisões, que os educadores poderão, em grande medida, verificar a qualidade de seu trabalho e das relações com as famílias das crianças.
A grande maioria dos pais aprende junto com os filhos e seus educadores, independente de nível de escolaridade ou de situação sócio-econômica; por isso a avaliação sobre os resultados de cuidados e educação para as crianças de 0 aos 6 anos é parte integrante das Propostas Pedagógicas e conseqüência de decisões tomadas pelas instituições de Educação Infantil.
É claro que nesta perspectiva, a avaliação jamais deverá ser utilizada de maneira punitiva contra as crianças, não se admitindo a reprovação ou os chamados "vestibulinhos", para o acesso ao Ensino Fundamental . A responsabilidade dos educadores ao avaliar as crianças, a si próprios e a proposta pedagógica, permitirá constante aperfeiçoamento das estratégias educacionais e maior apoio e colaboração com o trabalho das famílias.
6. As Propostas Pedagógicas das creches para as crianças de 0 a 3 anosde classes e centros de educação infantil para as de 4 a 6 anos devem ser concebidas, desenvolvidas, supervisionadas e avaliadas por educadores, com pelo menos o diploma de curso de Formação de Professores, mesmo que da Equipe Educacional participem outros profissionais das áreas de Ciências Humanas, Sociais e Exatas, assim como familiares das crianças. Da direção das instituições de Educação Infantil deve participar, necessariamente um educador, também com, no mínimo, Curso de Formação de Professores.
Quaisquer que sejam as instituições que se dedicam à Educação Infantil com suas respectivas Propostas Pedagógicas, é indispensável que as mesmas venham acompanhadas por planejamentos, estratégias e formas de avaliação dos processos de aperfeiçoamento dos educadores, desde os que ainda não tenham formação específica, até os que já estão habilitados para o trabalho com as crianças de 0 a 6 anos.
As estratégias de atendimento individualizado às crianças devem prevalecer. Por isto a definição da quantidade de crianças por adulto é muito importante, entendendo-se que no caso de bebês de 0 a 2 anos, a cada educador devem corresponder no máximo de 6 a 8 crianças. As turmas de crianças de 3 anos devem limitar-se a 15 por adulto, e as de 4 a 6 anos de 20 crianças.
O trabalho dos Conselhos deve ser o de diagnosticar situações, criar condições de melhoria e supervisionar a qualidade da ação dos que educam e cuidam das crianças em instituições de Educação Infantil.
Da mesma forma, atenção especial deve ser atribuída às maneiras pelas quais as instituições se propõem ao trabalho com as famílias, seja no desenvolvimento normal de atividades derivadas das Propostas Pedagógicas, seja no diálogo, apoio, orientação, intervenção e supervisão em situações de risco e conflito para as crianças.
Cabe às instituições de Educação Infantil, além de cuidar e educar com qualidade e êxito, advogar sempre pela causa das crianças de 0 a 6 anos e suas famílias.
7– As Instituições de Educação Infantil, devem, através de suas propostas pedagógicas e de seus regimentos, em clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias educacionais, do espaço físico, do horário e do calendário, que possibilitem a adoção, a execução, a avaliação e o aperfeiçoamento das demais diretrizes. ( LDBEN arts 12 e 14).
Para que todas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil sejam realizadas com êxito, são indispensáveis o espírito de equipe e as condições básicas para planejar os usos de espaço e tempo escolar.
Assim, desde as ênfases sobre múltiplas formas de comunicação e linguagem, até as manifestações lúdicas e artísticas das crianças, passando pelas relações com as famílias, seus bairros ou comunidades, a cidade, o país, a nação e outros países serão objeto de um planejamento e de uma avaliação constante das Creches, Escolas e Centros de Educação Infantil. Por isso esforços e equipamentos adequados, a organização de horários de atividades devem refletir propostas pedagógicas de qualidade sobre as quais as Secretarias e Conselhos devem opinar, licenciando, supervisionando, avaliando e apoiando o aperfeiçoamento das ações de cuidados e educação.
III – VOTO DA RELATORA
À luz das considerações anteriores, a Relatora vota no sentido de que este conjunto de Diretrizes Curriculares Nacionais norteiem os rumos da Educação Brasileira, garantindo direitos e deveres básicos de cidadania, conquistados através da Educação Infantil e consagrados naquilo que é primordial e essencial: que as crianças de 0 a 6 anos sejam cuidadas e educadas pelos esforços comuns de suas famílias, da sociedade civil e do estado, o que lhes propiciará a possibilidade de inclusão numa vida de participação e transformação nacional, dentro de um contexto de justiça social, equilíbrio e felicidade.
Brasília, 17 de dezembro de 1998.
(a) Conselheira Regina Alcântara de Assis – Relatora
IV – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica acompanha o Voto da Relatora.
Sala das Sessões, 17 dezembro de 1998.
(aa) Conselheiros: Ulysses de Oliveira Panisset – Presidente
Francisco Aparecido Cordão – Vice- Presidente
[Volta ao início do documento]
RESOLUÇÃO CEB Nº 1, DE 7 DE ABRIL DE 1999(*)
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de conformidade com o disposto no art. 9º § 1º, alínea "c", da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CEB/CNE 22/98, homologado pelo Senhor Ministro da Educação e do Desporto em 22 de março de 1999,
RESOLVE:
Art. 1º - A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a serem observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil integrantes dos diversos sistemas de ensino.
Art. 2º - Diretrizes Curriculares Nacionais constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos e Procedimentos da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as Instituições de Educação Infantil dos Sistemas Brasileiros de Ensino, na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.
Art. 3º - São as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil:
I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:
Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;
Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.
II – As Instituições de Educação Infantil ao definir suas Propostas Pedagógicas deverão explicitar o reconhecimento da importância da identidade pessoal de alunos, suas famílias, professores e outros profissionais, e a identidade de cada Unidade Educacional, nos vários contextos em que se situem.
III – As Instituições de Educação Infantil devem promover em suas Propostas Pedagógicas, práticas de educação e cuidados, que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/lingüísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível.
IV – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crianças como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprios, com os demais e o próprio ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades intencionais, em momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim com o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores.
V – As Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de avaliação, através do acompanhamento e dos registros de etapas alcançadas nos cuidados e na educação para crianças de 0 a 6 anos, "sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental".
VI – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem ser criadas, coordenadas, supervisionadas e avaliadas por educadores, com, pelo menos, o diploma de Curso de Formação de Professores, mesmo que da equipe de Profissionais participem outros das áreas de Ciências Humanas, Sociais e Exatas, assim como familiares das crianças. Da direção das instituições de Educação Infantil deve participar, necessariamente, um educador com, no mínimo, o Curso de Formação de Professores.
VII - O ambiente de gestão democrática por parte dos educadores, a partir de liderança responsável e de qualidade, deve garantir direitos básicos de crianças e suas famílias à educação e cuidados, num contexto de atenção multidisciplinar com profissionais necessários para o atendimento.
VIII – As Propostas Pedagógicas e os regimentos das Instituições de Educação Infantil devem, em clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias educacionais, do uso do espaço físico, do horário e do calendário escolar, que possibilitem a adoção, execução, avaliação e o aperfeiçoamento das diretrizes.
Art. 4º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.
ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
Presidente da Câmara de Educação Básica
____________
(*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 1/99. Diário Oficial, Brasília, 13 abr. 1999. Seção 1, p. 18.
[Volta ao início do documento]
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professores na Modalidade Normal em Nível Médio
PARECER CEB 1/99, aprovado em 29/1/99 (Processo nº: 23001.000037/99-18)
I – RELATÓRIO
Este Parecer dirige-se, especialmente, aos professores que, inspirados nos ideais de solidariedade, liberdade e justiça social, pretendem exercer a docência na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, tendo como perspectiva a educação escolar, direito de todos e dimensão inalienável da cidadania plena, na sociedade contemporânea.
É por essa convicção que os estudos e as reflexões sobre a formação de docentes, encontram no pensamento do Professor Paulo Freire pontos que são fundamentais para a organização e o desenvolvimento das propostas pedagógicas das escolas.
(...) O espaço de que disponho não me permite ir além de algumas rápidas considerações em torno de um ou dois pontos que me parecem fundamentais em nossa prática. Pontos, de resto, ligados entre si, um implicando no outro.
O primeiro deles é o da necessidade que temos, educadoras e educadores, de viver, na prática, o reconhecimento óbvio de que nem um de nós está só no mundo. Cada um de nós é um ser no mundo, com o mundo e com os outros. Viver ou encarnar esta constatação evidente, enquanto educadora ou educador, significa reconhecer nos outros – os educandos no nosso caso – o direito de dizer a sua palavra. Direito deles de falar que corresponde ao nosso dever de escutá-los.
Mas, como escutar implica em falar também, o dever que temos de escutá-los significa o direito que igualmente temos de falar-lhes. Escutá-los, no fundo, é falar com eles, enquanto simplesmente falar a eles seria uma forma de não ouvi-los. Dizer-lhes sempre a nossa palavra, sem jamais nos oferecermos às palavras deles, arrogantemente convencidos de que estamos aqui para salvá-los, é um boa maneira que temos de afirmar o nosso elitismo, sempre autoritário.
Esta não pode ser, porém, a maneira de atuar de uma educadora ou de um educador cuja opção é libertadora. Quem assim trabalha, consciente ou inconscientemente, ajuda a preservação das estruturas dominadoras.
O outro ponto, ligado a este, e a que eu gostaria de me referir é o da necessidade que temos os educadores e educadoras de "assumir" a ingenuidade dos educandos para poder, com eles, superá-la. Estando num lado da rua ninguém estará, em seguida, no outro, a não ser atravessando a rua. Se estou do lado de cá, não posso chegar ao lado de lá, partindo de lá, mas de cá. (...)
Sejamos coerentes. Já é tempo. Fraternalmente,
Paulo Freire
São Paulo, abril de 1982.
I N T R O D U Ç Ã O
A Lei 9131, de 20 de dezembro de 1996, que instituiu o atual Conselho Nacional de Educação, consignou, entre as competências da Câmara de Educação Básica – CEB, deliberar sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN. Nessa atribuição, a CEB identifica uma efetiva possibilidade de suas ações contribuírem para consolidar o processo que busca um padrão de qualidade para a educação básica no país. No encaminhamento dessa missão, a Câmara iniciou estudos e solicitou, através de audiências públicas, a valiosa colaboração de instituições e entidades com tradição no planejamento, na execução e na avaliação de políticas educacionais, bem como no desenvolvimento de pesquisas no campo educacional.
Até o momento, o processo de estudos e consultas resultou na elaboração dos Pareceres, nos 22/98, 04/98 e 15/98 que tratam das diretrizes norteadoras da educação infantil e do ensino fundamental e médio.
Ao serem aprovadas e homologadas, essas diretrizes adquiriram, segundo a legislação vigente, a condição de mandatórias. Essa condição, entretanto, não interrompeu as interlocuções que se instalaram, desde as origens da sua elaboração; prosseguem as discussões e negociações, tendo em vista traduzir as citadas diretrizes em efetivas possibilidades de articulação das diversas propostas pedagógicas das escolas.
Sabe-se, neste caso, que o exercício das responsabilidades dos entes federativos com a universalização da educação de qualidade, nos termos do que estabelecem as DCN, pressupõem, simultaneamente, um efetivo regime de colaboração e o controle público das políticas educacionais em curso no país.
Com essa perspectiva, o presente parecer, ao propor diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores na modalidade Normal, em nível médio, retoma os princípios das DCN até então aprovadas e observa as contribuições contidas nos referenciais para formação de professores sugeridos pela Secretaria de Ensino Fundamental do MEC, as orientações da proposta de Curso Normal Superior a distância, formuladas pela Fundação Darcy Ribeiro e as discussões que subsidiaram o programa de formação de professores em exercício, coordenado pela Secretaria do Ensino a Distância do MEC. Também, como não poderia deixar de ser, este parecer foi enriquecido pelo instigante e atual debate sobre a formação do educador. Cabe ainda destacar as relevantes contribuições oferecidas pelos Conselheiros da CEB, durante o processo de construção dessa proposta, em especial as dos Conselheiros Regina Alcântara de Assis e João Antônio Cabral de Monlevade e da ex-Conselheira Hermengarda Ludke.
PROFISSIONALIZAÇÃO DO EDUCADOR: IDENTIDADE E FORMAÇÃO
O reconhecimento da centralidade da educação escolar no contexto das transformações que perpassam todas as dimensões da nação brasileira tem subsidiado um fecundo debate sobre os diversos fatores que influenciam na democratização das políticas de Estado para o setor. O Brasil, em que pese ter assegurado o acesso de 95% das crianças e dos jovens, dos 7 aos 14 anos, ao ensino obrigatório, ainda convive com milhões de analfabetos, jovens e adultos. Além disso, suas escolas registram significativos índices de evasão e repetência.
Assim, enquanto a humanidade já produziu tecnologias de ponta que aproximam o local, o nacional e o internacional e se lança para o cosmo, o país ainda não conseguiu cumprir a meta de universalização do ensino fundamental de qualidade, reduzindo com isso as possibilidades de inserção de amplos segmentos da sociedade no espaço integrado e mundial do conhecimento e das informações. Acrescente-se, ainda, que a agenda de mudanças para o setor educacional nem sempre contempla compromissos com a modificação da feição excludente dos sistemas de ensino. É o caso, por exemplo, das reformas que se processam no bojo dos programas de ajuste estrutural. Esses, por sua vez, implicam enormes custos sociais e dão especial destaque ao capital financeiro, repondo com mais força a necessidade de se preservar direitos sociais já conquistados.
Por outro lado, com o avanço do processo democrático, as demandas da população no campo educacional têm um objetivo claro. Traduzem anseios por melhoria da qualidade de vida e exercício da cidadania plena, no âmbito da criação ininterrupta de novos direitos e subversão contínua do estabelecido. Nesse aspecto, verifica-se que o reconhecimento da importância do papel do professor nas mudanças educacionais pretendidas tem estimulado a formulação de proposições inovadoras para os sistemas de formação de docentes, com visibilidade na legislação educacional e nos meios de comunicação.
Em sintonia com essas expectativas, a Lei 9394/96 toma a escola como foco de suas preocupações (art. 12), conferindo, quando comparada às demais, um especial destaque às incumbências dos professores (art.13). Ao mesmo tempo que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os estabelecimentos de ensino (art. 9, 10, 11), os educadores são convocados, em articulação com as famílias e a comunidade, a assumirem um compromisso ético com os alunos e as suas diferentes histórias de vida, no contexto do atendimento escolar sob a ótica do direito. A redescoberta do valor da escola, do professor e da participação da sociedade, nos termos da citada lei, retira o processo de escolarização do isolamento social e da responsabilidade individual, insistindo na dimensão coletiva do trabalho pedagógico e no caráter democrático de seus propósitos, de sua execução e avaliação.
Neste sentido, o processo de escolarização vai adquirindo um novo significado social e cultural, claramente expresso nos princípios e fins da educação nacional, que estão inscritos nos termos da citada lei, manifestando a vontade da nação.
Trata-se de estimular formas de pensamentos e ações que conectem as instituições educacionais com as organizações da sociedade civil, possibilitando interrogar sobre as relações do cotidiano escolar, as escolhas de conteúdos, programas e atividades à luz do jogo de interesses e respectivos valores que moldam a educação e a sociedade.
No art. 1º do Título I da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) é explicitada a concepção de educação que orienta os dispositivos do conjunto do texto. De caráter abrangente, contempla os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Por sua vez, o segundo parágrafo do mesmo artigo consagra a dimensão socialmente contextualizada da educação escolar, estabelecendo que deverá vincular-se ao mundo do trabalho e da prática social. Há, portanto, o propósito social e a referência a uma práxis. Pressupõe, simultaneamente, saber, decidir e atuar. Desvenda, a partir de uma visão global e integrada do processo educacional, a falácia da oposição entre saber e fazer, conhecer e aplicar. Fica definido, a partir desse Título, que a docência supõe a competência para remeter o conhecimento à prática e ao conjunto das situações que enfrenta o profissional da educação no cotidiano escolar.
No Título II, o propósito social que referenda a educação, a partir do seu vínculo com o trabalho e a prática social, é ampliado. No caso, além de estabelecer as responsabilidades da Família e do Estado com a educação, declara sua inspiração nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Com isto, possibilita a busca de espelhos e imagens para o desenvolvimento de um projeto de educação escolar que inclua a diversidade e elimine a discriminação em todos os níveis de ensino.
Por certo, essa perspectiva aponta para ambientes de aprendizagens colaborativas e interativas. Quer se considere os integrantes de uma mesma escola, quer se eleja atores de projetos pedagógicos de diferentes instituições, sistemas de ensino e lugares. Abre-se, assim, um horizonte interinstitucional de colaboração que é decisivo para a formação dos professores.
Neste particular, delineia-se um significado social para o uso de novas tecnologias e múltiplas linguagens, tendo em vista um trabalho conjunto e solidário, com benefícios para comunidades locais, regionais, nacionais e intercontinentais. Numa cultura que cresce em redes de conhecimento e em relações de escala global, numa mídia em que verdades e mentiras se encontram justapostas, o discernimento de conhecimentos e valores não prescinde do mestre, um mestre distinto, afeito também a uma nova cultura, a fim de desfazer equívocos e ressaltar informações pertinentes.
Na verdade, a LDBEN dá especial destaque ao papel do professor, tornando público (art.13,III), que a sua função social é zelar, no contexto do dever do Estado pela educação escolar, pelo exercício do direito de aprender de cada aluno. Ao fazê-lo, a lei interpela o profissional da educação, enquanto um intelectual que tem poder, face às várias possibilidades de escolha, de firmar compromissos com os interesses mais gerais do conjunto do país. Assim, como a CEB já manifestou no Parecer 04/98, a nação brasileira, através de suas instituições, e no âmbito de seus entes federativos, vem assumindo, vigorosamente, responsabilidades crescentes para que a Educação Básica, demanda primeira das sociedades democráticas, seja prioridade nacional como garantia inalienável do exercício da cidadania plena.
De fato, no estabelecimento desses compromissos encontra-se o valor intrínseco da atividade docente e a principal contribuição para tecer a sua legitimidade, aproximando a dignidade da profissão dos ideais da democracia.
Como se vê, a LDBEN está distante da visão instrumental que confinava os professores ao papel de meros executores. Estabelece, para os mesmos, entre outras atribuições, a sua participação na elaboração da proposta pedagógica (art. 13, I) e garante-lhes tempo remunerado para preparação e avaliação do trabalho pedagógico (art. 67, V), no contexto de progressivos graus de autonomia da escola (art. 15). Nesse sentido, deve-se orientar a tarefa de repensar a formação docente, considerada em toda a sua complexidade. A referida tarefa tem influenciado o estado do debate a respeito do que se denominou "crise de identidade" dos professores. Nas últimas décadas, essa crise, provocada principalmente pela associação de fatores como baixos salários e multiplicação de jornadas de trabalho, reduziu a atividade docente à simples execução de atos fragmentados de "ensinar" ou "dar matéria". No caso, a formação desse profissional ficou reduzida à transmissão de conteúdos e procedimentos indispensáveis ao como fazer e o que fazer, estabelecidos nos limites da abordagem tecnocrática. Em decorrência, retirou-se do foco dos debates e estudos sobre a educação escolar as questões da natureza e do propósito da escolarização, da conexão entre escola e sociedade, da relação entre poder e ensino, da escola como organização social e da natureza do conhecimento escolar, entre tantas, esvaziando o domínio do educador sobre as suas condições de trabalho. Tal entendimento, no entanto, teve que enfrentar os protestos da sociedade democrática, que reconhece a relevância da formação desses profissionais que desempenham tão importantes papéis, notadamente no encaminhamento de políticas que estimulem a autonomia e valorizem a diversidade, num contexto de responsabilidade e liberdade.
Aqui, deve-se ressalvar a contribuição das análises que circunscrevem o reconhecimento social do magistério no campo das relações entre educação e cultura. Nunca é demais ressaltar a interação intrínseca entre ambas, dinâmica essa reconhecida no art. 1o da LDBEN. O mundo da cultura é o mundo das possibilidades, de um equilíbrio que nunca se completa, um território de riscos e ousadias, onde se conflitam o que é tido como autorizado socialmente e a insuficiência do estatuto da tradição, para legitimar sua incorporação na proposta pedagógica das unidades educacionais. Na verdade, "não se confere igual valor a todos os elementos constitutivos da cultura."
Nesse cenário, o exercício da docência pressupõe uma arrojada tarefa, que não pode prescindir de estratégias interpretativas, na análise da pertinência social e dos desdobramentos das escolhas que são processadas. Assim, passa a ser configurada, no mínimo, uma dupla exigência, a partir da competência que tem o profissional da educação inspirada nos ideais da educação nacional.
Em primeiro lugar, contribuir, no exercício da atividade docente, para a produção de conhecimentos que favoreçam as leituras e as mudanças da realidade e, também, influenciar no processo de seleção do que representa "a experiência coletiva e a cultura viva de uma comunidade." Em função disso, o educador compartilha das decisões a respeito de quais saberes e materiais culturais deverão ser socializados, tendo em vista o exercício pleno da cidadania. Dessa forma, o professor assume sua condição de intelectual face à possibilidade de integrar-se no fecundo debate a respeito dos valores, das concepções e dos modos de convivência que deverão ser priorizados, através do currículo.
Em segundo lugar, e como desdobramento, entende-se que o direito de aprender, assegurado inclusive pela garantia das condições do direito de ensinar, pressupõe por parte do docente a reelaboração da ciência do sábio, da obra do escritor ou do artista e, ainda, do pensamento teórico e da paixão geradora do sonho que se queira socializar, em situações específicas e nem sempre previsíveis. Direito de aprender, de futuros professores, que não respondem apenas a estímulos de seus formadores, mas exercitam a liberdade de crescer no conhecimento, aprofundar as críticas, resolver os problemas, cultivar os desafios da prática; mas, também, o dever de se preparar para a interlocução e para responder às mais avançadas e desafiantes perguntas que seus alunos vão lhes propor. Alunos não idealizados, mas reais, antecipados na trama dos ambientes de aprendizagem que se constituem durante seu processo de formação.
Trata-se, no caso da educação escolar, de fazer face a uma situação singular e complexa, construindo respostas que trazem, sem a exacerbação do passado, as tonalidades do que já é conhecido e, sem o otimismo ingênuo, a radicalidade da utopia. Há sempre algo de inesperado que é próprio de uma sociedade instituinte, onde a vivência da subjetividade ultrapassa a abordagem exclusivamente científica de um projeto educacional. Assim, diversos e surpreendentes cantos podem propagar o eco da vida cidadã, abrindo-se também para a multiplicidade e desigualdade de contextos e desafios que fluem a partir das relações de gênero, etnia, trabalho, entre outras.
Neste processo, o educador compreende que os conhecimentos não podem ser simplesmente transferidos. Ensinar e aprender é sempre um ato único e criativo. Exige um esforço de construção através de uma atividade que é simultaneamente teórica e prática, individual e coletiva.
Aliás, refletir sobre a prática reorientando a ação docente constitui, segundo o art. 61 da LDBEN, um dos fundamentos da formação dos profissionais da educação. Nesse sentido, o ensino é uma atividade complexa que supõe uma reflexão sistemática sobre a prática, requerendo, para tanto, a constituição de conhecimentos, valores e competências estimuladoras de uma ação autônoma e, ao mesmo tempo, colaborativa em face da responsabilidade coletiva, com os procedimentos que deverão assegurar o direito dos alunos aprenderem.
Assim, no cumprimento do que estabelece o texto legal, o professor conduz sua própria formação, pensando a prática e tomando decisões sobre ambientes de aprendizagem que concretizam o projeto pedagógico elaborado pelo conjunto da escola. Ao se tornar sujeito da formação, torna-se também sujeito de sua própria valorização, no âmbito do que está posto no art. 67 da LDBEN.
Em vista disso, sua preparação é permanente e dá concretude, na utopia do saudoso Gonzaguinha, à beleza de ser um eterno aprendiz. Só assim, torna-se fator determinante da dinâmica educativa, aliado inconteste das reformas que se apresentam como alternativas de qualificação do processo educativo e, ainda, como declaram os teóricos da educação emancipatória, o intelectual que une, no contexto da sala de aula, a análise crítica com a possibilidade de mudança. Dessa forma, circunscreve o exercício da docência na inteligência maior a respeito dos problemas e das soluções encontradas coletivamente pela sociedade, assumindo de forma solidária sua condição de profissional.
Nesta direção, os legisladores consideram que a gestão democrática é uma das principais âncoras do processo de seleção e reelaboração que se instala na organização dos ambientes de aprendizagem escolar. Para tanto, retomam, no texto da LDBEN, através do que estabelecem os arts. 14 e 15, o que está disposto no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal (CF), consagrando o princípio da gestão participativa e o controle público da qualidade da educação:
Art. 1o
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

CURSO NORMAL NA TRAJETÓRIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
A complexa relação entre a formação dos professores e a qualidade da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (anos iniciais), vem sendo analisada, predominantemente, sob a ótica da ‘universitarização’ da formação inicial. É uma abordagem que, pelo seu caráter específico, tem estimulado o debate e o surgimento de inovações a respeito dos processos educacionais.
Do ponto de vista das organizações de educadores e das entidades que desenvolvem estudos e pesquisas sobre a formação docente, o tema vem sendo rigorosamente tratado no contexto de uma política global que contempla, simultaneamente, formação inicial e continuada, condições de trabalho, salário e carreira. Com isso, formulam severas críticas às análises que privilegiam aspectos particulares de uma problemática cuja solução pressupõe políticas de natureza global. Vale ressaltar, no entanto, que ao abordarem explicitamente a formação inicial pleiteiam seja a mesma desenvolvida em níveis mais elevados, tendo em vista a complexidade que consideram inerente à tarefa de ensinar.
No Brasil, em que pese o debate sobre a profissionalização do magistério apontar para esse patamar de escolarização mais elevado, a LDBEN, em seu art. 62, sem desconhecer a tendência mundial de formação docente em nível superior, admite a preparação do professor da educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tanto em nível médio, quanto em nível superior:
Art. 62 – A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em universidades e institutos superiores de educação admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Tal flexibilidade é compatível com o esforço dos legisladores no sentido de contemplar a diversidade e a desigualdade de oportunidades que perpassam a realidade educacional no país. Sem criar impedimentos formais para a oferta dessa modalidade de atendimento educacional, de fato, a lei desafia os sistemas a repensá-la sob novas bases. A rigor, seu reconhecimento expressa um movimento em busca da recuperação da sua identidade, na medida em que é a única modalidade de educação profissional em nível médio que a lei reconhece e identifica. As políticas educacionais haverão de respeitar essa peculiaridade e envidar esforços para dar conseqüência à valorização do magistério em todas as suas dimensões.
Os indicadores dessas mudanças podem ser identificados no conjunto da LDBEN. Atente-se para os dispositivos a respeito das incumbências dos docentes (art. 13), as disposições gerais que orientam a educação básica e também as determinações para a educação infantil e o ensino fundamental (Seções II e III do Título V, Capítulo II). Considere-se, ainda, o estabelecido no art. 61 sobre os fundamentos da formação e, no art. 67, sobre as condições pertinentes à profissionalização dos docentes.
Por sua vez, a Resolução nº 03 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que fixa Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração do Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, retoma o que está determinado no art. 62 da LDBEN, nos seguintes termos:
Art. 4º - O exercício da docência na carreira do magistério exige, como qualificação mínima:
I – ensino médio completo, na modalidade Normal, para a docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.
Aproxima-se dessa linha o pronunciamento do Plano Nacional de Educação. Encaminhado ao Congresso pela União, reafirma a contribuição do curso de Magistério, propõe novas finalidades frente às demandas presentes na sociedade e alerta para os limites do seu atual formato.
Quanto à habilitação para o magistério em nível de 2º grau, a Lei n.º 5692/71 descaracterizou o antigo Curso Normal, introduzindo o mesmo divórcio entre formação geral e específica que já ocorria nas licenciaturas. Deve-se observar ainda que, apesar da ênfase atribuída pela Lei de Diretrizes e Bases à formação em nível superior, não se pode descurar da formação em nível médio, que será, por muito tempo, necessária em muitas regiões do País. Além disso, a formação em nível médio pode cumprir três funções essenciais: a primeira é o recrutamento para as licenciaturas, a segunda, a preparação de pessoal auxiliar para creches e pré-escolas, e a última, servir como centro de formação continuada.
Ainda que parcial, o reconhecimento do curso atribui significativa importância a essa modalidade de formação e recomenda mudanças em seu atual modelo de organização. Opondo-se aos efeitos da Lei 5692/71 que, tornou obrigatória a profissionalização ao nível do 2o grau e transformou a formação de professores em "Habilitação para o Magistério", desprovida das condições necessárias ao atendimento de suas reais finalidades, o PNE sugere rever a estrutura fragmentada dos cursos, recomendando como princípio orientador de formação, a articulação teoria e prática.
No âmbito do PNE, elaborado por diversos setores da sociedade brasileira, ao qual foi apensa, no Congresso, a proposta da União, mantém-se a desejabilidade da formação inicial em cursos de licenciatura, sem desconhecer a formação admitida por lei. No caso específico dos professores, a formação mínima exigida por lei é a modalidade Normal do ensino médio, para o trabalho pedagógico na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. A formação desejável, e que será exigida a curto para médio prazo, para todos os níveis e modalidades, far-se-á na educação superior, em cursos de licenciatura plena.
Ao tratar da questão em pauta, a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED) insiste em que a qualidade da formação docente e a valorização da carreira devem ser consideradas de forma integrada pelas políticas públicas. Ao mesmo tempo estabelece que essa formação superior deve ocorrer nas universidades, pois é aí que se têm no Brasil grande parte da pesquisa e da experiência acumulada sobre o ensino.
Não tem sido diferente o entendimento da Associação Nacional pela Formação dos Professores (ANFOPE) a respeito do tema. Em audiência pública do Conselho Nacional de Educação (13/01/98 – PUC/Rio) sobre a formação dos profissionais da educação, foi divulgado documento da entidade que reafirmava a importância da universidade nesse processo e reconhecia a tendência mundial de elevar a níveis cada vez mais superiores, a formação inicial dos quadros do magistério.
Em certo sentido, identificam-se, no bojo de tais análises, abordagens que se diferenciam quanto ao reconhecimento, no momento, do papel histórico do curso Normal. Convergem, por sua vez, quanto ao entendimento de que a formação inicial está situada no trajeto do desenvolvimento profissional permanente tendo, em função disso, que manter vinculações efetivas com o processo de formação continuada. Também revelam-se estreitamente afinadas com a preocupação de favorecer um processo de transição que deverá ocorrer, no arco da diversidade que se configura no país, sem impedir a expansão da educação infantil e a universalização do ensino fundamental.
Isto não prejudica, obviamente, o reconhecimento que os atuais dispositivos legais conferem ao atendimento educacional através dessa modalidade de educação profissional. Contudo, é preciso lembrar que diversos setores do poder público e da sociedade em geral, ao acolherem essa determinação, identificam nos citados dispositivos uma alternativa essencialmente provisória. Ademais, a nova LDBEN também incorpora a tendência mundial de formação do professor, em nível superior, independente da etapa de sua atuação na educação básica.
Dessa forma, considera, sobretudo, que desde as origens do curso Normal o debate sobre a qualidade da educação nunca se afastou do entendimento que propugna por graus mais elevados de preparação dos profissionais que vão exercer a docência. Por certo, este era o fundamento dos cursos de especialização que ao lado dos dois ciclos do ensino Normal, eram previstos no Decreto-Lei nº 8530/46 que instituiu a Lei Orgânica dessa modalidade de ensino. Verifique-se que o acesso a tais cursos, definido no art. 22, estava vinculado ao exercício prévio da docência, situando-se na perspectiva da formação continuada.
Em função disso, o que vai sendo observado ao longo da legislação subseqüente é, cada vez mais, a perspectiva de preparação do professor em níveis mais elevados. Em nome de uma formação mais sólida para o magistério, os cursos normais de 4 e 5 anos, primeiro ciclo, para regentes do ensino primário, bem como os estudos adicionais, foram extintos. Posteriormente, a supressão das licenciaturas curtas traduziram, no ordenamento jurídico, uma compreensão condizente com as novas competências requeridas do professor, numa sociedade perpassada por vertiginosas mudanças e crescente complexidade.
Mais recentemente, o curso Normal, em nível médio, foi inserido numa trajetória cujo horizonte é traduzido, na sua forma mais atual, através dos arts. 62, 63, I e 87, IV da LDBEN. Estes, preconizam sua abertura para o curso Normal superior e para as licenciaturas, sem conferir, no entanto, amparo legal às iniciativas de curso Normal que possam vir a ser definidas fora do que está determinado nos níveis aqui especificados. Isto ocorre na lei sem descaracterizar sua identidade. É um curso próprio para a formação de professores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, que tem estrutura e estatuto jurídico específicos. Não é um ensino técnico adaptado. Sua identidade, em face do que estabelecem os dispositivos legais, é claramente definida pela contextualização da sua proposta pedagógica, no âmbito das escolas campo de estudo e das experiências educativas às quais os futuros professores têm acesso, seja diretamente, seja através dos recursos tecnológicos disponíveis. Em função dessa concepção, a formação de professores oferecida nessa modalidade requer um ambiente institucional próprio, com organização adequada à sua proposta pedagógica. No caso, os professores formadores deverão, ao longo do curso, orientar sua conduta a partir dos princípios a serem seguidos pelos futuros professores. Exige, também, o nível de estudo do ensino médio, voltado para a educação, nos termos propostos pela LDBEN, nos arts. 21 e 22, enquanto direito de todos e dimensão inalienável da cidadania, na sociedade contemporânea.
Aliás, a importância da educação básica foi enfatizada de forma clara, na Emenda Constitucional 14/96, cujo texto declara o compromisso nacional com a progressiva universalização do ensino médio gratuito, etapa conclusiva do primeiro nível da educação no país. Assim, suas finalidades estão postas na perspectiva da educação enquanto direito, numa sociedade que estabelece, do ponto de vista formal, a possibilidade de universalização da Educação Básica de qualidade, instaurando, sem dúvida, o campo histórico da luta para sua tradução ao nível das condições concretas.
Sob essa ótica, o Parecer 04-98 da Câmara da Educação Básica do CNE (CEB-CNE) contextualizou as diretrizes curriculares para o ensino fundamental no âmbito da educação básica e, ao fazê-lo, associou a conquista da cidadania plena, fruto dos direitos e deveres reconhecidos na Carta Magna, à garantia desse patamar educacional.
Posteriormente, através das diretrizes curriculares para o ensino médio, Parecer 15/98, a Câmara reafirmou essa perspectiva, atribuindo a esta etapa da educação básica, a prerrogativa de direito de todo o cidadão. Ainda, com base na legislação vigente, definiu que a sua natureza de formação básica e comum para todo os cidadãos, mesmo incluindo a preparação básica para o trabalho, não pode ser ajustada ou aligeirada face a outros objetivos, mas deve estabelecer permanentemente a relação teoria e prática.
Sem dicotomizar, o citado parecer estabeleceu a diferença entre os estudos de formação básica e os de natureza estritamente profissionalizante. Aos primeiros, reservou, para assegurar o que está disposto nos arts. 35 e 36 da Lei 9394/96, 2.400 horas de trabalho pedagógico, distribuídos no período de três anos letivos com, no mínimo, 200 dias para cada um. Também estabeleceu que não há impedimentos, salvo a exigência de um limite máximo de 25% da carga horária mínima deste nível de ensino (estabelecidas no Decreto 2208/97), para aproveitamento de tais estudos em cursos profissionais. O inverso não tem suporte legal.
Assim, é apropriado dizer que a formação geral inerente ao ensino médio circunscreve-se no horizonte da cidadania de cada um e de todos. E, neste sentido, é componente do curso Normal médio que subassume essa etapa da educação básica com função habilitadora.
Com isto, o curso Normal, forma docentes para atuar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, tendo como perspectiva o atendimento a crianças, jovens e adultos, acrescendo-se às especificidades de cada um desses grupos, as exigências que são próprias das comunidades indígenas e dos portadores de necessidades especiais de aprendizagem. Assim, além de assegurar titulação específica que habilita, o curso tem também a validade do ensino médio brasileiro, para eventual prosseguimento de estudos.
Na verdade, a legislação instaura um campo de tensão entre o instituinte e o instituído. Ao acenar com a formação inicial, no horizonte da "universitarização", a perspectiva confronta-se com as dificuldades de uma realidade que não dá conta, por inteiro, das condições necessárias à implementação da inovação proposta. Depende, portanto, de negociações e decisões que deverão contemplar as especificidade locais e os procedimentos que fundamentam a convivência democrática.
Certamente, cabe ao poder público, como gestor das políticas educacionais, "universalizar" o atendimento imediato do ensino obrigatório de qualidade e responder, simultaneamente, às exigências que favoreçam a transição do estágio atual para um novo padrão de formação inicial e continuada do professor. Atingir este patamar pressupõe, por sua vez, a possibilidade de ampliar o acesso às Instituições de Educação Superior, bem como o desenvolvimento de pesquisas que tenham seu foco nas necessidades das escolas e seus respectivos contextos.
Entende-se, com o atendimento dessas exigências, que é possível ampliar o potencial de articulação a ser alcançado entre a melhoria da Educação Básica e as Instituições de Ensino Superior, reduzindo-se os riscos das mesmas transformarem-se em locus de investigação e produção de conhecimentos voltados para a especialização exclusiva de seus próprios docentes. Louvem-se, então, as iniciativas em curso que se anteciparam no engajamento das citadas IES com as demandas dos sistemas de ensino.
Trata-se, como se vê, de um patamar a ser alcançado e de condições a serem criadas, num país que ainda conta com um grande contingente de professores leigos, com escolarização no nível do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio, sem a habilitação de Magistério. Exercem a docência nas redes estaduais e municipais ( tabela 1), exigindo, particularmente em algumas regiões, uma política de formação continuada que assegure a curto e médio prazo, condições mínimas para o exercício profissional.
TABELA 1 – Funções Docentes, por Grau de Formação dos Respectivos Ocupantes, nas Quatro Séries Iniciais do Ensino Fundamental – Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – 1996
Nível de
Formação
Fundamental
Médio
Superior


Incompl.
Completo
C/Magist.
S/Magist.
CC/ Licenc.
S/Licenc.
Total
Região





C/Magist.
S/Magist.

Norte
33.911
15.211
46.369
2.967
1.684
233
75
80.450
Nordeste
60.765
38.417
189.255
9.672
20.365
2.429
503
321.406
Centro-Oeste
2.584
3.938
31.626
2.317
12.389
1.182
203
54.239
Total
77.260
57.566
267.250
14.956
34.438
3.844
781
456.095
Fonte MEC/INEP/SEEC
Face a essa realidade, mecanismos disciplinadores da aplicação de recursos na manutenção e no desenvolvimento do ensino obrigatório admitem a possibilidade de financiamento para a formação de professores leigos em exercício. É o caso da Lei 9424/96 que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério, que em seu art. 7o, parágrafo único, estabelece: Nos primeiros cinco anos, a contar da publicação desta lei, será permitida a aplicação de parte dos recursos da parcela de 60%, prevista neste artigo, na capacitação de professores leigos.
Na verdade, tanto do ponto de vista legal, quanto da diversidade que perpassa a realidade educacional do país, considera-se que o ensino médio na modalidade Normal, incorporadas as contribuições advindas da legislação educacional e dos estudos recentes a respeito dessa habilitação, representa, no trajeto da profissionalização do educador, uma das alternativas a serem consideradas na definição de políticas integradas para o setor.
Desse modo, a oferta do curso Normal atende o que prescreve a lei e, além de tudo, possibilita ao poder público proceder à passagem da formação inicial de nível médio para a de nível superior, sem prejuízo da expansão da educação infantil e da universalização do ensino fundamental. Para tanto, deverá, no mínimo, cumprir os requisitos de qualidade exigidos para profissionais que têm a atribuição de definir, no exercício da atividade pedagógica, o quê e como ensinar.
Sobre o caráter autônomo dessa atividade, vale também observar, seu compromisso com o princípio da liberdade e com o estatuto da convivência democrática nos sistemas de ensino, ambos inspirados na LDBEN. Contudo, seu significado maior está dado, na mesma lei, pelos ideais de solidariedade e pela capacidade de vincular o mundo da escola ao do trabalho e da prática social. Para tanto, no curso Normal em nível médio, os princípios que fundamentam o projeto pedagógico e as práticas escolares que concretizam os ambientes de aprendizagens deverão também ser coerentes com os princípios que iluminam as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (DCNEF) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI).

BASES PARA AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.
João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas
O curso Normal, em função de sua natureza profissional, requer um ambiente institucional próprio com organização adequada à identidade de sua proposta pedagógica. À luz da legislação educacional, deverá prover a formação de professores, em nível médio, para atuar como docentes na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Na LDBEN as incumbências dos professores estão claramente definidas no art. 13. e, nesse dispositivo, a atividade docente é essencialmente coletiva e contextualizada numa gestão pedagógica cuja pretensão maior é provocar, apoiar e avaliar o processo de aprendizagem dos alunos.
Tendo como horizonte essa perspectiva, o curso deve formar professores autônomos e solidários, capazes de investigar os problemas que se colocam no cotidiano escolar, utilizar os conhecimentos, recursos e procedimentos necessários às suas soluções, avaliar a adequação das escolhas que foram efetivadas, e, ainda, devido às transformações por que passam as sociedades, deverão analisar as conseqüências dos novos paradigmas do conhecer. Implicam conhecimentos gerados a partir de um modo de refletir sobre a prática que mantém no direito do aluno aprender, no esforço nacional de construção de um projeto de educação escolar de qualidade para o país, e nas regras da convivência democrática, as referências que norteiam permanentemente a ação pedagógica.
Assim, as diretrizes curriculares para o curso Normal em nível médio deverão ser inspiradas nos princípios éticos, políticos e estéticos já declarados nos Pareceres de nos 22/98, 04/98 e 15/98, a respeito da educação infantil e do ensino fundamental e médio. Na organização das propostas pedagógicas, as escolas deverão assumi-los como ponto de partida e foco de iluminação para todo o percurso da formação dos professores:
I - Na efetivação desses princípios, as práticas educativas desenvolvidas no curso Normal são constitutivas de sentimentos e consciências. Constroem, utilizando abordagens condizentes com o exercício da cidadania plena na sociedade contemporânea, as identidades dos alunos (futuros professores), que deverão vivenciar situações de estudos e aprendizagens nas quais são consideradas as especificidades do processo de pensamento, a realidade sócio-econômica, a diversidade cultural, étnica, de religião e de gênero.
II – No exercício da autonomia, as escolas normais de nível médio deverão elaborar propostas pedagógicas mobilizadoras de mentes e afetos, propiciando, na perspectiva da cidadania plena, a conexão entre conhecimentos, valores norteadores da educação escolar e experiências que provêm das realidades específicas de alunos e professores. Suas histórias de vida são importantes. Aqueles que ensinam e aprendem têm uma história que se expressa em todas as suas atitudes, na postura profissional e no modo de ensinar, pensar e aprender. Ao considerar princípios éticos, políticos e estéticos na reinterpretação de histórias que se influenciam e modificam umas as outras, a escola reconhece as identidades pessoais e assegura a reelaboração crítica do conhecimento de si e do seu relacionamento com os demais durante o processo de formação. Ensinar/aprender é, portanto, um movimento sensível ao inesperado e aberto, numa sociedade instituinte, à singularidade dos pensamentos e sentimentos. Pressupõe, nesse sentido, a competência dos professores para tomar decisões que nem sempre constam do elenco de saberes e experiências já vistos e conhecidos, por inteiro.
III – A clareza a respeito das competências e capacidades cognitivas sociais e afetivas pretendidas como objetivos do curso normal de nível médio, é decisiva para o diálogo entre os integrantes da comunidade escolar, o conjunto da sociedade e entre as áreas curriculares na relação com os múltiplos aspectos da vida cidadã, com vista ao desenvolvimento da proposta pedagógica. Na verdade, o diálogo é proposto como a base do ato pedagógico, caracterizando o princípio da autonomia da escola através de um modelo de gestão que é, de um lado, um convite para "sair do isolamento e romper fronteiras" e, de outro, um esforço especulativo e questionador da versão social do que vem sendo considerado e aceito como aprendizagens significativas, num determinado contexto. De fato, o diálogo reveste de especial importância, dada a repercussão que tem na formação de futuros professores, a experiência vivida na condição de alunos do curso Normal.
IV – Na estruturação das propostas pedagógicas, a ênfase dada ao diálogo em todas as suas formas deverá preparar os professores para lidar com um paradigma curricular que articule conhecimentos e valores, em áreas ou núcleos curriculares que interagem no processo de constituição de conhecimento, valores e competências necessárias ao exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Dessa forma, as áreas ou núcleos curriculares possibilitarão a formação básica geral e comum, a compreensão da gestão pedagógica no âmbito da educação escolar contextualizada e a produção de conhecimento a partir da reflexão permanente sobre a prática. O diálogo também deve ser instalado entre as áreas de conhecimento e o modo particular de inserção dos alunos (do curso normal) na vida social, considerando, nos termos das DCN para a educação infantil e o ensino fundamental, os diversos aspectos da vida cidadã.
V – A formação básica, geral e comum, considerada direito inalienável e condição necessária ao exercício da cidadania plena, deverá assegurar, no curso Normal, os conhecimentos e competências previstos para a terceira etapa da educação básica, nos termos do que estabelece a Lei 9394/96, nos arts. 35 e 36, explicitados, posteriormente, no Parecer no 15/98 da CEB-CNE. Enquanto dimensão do processo integrado de formação de professores em nível médio, sua abordagem é remetida aos ambientes de aprendizagem planejados e desenvolvidos na escola campo de estudo e investigação. Nesse sentido, além de contemplar conteúdos e competências de caráter geral, incluirá as áreas que integram o currículo destinado à educação infantil e aos anos iniciais do ensino fundamental em níveis de abrangência e complexidade indispensáveis à (re)significação de conhecimentos e valores nas situações pedagógicas em que são (des)construídos/(re)construídos por crianças, jovens e adultos. Assim sendo, é necessário em articulação com as demais áreas que constituem o curso, expor os estudantes a situações do cotidiano escolar que sejam estimuladoras das competências e capacidades cognitivas sociais e afetivas que serão exigidas, posteriormente, no exercício da docência.
Por isso, o professor formador, independente de sua área de atuação levará em consideração as influências do processo de comunicação na formação dos docentes, pautando suas ações pelos mesmos princípios que orientam a inserção dos alunos no conjunto das atividades do projeto pedagógico das escolas campo de estudo.
VI – A reflexão sistemática sobre o saber do fazer de cada professor e da escola como um todo é impulsionadora do processo de produção do conhecimento que se instaura como uma atividade crítica desde as origens da formação do professor. No curso Normal, a reflexão sistemática sobre a prática deve conferir validade aos estudos e às experiências a que são expostos alunos e professores. Ao eleger o fazer como o objeto da reflexão, a formação é concebida a partir do envolvimento dos alunos e professores em situações complexas, cuja intervenção exige a explicitação de conhecimentos e valores que referenciam competências afinadas com uma concepção de professor reflexivo, dotado da capacidade intelectual, autonomia e postura ética, indispensáveis ao questionamento das interpretações que apoiam, inclusive, suas intervenções no exercício da atividade profissional. O professor, nesse caso, é sujeito do seu conhecimento e se define como intelectual no âmbito de sua atividade profissional que é reconhecidamente ‘prática e contextualizada’.
VII – As escolas, com seus desafios e soluções, ao se tornarem campo de estudo e investigação dos alunos do curso Normal, devem enriquecer a sistematização da reflexão sobre a prática, submetendo-se a um processo de avaliação permanente que identifique a adequação entre as pretensões do curso e a qualidade das decisões que são tomadas pela instituição. A educação escolar, espaço de igualdade e de direitos, é uma prática social que se viabiliza sob a responsabilidade da Família e do Estado. Enquanto atividade pública, que pretende assegurar as condições necessárias ao exercício de um direito socialmente conquistado e legalmente constituído, deverá, através da proposta pedagógica da escola, incorporar representantes de todos os segmentos da escola, alunos da escola campo de estudo, futuros professores, bem como as respectivas famílias, grupos sociais e comunidade, num processo de avaliação que envolva todas as dimensões dessa proposta.
A perspectiva é construir a qualidade da educação escolar, ancorando-se, para tanto, nos princípios da gestão democrática, nos termos da CF e da LDBEN, garantindo o controle público das políticas dispostas.
VIII – A gestão pedagógica, no âmbito da educação escolar contextualizada, deverá, em diálogo com as demais áreas ou núcleos curriculares da proposta pedagógica, desenvolver práticas educativas que integram os múltiplos aspectos constitutivos da identidade dos alunos (futuros professores), que se deseja sejam afirmativas, responsáveis e capazes de protagonizar ações autônomas e solidárias no universo das suas relações. Nessa abordagem, a problematização das escolhas e dos resultados que demarcam a identidade da proposta pedagógica das escolas nas quais a gestão pedagógica da educação escolar observada é vivenciada, tomam como objeto de análise a escola como instituição social determinada e determinante, a legislação educacional e os diversos sistemas de ensino no horizonte dos direitos dos cidadãos e do respeito ao bem e à ordem democrática, os alunos em suas diversas etapas de desenvolvimento e suas relações com o universo familiar, comunitário e social, o impacto dessas relações sobre as capacidades, habilidades e atitudes dos alunos em relação a si próprios, seus companheiros e aos objetos e materiais de estudo. Na formação dos futuros docentes isto pode ser aprendido através de conteúdos da sociologia educacional, psicologia educacional, antropologia cultural, história, comunicação, informática, artes e cultura, entre outras. Valendo-se dos conhecimentos específicos dessas e de outras áreas, os professores poderão, ao tratá-los de forma integrada, fazer escolhas a partir do estudo crítico de diferentes orientações teórico-metodológicas. Portanto, as práticas educativas levam em consideração, não só a realidade cultural, social, econômica, de gênero e de etnia, mas também a centralidade da educação escolar no conjunto das prioridades consensuadas no país.
IX – A prática, circunscrita ao processo de investigação e participação dos alunos no conjunto das atividades que se desenvolvem na escola campo de estudo, é instituída no início da formação, prolongando-se ao longo do curso e com duração mínima de 800 horas. Em função da sua natureza, a prática antecipa situações que são próprias da atividade dos professores no exercício da docência, gerando conhecimento, valores e uma progressiva segurança dos alunos do curso normal , no domínio da sua futura profissão. Na verdade, deve estabelecer o contato dos alunos com o mundo do trabalho e a prática social, conforme determina o art. 1o da LDBEN. A tematização da prática oferece informações para a compreensão dos problemas que emergem do cotidiano escolar, gerando conhecimentos para a formulação de soluções originais e adequadas. Nesse processo, a proposta pedagógica da escola, utilizando os instrumentos tecnológicos disponíveis deve oportunizar o acesso dos alunos, ao espaço mundial e integrado de conhecimentos a respeito da qualidade social da educação escolar.
X – O curso, considerada a flexibilidade da LDBEN, tem, a critério da proposta pedagógica da escola, amplas e diversas possibilidades de organização. Sua duração, no entanto, será de no mínimo 3.200 horas, distribuídas em 4 (quatro) anos letivos. A possibilidade de cumprir a carga horária mínima em 3 (três) anos, fica condicionada ao desenvolvimento do curso em período integral, contemplando o que está previsto nos termos da formação geral, básica e comum, estabelecida para o ensino médio que será, por sua vez, desenvolvida no contexto das incumbências do professor da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental.
Assim, a formação inicial pressupõe conhecimentos e competências referenciados às condições de profissionalização de educadores capazes de estimular procedimentos e desenvolver práticas educativas que sejam constituidoras de indivíduos autônomos e protagonistas da construção mais significativa do processo educativo: o exercício da sua liberdade no contexto das relações éticas que propugnam por uma trajetória da humanidade no horizonte da democracia.
II – VOTO DA RELATORA
À luz do exposto e analisado, em obediência ao artigo 9º da Lei 9131/95 que incumbe à Câmara de Educação Básica a deliberação sobre Diretrizes Curriculares Nacionais, a relatora vota no sentido de que seja aprovado o texto ora proposto como base do Projeto de Resolução que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso Normal em nível médio.
Brasília(DF), 29 de Janeiro de 1999.
(a) Conselheira Edla de Araújo Lira Soares - Relatora
III –DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica acompanha, unanimemente, o voto da Relatora e aprova o Projeto de Resolução que se segue.
Brasília, 29 de janeiro de 1999.
(aa) Ulysses de Oliveira Panisset – Presidente
Francisco Aparecido Cordão - Vice-Presidente
Notas
1 GADOTTI, M. 1996. Paulo Freire – Uma Biobliografia.
2 LEFORT, Claude. 1987. A invenção democrática – os limites do autoritarismo.
3 FORQUIN, Jean-Claude. 1993. Escola e cultura.
4 MEC. 1998. Plano Nacional de Educação.
5 Plano Nacional de Educação. Proposta da sociedade brasileira. 1997.
6 ANPED. 1997.
7 ANFOPE. 1997.
8 Um dos ciclos estava voltado para a formação de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o outro, o curso de formação de professores primários, era desenvolvido em três anos, após o ginasial.
9 Art. 22 – Os candidatos à matrícula em cursos de especialização de magistério primário deverão apresentar diploma de conclusão do curso de segundo ciclo e prova de exercício do magistério primário por dois anos, no mínimo; os candidatos à matrícula em cursos de administradores escolares, ou funções auxiliares de administração, deverão apresentar igual diploma, e prova do exercício do magistério por três anos no mínimo.
BIBLIOGRAFIA:
ANFOPE. VIII Encontro Nacional. Documento gerador. Formação de profissionais da educação. Desafios para o século XXI. Goiânia, 1996. (mimeo).
ANPED
BRASIL Constituição da República Federativa. 1988.
_______. Emenda Constitucional nº 14 de 12 de setembro de 1996.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – nº 9394/96.
_______. Lei nº 9424, de 24 de dezembro de 1996.
_______. Leis Orgânicas do Ensino. O Ensino Normal. 1946.
_______. Plano Nacional de Educação. 1998.
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. 1998.
COLL, César. Psicologia y Currículum. Barcelona: Paidós, 1991.
_______. Desenvolvimento Psicológico e Educação – Psicologia da Educação, Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Educação, carinho e trabalho. Petrópolis: Editora vozes, 1997.
CURY, Horta e Vera Lúcia. Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano Nacional de Educação. São Paulo, Ed. Brasil, 1997.
DOWBOR, Ianni e Rezende (orgs.) Desafios da globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
FERNANDES, Florestan. A formação política e o trabalho do professor. In Universidade, Escola e Formação de Professores. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986.
FORQUIN, Jean-Claude. Educação e Cultura. 1993.
GADOTTI, M.: Paulo Freire: uma bibliografia. 1996.
GATTI, Bernadete Angelina. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação – Coleção formação de professores. Campinas, São Paulo, Autores Associados, 1997.
GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais: ruma a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
GONÇALVES, Carlos Luiz e PIMENTA, Selma Garrido. Revendo o ensino de 2º grau: propondo a formação de professores. São Paulo, Ed. Cortez, 1997.
KINCHELOE, Joe L. A formação do professor como compromisso político. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
LEFOR. C. A invenção democrática – os limites do autoritarismo. São Paulo: Brasiliense, 1987
MEC/SEF/COEDI – Por uma Política de Formação do Profissional de Educação Infantil. Brasil, 1994.
MEC/SEF – Referenciais curriculares para a formação de professores. 1998
NÓVOA, Antônio. Para um estudo sócio-histórico e desenvolvimento da profissão docente. In: Teoria e Educação. Porto Alegre, Ed. Panorâmica, 1991.
PERRENOUD, Phillippe. Formar os professores do primeiro grau à Universidade: aposta de Genebra. Universidade de Genebra, Mimeo, 1996.
____________. Ensinar Saberes ou desenvolver competências: a escola entre dois paradigmas. Universidade de Genebra. Mimeo.
PIMENTA, Garrido Selma. Didática e Formação de Professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo, Ed. Cortez, 1997.
Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira. 1997
ROMANELLI, Oliveira O. História da Educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1978.
TORRES, Rosa Maria. Formación Docente: Clave de la reforma educativa. Texto apresentado no Seminário "Nuevas formas de aprender y de enseñar: Demandas a la formación inicial del docente". CIDE/UNESCO-OREALC/UNICEF, Chile, Santiago, Mimeo, 1985.
_______. Profesionalización o Exclusion: Los educadores frente a la realidad actual y los desafios futuros. Texto apresentado na Conferência Internacional de Educação, organizada pela Confederação de Educadores da América (CEA), México, Mimeo, 1997.
[Volta ao início do documento]
RESOLUÇÃO CEB Nº 2, DE 19 DE ABRIL DE 1999(*)
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de conformidade com o disposto no art. 9º § 1º, alínea "c", da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, nos artigos 13, 26, 29, 35, 36, 37, 38, 58, 59, 61, 62 e 65 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e tendo em vista o Parecer CEB/CNE 1/99, homologado pelo Senhor Ministro da Educação em 12 de abril de 1999,
RESOLVE:
Art. 1º O Curso Normal em nível Médio, previsto no artigo 62 da Lei 9394/96, aberto aos concluintes do Ensino Fundamental, deve prover, em atendimento ao disposto na Carta Magna e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN, a formação de professores para atuar como docentes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, acrescendo-se às especificidades de cada um desses grupos as exigências que são próprias das comunidades indígenas e dos portadores de necessidades educativas especiais.
§ 1º O curso, em função da sua natureza profissional, requer ambiente institucional próprio com organização adequada à identidade da sua proposta pedagógica.
§ 2º A proposta pedagógica de cada escola deve assegurar a constituição de valores, conhecimentos e competências gerais e específicas necessárias ao exercício da atividade docente que, sob a ótica do direito, possibilite o compromisso dos sistemas de ensino com a educação escolar de qualidade para as crianças, os jovens e adultos.
Art. 2º Nos diversos sistemas de ensino, as propostas pedagógicas das escolas de formação de docentes, inspiradas nos princípios éticos, políticos e estéticos, já declarados em Pareceres e Resoluções da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, deverão preparar professores capazes de :
I - integrar-se ao esforço coletivo de elaboração, desenvolvimento e avaliação da proposta pedagógica da escola, tendo como perspectiva um projeto global de construção de um novo patamar de qualidade para a educação básica no país;
II - investigar problemas que se colocam no cotidiano escolar e construir soluções criativas mediante reflexão socialmente contextualizada e teoricamente fundamentada sobre a prática;
III - desenvolver práticas educativas que contemplem o modo singular de inserção dos alunos futuros professores e dos estudantes da escola campo de estudo no mundo social, considerando abordagens condizentes com as suas identidades e o exercício da cidadania plena, ou seja, as especificidades do processo de pensamento, da realidade sócio-econômica, da diversidade cultural, étnica, de religião e de gênero, nas situações de aprendizagem;
IV - avaliar a adequação das escolhas feitas no exercício da docência, à luz do processo constitutivo da identidade cidadã de todos os integrantes da comunidade escolar, das diretrizes curriculares nacionais da educação básica e das regras da convivência democrática;
V - utilizar linguagens tecnológicas em educação, disponibilizando, na sociedade de comunicação e informação, o acesso democrático a diversos valores e conhecimentos.
Art. 3º Na organização das propostas pedagógicas para o curso Normal, os valores, procedimentos e conhecimentos que referenciam as habilidades e competências gerais e específicas previstas na formação dos professores em nível médio serão estruturados em áreas ou núcleos curriculares.
§ 1º As áreas ou os núcleos curriculares são constitutivos de conhecimentos, valores e competências e deverão assegurar a formação básica, geral e comum, a compreensão da gestão pedagógica no âmbito da educação escolar contextualizada e a produção de conhecimentos a partir da reflexão sistemática sobre a prática.
§ 2º A articulação das áreas ou dos núcleos curriculares será assegurada através do diálogo instaurado entre as múltiplas dimensões do processo de aprendizagem, os conhecimentos, os valores e os vários aspectos da vida cidadã.
§ 3º Na observância do que estabelece o presente artigo, a proposta pedagógica para formação dos futuros professores deverá garantir o domínio dos conteúdos curriculares necessários à constituição de competências gerais e específicas, tendo como referências básicas:
I - o disposto nos artigos 26, 27, 35 e 36 da Lei 9.394/96;
II - o estabelecido nas diretrizes curriculares nacionais para a educação básica;
III - os conhecimentos de filosofia, sociologia, história e psicologia educacional, da antropologia, da comunicação, da informática, das artes, da cultura e da lingüística, entre outras.
§ 4º A duração do curso normal em nível médio, considerado o conjunto dos núcleos ou áreas curriculares, será de no mínimo 3.200 horas, distribuídas em 4 (quatro) anos letivos, admitindo-se:
I – a possibilidade de cumprir a carga horária mínima em 3(três) anos, condicionada ao desenvolvimento do curso com jornada diária em tempo integral;
II – o aproveitamento de estudos realizados em nível médio para cumprimento da carga horária mínima, após a matrícula, obedecidas as exigências da proposta pedagógica e observados os princípios contemplados nestas diretrizes, em especial a articulação teoria e prática ao longo do curso.
Art. 4º No desenvolvimento das propostas pedagógicas das escolas, os professores formadores, independente da área ou núcleo onde atuam, pautarão a abordagem dos conteúdos e as relações com os alunos em formação, nos mesmos princípios que são propostos como orientadores da participação dos futuros docentes nas atividades da escola campo de estudo, bem como no exercício permanente da docência.
Art. 5º A formação básica, geral e comum, direito inalienável e condição necessária ao exercício da cidadania plena, deverá assegurar, no curso Normal, as competências gerais e os conhecimentos que são previstos para a terceira etapa da educação básica, nos termos do que estabelecem a Lei 9394/96 - LDBEN, nos arts. 35 e 36, e o Parecer CEB/CNE 15/98.
§ 1º Enquanto dimensão do processo integrado de formação de professores, os conteúdos curriculares dessa área serão remetidos a ambientes de aprendizagem planejados e desenvolvidos na escola campo de estudo.
§ 2º Os conteúdos curriculares destinados à educação infantil e aos anos iniciais do ensino fundamental serão tratados em níveis de abrangência e complexidade necessários à (re)significação de conhecimentos e valores, nas situações em que são (des)construídos/(re)construídos por crianças, jovens e adultos.
Art. 6º A área ou o núcleo da gestão pedagógica no âmbito da educação escolar contextualizada, em diálogo com as demais áreas ou núcleos curriculares das propostas pedagógicas das escolas, propiciará o desenvolvimento de práticas educativas que:
I – integrem os múltiplos aspectos constitutivos da identidade dos alunos, que se deseja sejam afirmativas, responsáveis e capazes de protagonizar ações autônomas e solidárias no universo das suas relações;
II – considerem a realidade cultural, sócio-econômica, de gênero e de etnia, e também a centralidade da educação escolar no conjunto das prioridades sociais a serem consensuadas no país.
Parágrafo Único. Nessa abordagem, a problematização das escolhas e dos resultados que demarcam a identidade da proposta pedagógica das escolas campo de estudo toma como objeto de análise:
I - a escola como instituição social, sua dinâmica interna e suas relações com o conjunto da sociedade, a organização educacional, a gestão da escola e os diversos sistemas de ensino, no horizonte dos direitos dos cidadãos e do respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II - os alunos nas diferentes fases de seu desenvolvimento e em suas relações com o universo familiar, comunitário e social, bem como o impacto dessas relações sobre as capacidades, habilidades e atitudes dos estudantes em relação a si próprios, aos seus companheiros e ao conjunto das iniciativas que concretizam as propostas pedagógicas das escolas.
Art. 7º A prática, área curricular circunscrita ao processo de investigação e à participação dos alunos no conjunto das atividades que se desenvolvem na escola campo de estudo, deve cumprir o que determinam especialmente os artigos 1° e 61 da Lei 9.394/96 antecipando, em função da sua natureza, situações que são próprias da atividade dos professores no exercício da docência, nos termos do disposto no artigo 13 da citada Lei.
§ 1º A parte prática da formação, instituída desde o início do curso, com duração mínima de 800 (oitocentas) horas, contextualiza e transversaliza as demais áreas curriculares, associando teoria e prática.
§ 2º O efetivo exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, pelos alunos em formação, é parte integrante e significativa dessa área curricular.
§ 3º Cabe aos respectivos sistemas de ensino, em cumprimento ao disposto no parágrafo anterior, estabelecer a carga horária mínima dessa docência.
Art. 8º Os cursos normais serão sistematicamente avaliados, assegurando o controle público da adequação entre as pretensões do curso e a qualidade das decisões que são tomadas pela instituição, durante o processo de formulação e desenvolvimento da proposta pedagógica.
Art. 9º As escolas de formação de professores em nível médio na modalidade Normal, poderão organizar, no exercício da sua autonomia e considerando as realidades específicas, propostas pedagógicas que preparem os docentes para as seguintes áreas de atuação, conjugadas ou não:
I – educação infantil;
II – educação nos anos iniciais do ensino fundamental;
III – educação nas comunidades indígenas;
IV – educação de jovens e adultos;
V – educação de portadores de necessidades educativas especiais.
Art. 10. Cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino, em face da diversidade regional e local e do pacto federativo, estabelecer as normas complementares à implementação dessas diretrizes.
Art. 11. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 12.Revogam-se as disposições em contrário.
ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
Presidente da Câmara de Educação Básica
____________
(*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 2/998. Diário Oficial, Brasília, 23 abr. 1999. Seção 1, p. 97.
[

Nenhum comentário: